Amigos de Deus

Estamos no fim de setembro, mês da Bíblia, experiência muito rica da Igreja no Brasil. Nestes 50 anos de história, muito se fez para que a Palavra de Deus fosse mais bem compreendida e pudesse ser vivida nas experiências mais diversas da vida pessoal, comunitária e social. A cada ano, há uma proposta nova, um texto para ser mais bem conhecido e subsídios produzidos por pessoas bem qualificadas, indicando caminhos seguros para uma verdadeira interpretação da Palavra de Deus.  

Considerando que a cada domingo somos alimentados pela Palavra, dirigimos nosso olhar para o texto do livro de Números, que relata a marcha do povo de Deus rumo à conquista da terra prometida. O capítulo 11 apresenta alguns obstáculos que impedem o povo de avançar. A falta de comida fez com que o povo se revoltasse, levando Moisés a se queixar a Deus por estar com um fardo muito pesado. A solução foi escolher 70 anciãos para auxiliá-lo nas tarefas essenciais. Dois dos escolhidos não compareceram à tenda, mas receberam o Espírito e passaram a profetizar no acampamento. Brotou aquele ciúme e houve quem pedisse que os fizessem calar. Moisés reage elogiando os feitos daqueles que, mesmo não participando da reunião, estavam fazendo o bem: “Quem me dera que todo o povo do Senhor fosse profeta”. O importante era fazer a travessia, apressar os passos para chegar à terra prometida.

Também Jesus é procurado por João, relatando ter visto um homem expulsando demônios em nome de Jesus. Conta o fato e já relata o que fizeram: “Nós o proibimos, porque ele não nos segue”. Pensavam estar dando uma grande contribuição, mas de imediato levam uma advertência de Jesus: “Não o proibais… Quem não é contra nós é a nosso favor”. Expulsar demônios era o principal sinal da chegada do Reino de Deus, significava a promoção da liberdade e da dignidade das pessoas. Para Jesus, ninguém deve proibir outros de fazer o bem, mesmo que essa pessoa não pertença a seu grupo ou religião. Em vez de calar, tais pessoas devem ser incentivadas, motivadas a continuar dando sua contribuição para construir dias melhores, especialmente para os pobres.

Tanto Moisés quanto Jesus não estão preocupados com o controle dos mecanismos do poder, mas com a vida e o bem-estar das pessoas. Suas atitudes revelam a necessidade de a comunidade ser aberta, acolhedora, tolerante, capaz de aceitar como sinais de Deus os gestos libertadores que acontecem no mundo. Quem luta pela justiça e faz as obras em favor do homem está do lado de Jesus e vive a dinâmica do Reino. Há aquelas que não estão formalmente dentro da estrutura eclesial, mas são comprometidas com a defesa da vida, fazem caridade, envolvem-se em políticas públicas, cobram procedimentos éticos das autoridades. Estas merecem respeito, incentivo e parceria.

Todos devem fazer o bem, e qualquer boa ação, por menor que seja, é sempre bem-vinda. Mesmo que seja apenas o oferecimento de um copo d’água não ficará sem a recompensa. Hoje tem muita gente oferecendo copo d’água, sustentando instituições que promovem a vida, distribuindo cestas básicas, cuidando de doentes, entre outras ações. O que é deplorável é escandalizar os pequeninos, induzi-los ao erro, dando mau exemplo. Por isso, é necessário cortar o mal pela raiz.

Vale atuar fora da comunidade para promover a vida, valem os pequenos gestos que atendem às necessidades mais urgentes do ser humano, vale todo sacrifício para não escandalizar os pequeninos; o que não vale é enriquecer, acumular à custa de injustiças praticadas em prejuízo dos pobres. São Tiago denuncia a obsessão dos ricos que retêm o salário dos trabalhadores para manter uma vida luxuosa. Amontoam tesouros à custa do sangue dos pobres que estão a gritar. Está aí a origem de muitos males: desigualdade, pobreza, injustiça, violência e morte. 

Por fim, mesmo que os fatos apontem para a dureza da vida, é sempre saudável sonhar com Jesus por “um mundo onde os homens têm mãos que só sabem dar, têm pés que percorrem as sendas dos amigos, onde florescem olhos mais luminosos do que o dia, onde todos são dos nossos, todos são amigos do gênero humano e, por isso, amigos de Deus” (Ermes Ronchi, teólogo). 

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