Estamos por nos aproximar do Mistério Pascal do Senhor no qual a Igreja “celebra os mistérios da salvação levados a termo por Cristo nos últimos dias de sua vida, a começar pela sua entrada messiânica em Jerusalém” (cf. Congregação para o Culto Divino, Carta Circular sobre a preparação e a celebração das festas da Páscoa [16.1.1988], 27). Há sempre algo novo a se dizer, afinal, é um acontecimento inefável que nunca deixa de inspirar palavras.
O Evangelho segundo João nos fala de três festas de Páscoa que Jesus celebrou durante o período de sua vida pública: a primeira Páscoa, quando se deu a purificação do templo (2,13-25), depois a Páscoa da multiplicação dos pães (6,4) e, por fim, a Páscoa da morte e ressurreição, que se tornou a sua grande Páscoa, na qual se fundamenta a festa cristã, comumente chamada de Páscoa dos cristãos. Trata-se de uma “subida”, antes de mais nada, em sentido geográfico: o mar da Galileia situa-se a cerca de 200 metros abaixo do nível do mar, enquanto a altura média de Jerusalém é de 760 metros acima do referido nível. A meta final dessa “subida” de Jesus é a oferta de Si mesmo na cruz, oferta que substitui os sacrifícios antigos. Essa ascensão até a presença de Deus passa pela cruz: é a subida para o “amor até o fim” (cf. Jo 13,1), que é o verdadeiro monte de Deus. Todavia, a meta imediata da peregrinação de Jesus é Jerusalém, a Cidade Santa com o seu templo, e a “Páscoa dos judeus”, como a designa João (2,13).
A peregrinação que Jesus efetua com os seus discípulos aumenta a esperança da vinda do Messias, o filho de Davi. Jesus chega ao monte das Oliveiras, manda à frente dois discípulos, dizendo-lhes que encontrariam um jumento preso, um jumentinho que ainda ninguém montara. Deviam soltá-lo e trazê-lo: caso alguém lhes pedisse a legitimação para tal, deviam responder: “O Senhor está precisando dele” (cf. Mt 21,3; Lc 19,31). Ao leitor atual, tudo isso pode parecer sem importância, mas para os judeus contemporâneos de Jesus está cheio de misteriosas alusões. Em cada detalhe, está presente o tema da realeza com as suas promessas. Jesus reivindica o direito régio da requisição de meios de transporte, um direito conhecido em toda a Antiguidade. O próprio fato de tratar-se de um animal que ninguém ainda montara aponta para um direito régio. O texto explicitamente citado por Mateus e João para a compreensão do “Domingo de Ramos” esclarece bem o sentido histórico de Jesus ter entrado em Jerusalém montado em um jumentinho: “Dizei à filha de Sião: eis que o Teu Rei vem a ti, manso e montado em um jumento, em um jumentinho, filho de uma jumenta” (cf. Mt 21,5; cf. Zc 9,9; Jo 12,15). Ele é um rei que quebra os arcos da guerra, um rei da paz e um rei da simplicidade, um rei dos pobres. E, por fim, vimos que governa um reino que se estende de mar a mar, abraçando o mundo inteiro; assim, Jesus reivindica efetivamente um direito régio. Ele quer que compreendam o seu caminho e as suas ações com base nas promessas do Antigo Testamento, que Nele se tornam realidade. Com isso, Jesus não Se apoia na violência, não começa uma insurreição militar contra Roma. O seu poder é de caráter diferente; é na pobreza de Deus, na paz de Deus que Ele individualiza o único poder salvador.
No desenrolar da história, trazem o jumentinho a Jesus, e naquele momento acontece algo inesperado: os discípulos colocam sobre o jumento as suas capas. O fato de estender as capas está ligado a uma tradição na realeza de Israel (cf. 2 Rs 9,13). A ação realizada pelos discípulos é um gesto de entronização na tradição da realeza davídica e, consequentemente, na esperança messiânica, que se tinha desenvolvido a partir dessa tradição. Depois, cortam os ramos das árvores e gritam palavras do Salmo 118 – palavras de oração da liturgia dos peregrinos de Israel – que, nos seus lábios, se tornam uma proclamação messiânica: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o reino que vem do nosso pai Davi! Hosana no mais alto dos céus!” (cf. Mc 11,9-10; cf. Sl 118,25-26). Originalmente, era uma expressão de premente súplica, como: “Ai de nós, ajudai-nos!”. Desse modo, podemos reconhecer na exclamação “Hosana”, uma expressão de sentimentos de múltiplo significado: um jubiloso louvor a Deus no momento daquela entrada; a esperança de que tivesse chegado a hora do Messias e, ao mesmo tempo, uma súplica para que se realizasse de novo o reino de Davi e, com ele, o reino de Deus sobre Israel.
Caros irmãos, como peregrinos, caminhemos para Ele aclamando o nosso “Hosana”, o nosso grito de louvor e de súplica a Deus; como peregrino, Ele vem ao nosso encontro e associa-nos à Sua “subida” para a cruz e Ressurreição, para a Jerusalém definitiva que cresce ano após ano, dia após dia, no memorial Eucarístico de sua Paixão e Morte. Vivamos intensamente estes dias que se aproximam!