Engenharia comportamental e COVID-19

Sergio Ricciuto Conte

Há conhecimento suficiente nas ciências do comportamento sobre quais elementos são necessários para controlar comportamentos sociais (modos de convívio, cuidados coletivos etc.). Nós não apenas aprendemos aquilo que é reforçador – por exemplo, a andar na faixa de pedestres, o que aumenta as chances de não sermos atropelados –, mas, igualmente, aprendemos pela observação das consequências que se seguem à aprendizagem de outros – não roubar, porque vi consequências dessa ação na vida de pessoas que conheço.

Aprendizagem por reforço e aprendizagem mimética (por observação) são duas das mais poderosas forças para construção de hábitos e comportamentos coletivos. Porém, são raros os casos em que governantes usam de modo consciente e adequado tais “leis da aprendizagem” para moldar ou aproximar ações coletivas de comportamentos desejados (Engenharia Comportamental). É famosa a experiência de Estocolmo, na Suécia, na qual se transformou escadas de uma das estações de metrô em “Teclas de um Piano gigante”. Buscava-se estimular o exercício físico e, de fato, em um primeiro momento, houve aumento considerável de comportamentos nessa direção.

Por uma certa construção histórico-cultural própria de sociedades “modernas”, contudo, é mais frequente vermos governantes apostarem na “punição” como modo de gerir o comportamento indesejado. Multas, impostos, mandados de segurança, nada mais são do que tentativas mal sistematizadas de controle dos comportamentos. Se invertessem a lógica – em vez de punir e, com isso, buscar arrecadar mais com multas – e começassem a ofertar benefícios para quem “anda na linha” (descontos nos impostos, valor das taxas, facilitação para efetivação de contratos etc.) –, teríamos, certamente, uma revolução comportamental notável e, provavelmente, maior arrecadação. Há exemplos de grande porte que podem nos servir de modelo, caso de empresas que implementam esquemas de participação nos lucros e obtêm maior satisfação e produtividade. Não somos meros robôs ou organismos que possam ser totalmente controlados. Por isso, certamente tais medidas haveriam de mostrar seus limites. Um governo que, conscientemente, tomasse a frente nessa “inversão”, se surpreenderia com as mudanças alcançadas.

Em relação às mudanças comportamentais envolvendo a situação da pandemia de COVID-19, teríamos aí enorme contribuição dessa mudança de lógica. Selos ou declarações públicas de “Esta empresa respeita as normas” ou fiscalizações nas quais se pontuasse ou presenteasse com algum estímulo sabidamente reforçador pedestres que se comportem adequadamente, “viralizariam” em ondas de mudança positiva e coletiva. 

Poderíamos, justamente, nos perguntar: “Mas o uso de uma tal ‘engenharia comportamental’ não iria contra a liberdade humana, desde sempre defendida pela doutrina da Igreja?”. Para respondê-lo, teríamos de analisar as duas dimensões envolvidas: coletiva e individual. Em relação à primeira, remeto o leitor a um próximo texto, no qual analisaremos o papel do conceito de “povo” e suas implicações no enfrentamento à pandemia. Em relação à segunda, o cerne é, de fato, o que se entende por liberdade. Se a definirmos como “tudo posso” ou “sem limites”, também os ensinamentos da Igreja irão nos precaver dessa falsa concepção. O que se propõe, no entanto, sem cair necessariamente nos extremos opostos, é uma prática social que valorize comportamentos sabidamente refratários ao individualismo ou liberalismo, ou seja, uma ação individual que se sabe integrada e em equilíbrio com o “nós” coletivo.

Dener Luiz da Silva é professor de Psicologia na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

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