O dever de amparar o idoso: combate à decisão de morrer

O envelhecimento da nossa população traz à discussão o dever de amparo dos idosos. Semanas atrás, relatamos nesta coluna a impressionante situação das idosas que, na região da Avenida Paulista, vendem seus doces aos fins de semana, pois sua renda não é suficiente para sobreviver. Recentemente, ouvi de uma idosa, em tom jocoso, que os filhos nada garantem; só garantem a internação dos idosos em um asilo. 

Em um contexto em que o dever de amparo do idoso, socialmente exigido, não é voluntariamente adotado, cabe ao Direito, no seu regramento, impor esse dever de amparo e os padrões mínimos para seu cumprimento efetivo. Causa um certo incômodo pensar que necessitamos de um regramento jurídico para garantir o cuidado adequado dos idosos; todavia, em um mundo em que tudo é relativo e a decisão pela vida passa a ser objeto de vontade pessoal, passa a ser necessário regrar o óbvio e lutar para defender a concreta dignidade da pessoa humana. Pensemos um pouco sobre isso. Qual é o dever de amparo que se espera de nós? Estamos garantindo efetivamente esse dever?

Quando nascemos, frágeis e vulneráveis, nossos pais cercam-se de todo cuidado para que possamos crescer em dignidade. Cuidam do nosso corpo e da nossa alma. Oferecem-nos o amparo físico, financeiro, educacional e espiritual. Quando crescemos, no entanto, ávidos por independência, acumulação de dinheiro, imersos em longas jornadas de trabalho, relativizamos o amparo. Não são poucos os idosos que, diante da doença do corpo, da insuficiência da renda e da carência emocional, sentem-se um estorvo na vida de seus familiares. Vencidos pela fraqueza do corpo, contra a qual duramente combatem, e da alma, mergulhados em uma solidão terrificante, só lhes resta um constante estado de melancolia e um medo enorme de sua internação em asilos.

Não importa muito se o preço anualmente pago para delegar o amparo do idoso é alto, se as atividades oferecidas são abundantes, se o cardápio é variado ou se há muitos enfermeiros à disposição. A felicidade não se compra. Não são poucos os idosos que, isolados socialmente e retirados de suas casas, em poucos meses, adoecem gravemente, ficam acamados e sem vontade de viver. Se pudessem, nesse ambiente, muitos tomariam a decisão de morrer, uma decisão mais pautada pela dor espiritual e abandono do que pelo cansaço da doença do corpo e da inafastável fraqueza física.

Toda essa reflexão me faz lembrar de uma experiência de voluntariado católico que tive em um asilo em Munique, na Alemanha, durante um período de estudos por lá. Era bastante debatida à época a questão da eutanásia na Alemanha e esse era um dos asilos que garantiam ao idoso sua decisão individual de morrer. Nosso serviço, em combate, levava-nos a dedicar algumas horas da semana para uma escuta atenta e um compartilhamento de momentos de alegria, música, oração, afeto e leitura conjunta. Uma das coisas que mais me impressionou dessa experiência foi descobrir que a decisão do idoso pela antecipação da morte requeria uma precedente decisão de seu absoluto isolamento. É doloroso pensar no peso que o abandono tem na precipitada decisão de morrer.

Isso tudo nos deve fazer pensar o quanto temos servido, com nossas escolhas individuais, de incentivo para que os nossos idosos, no pleno gozo de suas faculdades mentais, tomem uma voluntária decisão de morrer e, mais, o quanto temos ficado confortáveis em ter nossos idosos bem guardados em asilos esperando a morte chegar. Vivemos em uma sociedade do desamparo e isso se faz notar ainda mais quando direcionamos o nosso olhar aos idosos.

Isto posto, não basta regrar constitucionalmente ou legalmente o dever de amparo, com imposições comportamentais; tampouco se soluciona o problema regrando a eutanásia ou qualquer tipo de descriminalização da assistência ao suicídio.

Essa profunda dor espiritual mantida entre nossos idosos não é sanada com asilos de luxo ou procedimentos que os conduzem voluntariamente à morte. Para saná-la, é necessário coragem para adoção de uma postura social de efetiva defesa da vida e da dignidade da pessoa humana idosa, uma coragem que deve nos impulsionar, primeiro, a combater nossas próprias condutas de desamparo e, na sequência, a combater tudo o que gera um incentivo perverso à decisão individual de morrer.

Crisleine Yamaji é advogada, doutora em Direito Civil e professora de Direito Privado. E-mail: direitosedeveresosaopaulo@gmail.com

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