Em tempos em que os fiéis católicos – e mesmo alguns de seus pastores – parecem confusos e divergentes sobre a verdadeira missão da Igreja, pareceu-nos oportuno resgatar o pensamento do teólogo Romano Guardini sobre esse tema tão crucial.
A missão da Igreja, segundo ele, é antes de tudo proporcionar um encontro radical entre Deus e o homem, de modo a transformar a pessoa humana e convidá-la à comunhão, vivida na escuta da Palavra, na celebração litúrgica e na caridade.
Em sua obra A Igreja e os Católicos (The Church and the Catholic), Guardini assinala que a Igreja “desperta” na alma humana, não por um ato externo de poder, mas por uma ação espiritual, a adesão a Jesus Cristo, que conduz à liberdade.
Para Guardini, o sentido da Igreja está vinculado à realização da “humanidade plena”. Ele afirma que a Igreja caminha com o homem, não somente oferecendo doutrina ou norma, mas abrindo caminho para que a pessoa se torne aquilo que é – imagem de Deus – e viva a fé com consciência desvelada. Assim, a missão eclesial é antropológica tanto quanto teológica: a Igreja forma novas pessoas, liberta do cativeiro do “eu” isolado, para inseri-las na comunhão trinitária que o Cristianismo revela.
Do ponto de vista litúrgico, Guardini dá especial destaque à celebração como lugar privilegiado da missão da Igreja. A liturgia não é adição extrínseca ao Evangelho, mas expressão viva do acontecimento salvífico que a Igreja proclama e vive. Em tal perspectiva, a missão eclesial não se efetiva apenas no “outro”, no mundo, no serviço social – ainda que este seja significativo – mas, sobretudo, no “interior” da comunhão de fé que torna a Igreja sinal visível e instrumento da salvação. Guardini escreve que, “uma vez mais, encontramos a missão da Igreja – ela, e somente ela, conduz-nos a esta liberdade.”
Outro traço essencial do pensamento de Guardini é a universalidade da missão da Igreja. Como Igreja “católica” (no sentido pleno do termo), ela abraça toda a humanidade, supera divisões e convoca todos os povos à comunhão com Cristo e entre si. Guardini vê nesse dinamismo universal uma tensão entre particularidade e totalidade: a Igreja está concretamente inserida na história e nas culturas, contudo sua missão transborda essas fronteiras para abrir-se ao horizonte de Deus. A Igreja, portanto, é chamada a ser comunidade concreta – em que a fé se encarna – e, ao mesmo tempo, corpo missionário para o mundo inteiro.
Finalmente, Guardini convoca a Igreja a uma autêntica liberdade – que se entende não como mera opção indiferente entre opostos, mas como adesão total à verdade de Cristo. A missão da Igreja é libertar o homem de qualquer forma de alienação – social, moral, existencial – e conduzi-lo ao encontro com o Deus vivo, à responsabilidade comunitária e à transformação da sociedade segundo o Evangelho. Esse chamado exige coração, inteligência, vida comunitária – e, sobretudo, a fidelidade à vocação que a Igreja carrega: ser sacramento universal da salvação.
Em síntese, a missão da Igreja, à luz de Guardini, é anunciar e fazer presente Cristo no tempo e na história; formar pessoas novas, inseridas em comunhão e liberdade; celebrar o Mistério pascal de modo que todo o agir da Igreja seja rito e santidade; abrir-se ao mundo inteiro, com um amor que transcende fronteiras e culturas; e libertar o homem, chamando-o à recíproca relação com Deus e com os irmãos. Não se trata de mera conservação de tradições, mas de uma dinamização da graça que transforma o indivíduo, a comunidade e o mundo.
Que a Igreja viva assim a sua missão – não por modismo ou adaptação superficial, mas com a solidez que Guardini sublinha: “Ela, e somente ela, conduz-nos a esta liberdade”.






