Concluímos os 40 dias da Quaresma. Estamos às portas do Tríduo Pascal, em que fazemos memória daqueles dias santíssimos em que Nosso Senhor sofreu sua Paixão e Morte. São fatos históricos ocorridos muito tempo atrás, na distante cidade de Jerusalém – mas apesar do grande intervalo de tempo e espaço que nos separa, estes eventos estão intimamente ligados à vida de cada um de nós. Pois Cristo, embora fosse verdadeiro homem e experimentasse realmente as dores físicas e psicológicas da Paixão, era também verdadeiro Deus, e por isso possuía aquele conhecimento divino que Lhe permitia contemplar, a cada passo da Paixão, a cada um dos seres humanos pelos quais se entregava.
A Paixão não foi um acidente de percurso: foi “por nós homens, e para nossa salvação” que Cristo se encarnou e nasceu como um bebezinho em Belém, assim como “também por nós foi crucificado, padeceu e foi sepultado”. Cada momento da vida de Cristo sobre a terra apontava para a Paixão e Morte de Cruz: este momento dramático que Ele chamava de sua “Hora”.
Os santos da Igreja, refletindo sobre o desígnio divino de salvar a humanidade por meio de Cristo, percebem que a Paixão e a Cruz de Cristo foram o supremo ato de amor divino por nós. De fato, rigorosamente falando, Deus não precisava da Paixão para nos salvar: como cantamos no Adoro te Devote, uma só gota do sangue de Cristo já bastaria para purificar o mundo inteiro de todo o pecado. Mais que isso: qualquer ato de amor e obediência a Deus que Jesus fizesse, como Deus e homem, teria valor infinito, e já seria suficiente para pagar o preço do pecado.
Por que, então, a Cruz? Santo Tomás de Aquino afirma que, embora Deus não fosse obrigado a recorrer à Cruz para salvar a humanidade, Ele quis fazê-lo pois se tratava da forma mais conveniente de fazê-lo, e isso por vários motivos.
Em primeiro lugar, morrendo na Cruz, Cristo não apenas nos salvou, mas também nos deixou um sinal claríssimo de seu amor por nós – afinal de contas, “Eis aqui uma prova brilhante de amor de Deus por nós: quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós” (Rm 5,8). E essa demonstração cabal do amor divino nos estimula a amá-Lo de volta, e a assim conseguirmos a salvação completa.
Em segundo lugar, Cristo nos deixou, em sua Paixão, um exemplo perfeito de obediência, humildade, firmeza nas provações, amor e perdão aos inimigos, e todas as outras virtudes que nos são necessárias para sermos salvos. Como dizia São Pedro, “Cristo padeceu por nós, deixando-nos exemplo para que sigamos os seus passos” (1Pe 2,21).
Em terceiro lugar, ao comprar a nossa liberdade com seu sangue precioso, Cristo nos mostrou o alto preço com que Deus tem em conta nossa salvação – e assim nos deu um motivo a mais para não jogar fora esta salvação, recaindo no pecado, pois “fomos comprados por um grande preço” (cf. 1Co 6,20).
Por fim, em quarto lugar, ao salvar-nos por meio de sua Paixão e Morte, Cristo adquiriu nobreza e dignidade para a natureza humana. Pois se outrora o homem fora vencido pelo demônio em Adão, agora é também o homem quem vence o demônio, no Novo Adão; e se outrora o homem tinha merecido a morte, agora o Homem, por sua morte, derrota a morte.
Nesta Semana Santa, meditemos a Paixão de Cristo, este grande amor com que nos amou, e nos decidamos a amá-Lo de verdade, agora, com obras de conversão!