A inculturação eclesial na Amazônia

Continuando nossa série de artigos sobre a Querida Amazônia (QA), vamos ao quarto capítulo da exortação apostólica, no qual Francisco trata da inculturação da Igreja na Amazônia como uma autêntica opção evangélica pelos mais pobres, que impele à promoção humana e à defesa dos direitos humanos. A amizade com o Senhor pela fé é a condição para que as estruturas eclesiais não sejam transformadas em uma ONG (Organização Não Governamental), deixando o fundamento da missão eclesial: “Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). Consequentemente, no processo de inculturação, “a graça supõe a cultura, e o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o recebe” (Evangelii gaudium, 115). 

A fé cristã inculturada na vida dos povos nativos encontra nos sacramentos uma unidade entre a graça e a criação, na qual a natureza é elevada para ser instrumento da Graça de Deus. Recorda-nos a encíclica Laudato si’, 236, “a Eucaristia une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação (…) e é fonte de luz e motivação para as nossas preocupações pelo meio ambiente”. Todavia, diante do esforço de inculturação da liturgia, colocando ao centro a celebração do domingo, constata-se que pouco se fez pelos povos indígenas. É necessário ouvir, com ministros ordenados que possam compreender as culturas amazônicas, o clamor das comunidades privadas da Eucaristia dominical por longos períodos.

O apostolado dos leigos, tendo em vista uma evangelização inculturada, tem a missão de anunciar a Palavra, de ensinar, de organizar as comunidades, de celebrar alguns sacramentos. Os leigos podem assumir maiores responsabilidades que supõem um processo de maturação – bíblica, doutrinal, espiritual e prática – com distintos percursos de formação permanente. A missionariedade e a inculturação exigem da Igreja na Amazônia “um esforço para conseguir uma presença capilar que só é possível com um incisivo protagonismo dos leigos” (QA, 94). 

Francisco também considera preponderante o trabalho evangelizador das mulheres, capazes de transmitir a fé por decênios, sem a presença dos presbíteros. Para a maior participação feminina na Igreja, é necessário que se estimule o aparecimento de serviços e de carismas que deem resposta às necessidades específicas dos povos amazônicos com funções que não requeiram a Ordem sacra, mas com estabilidade, com reconhecimento público e enviadas pelo bispo. Assim, as mulheres terão uma presença real e efetiva na organização, nas decisões e na direção das comunidades, mas sem deixar o estilo próprio do seu perfil feminino. Esse é o sonho eclesial de Francisco.

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