As eleições e a conversão

Cidadania é sinônimo de responsabilidade e solidariedade. E isso vale para todos, deve ser uma verdade muito íntima, muito querida, pelos que creem que o mundo é fruto do amor de Deus e que todas as pessoas, criadas por amor, têm uma profunda dignidade a ser respeitada e valorizada. Para um cristão – que se sabe filho de Deus e, consequentemente, responsável por conduzir o mundo a Deus –, as eleições são uma ocasião de conversão, de retorno a Deus. Constituem uma chamada para assumir, com renovado ardor, o espírito de serviço em prol da coletividade. Somos corresponsáveis pelo bem comum.

Esse cuidado com os outros deve se expressar em oração e em obras. Ano eleitoral é tempo de um novo olhar, de uma nova sensibilidade, de um novo diálogo, de uma nova esperança, de uma nova caridade. É tempo de estar mais próximo de todos. Como a parábola do bom samaritano é atual! Deus nos convida a nos ocuparmos das carências e das necessidades dos demais – e isso é o sentido mais genuíno da política. 

Essa perspectiva das eleições como ocasião de serviço nada tem a ver com ingenuidade, com fechar os olhos a estruturas e práticas em desacordo com a dignidade humana. É tão somente reconhecer o papel do cristão na sociedade. Deus nos chamou – e todos os dias renova esse chamado – para sermos sal e luz do mundo. Por nossa própria identidade, nós, católicos, temos, devemos ter, em alta conta a dimensão social da vida humana.

Para que tudo isso seja uma realidade – para esse novo olhar, essa nova sensibilidade, esse novo diálogo, essa nova esperança e essa nova caridade –, é preciso uma conversão do coração. Não transformaremos o mundo, não levaremos o mundo a Deus, se antes não nos transformarmos a nós mesmos. 

Nesse itinerário de conversão, uma pauta indispensável de meditação e exame pessoal são as bem-aventuranças. O cuidado com o mundo não nos pode transformar em mundanos. Amamos o mundo, queremos levá-lo a Deus, mas não somos mundanos: não transformamos o temporal em definitivo, em absoluto nas nossas vidas, tampouco na sociedade. Deus é o Absoluto.

Sempre, mas especialmente nos tempos atuais de materialismo, de agressividade e de individualismo –, as bem-aventuranças são critério seguro para o atuar cristão. “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus. Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o Reino dos céus. Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal de vós. Alegrai-vos e exultai, pois é grande nos céus a vossa recompensa” (Mt 5,3-12). Com as bem-aventuranças, Jesus nos ensina o tom e o conteúdo da identidade cristã na vida diária e, por consequência, também na vida política.

Nos próximos meses, serão abordados neste espaço alguns aspectos da Doutrina Social da Igreja sobre as eleições. São muitos os desafios da sociedade contemporânea. Neste cenário, tantas vezes complexo e difícil, não basta recordar a responsabilidade de todos com o bem comum. É também preciso lembrar que o mundo é de Deus, é nosso. Deus é Senhor do tempo. A perspectiva cristã da vida conduz à responsabilidade – à consciência de que nossas ações têm muitas consequências sobre os outros – e também à serenidade. Responsáveis sim, mas não aflitos ou desesperados. Não estamos sozinhos. Deus está conosco sempre, também nesta empreitada de tornar o mundo e a sociedade mais justos, mais solidários, em maior conformidade com a dignidade da pessoa humana. A participação política do cristão não é aflitiva ou ressentida. É caminho de encontro com Deus e de serviço aos seus irmãos. É caminho, portanto, de imensa alegria.

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