Cooperadores do Criador

O que nós, católicos, celebramos no 1º de maio não é tanto o feriado civil do “Dia do Trabalho” – que na sua origem inspira-se mais em movimentos político-ideológicos do que em alguma verdade da nossa fé –, mas sim a festa litúrgica de São José Operário, instituída por Pio XII em 1955 para nos recordar que, desde as origens do Cristianismo, o labor sempre possuiu uma dignidade toda especial.

Se nos lembramos bem das aulas de história, sabemos que a Antiguidade greco-romana desprezava o trabalho físico como uma ocupação “servil”, ou seja, própria dos escravos (servi). Na mentalidade pagã, verdadeiramente livre e sábio não era quem se ocupava com negócios (nec-otium), mas, sim, quem dispunha de ócio (otium) para dedicar-se unicamente às investigações do espírito. Completamente distinta, no entanto, era a tradição de nossos irmãos mais velhos na fé, os judeus: os grandes rabinos exerciam todos uma profissão artesanal, concomitantemente à pregação. O próprio São Paulo sustentava suas viagens apostólicas trabalhando como tecelão de tendas – e quando necessário relembrava os fiéis que labutava noite e dia para não ser pesado e nem comer de graça o pão de ninguém (cf. 2Ts 3, 8; 1Ts 2, 9).

Como relembrava o Papa Bento XVI, essa diferença na valoração do labor braçal era consequência de concepções teológicas radicalmente diversas: “O mundo greco-romano desconhecia um Deus-Criador; na sua concepção, a divindade suprema não podia, por assim dizer, sujar as próprias mãos com a criação da matéria. ‘Construir’ o mundo estava reservado ao demiurgo, uma divindade subordinada” (Encontro com o Mundo da Cultura no Collège des Bernardins, 12/09/2008). Na tradição judaica, por outro lado, o único e verdadeiro Deus é também o Criador – que trabalhou na criação do céu e da terra e continua a trabalhar, com mão forte e braço poderoso, na e sobre a história dos homens. E para nós cristãos, a Encarnação do Verbo eterno de Deus na humanidade de Jesus Cristo acrescentou ainda uma nota especial à nossa relação com o trabalho: pois em Cristo, Deus “entra como Pessoa no trabalho cansativo da história. ‘Meu Pai trabalha continuamente e Eu também trabalho’ (Jo 5,17). (…) Deus trabalha. Assim, o trabalho dos homens deveria aparecer como uma expressão particular da sua semelhança com Deus e, deste modo, o homem tem a faculdade e pode participar no agir de Deus na criação do mundo” (Bento XVI, cit.).

Quando um cristão trabalha, quando emprega seus cinco sentidos para aumentar o mundo, melhorando alguma de suas partes, ele responde ao chamado divino de encher a terra e submetê-la (cf. Gn 1,28), e participa da própria obra criadora de Deus. De modo particular, podemos nos inspirar no trabalho de Jesus, aprendido na carpintaria de São José Operário. Os filmes e séries contemporâneos nos ajudam a imaginar os detalhes: na Paixão de Cristo, de Mel Gibson, vemos uma tocante cena doméstica em que Jesus, apesar de cansado e com fome, persevera em seu trabalho até finalizar com excelência uma mesa nova, robusta e bem acabada, até que Nossa Senhora O chama para almoçar. E na série The Chosen, há uma bela sequência em que Jesus, antes de sua vida pública, faz amizade com algumas crianças e as entretém respondendo às suas perguntas, sem, no entanto, postergar o trabalho em uma refinada tranca de madeira que está fazendo. Quando, enfim, termina sua obra, já sozinho e tarde da noite, Jesus olha para a peça, testa-a e declara, It is good!, “Está bom!” – o mesmo que dissera no relato do Gênesis, ao final de cada dia da criação (cf. Gn 1,10.12.18.21.25.31).

Após o descanso deste feriado, retomemos, então, o jugo de nossos trabalhos ordinários – este jugo que, por ter sido carregado por Cristo, se torna leve, redimido e redentor. Ofereçamos a Deus os pequenos detalhes de um projeto bem feito, de uma espaço bem limpo, de uma pessoa bem atendida – é aí que Ele nos espera, para nos santificar. Bendito seja o trabalho!

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Marlene Benedetti
Marlene Benedetti
10 meses atrás

Um bom o texto!