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Globalização da indiferença e globalização da impotência 

Duas expressões aproximativas, mas com diferentes matizes. A globalização da indiferença vem do Papa Francisco; a globalização da impotência vem do Papa Leão XIV. Enquanto a primeira fecha o olhar para o que ocorre na política econômica global, a segunda reconhece a fragilidade das forças sociais que poderiam levar às mudanças necessárias. Uma vira as costas às assimetrias das relações internacionais; a outra, embora ciente desses males, sente-se de mãos atadas diante da magnitude das tarefas e serem realizadas. Aquela representa a avestruz, que enfia a cabeça na terra; esta não dispõe de mecanismos para implementar as devidas transformações. 

Uma e outra se veem paralisadas. A indiferença paralisa quem não quer enxergar, ao passo que a impotência paralisa os que não se sentem suficientemente fortes para agir. Ademais, a impotência é filha da indiferença, na medida em que esta última, míope ou cega ao cenário atual, contribui para cruzar os braços. Ambas são sintomas de um conformismo que se acomoda ao status quo. Uma reforça e confirma a outra, o que vale dizer que ambas se debilitam frente às distorções do processo de globalização. Processo que, ao mesmo tempo, provoca concentração de renda e exclusão social. Resulta que a pirâmide socioeconômica se torna cada vez mais acentuada: a distância entre os pobres, na base, e os ricos, no vértice, cresce de forma inversa e progressiva. 

No terreno da indiferença ou da impotência, Francisco e Leão propõem, respectivamente, uma “cultura da solidariedade” e uma “cultura da reconciliação”. Também aqui não será difícil verificar uma visão aproximativa, com nuances diferenciados. De um lado, a reconciliação leva a apaziguar os corações; de outro, a solidariedade leva a estender a mão ao próximo. A primeira procura superar tensões, ruídos e mal-entendidos. A segunda avança um passo adiante no sentido de propor uma ação fraterna e solidária. Uma prepara o terreno para que a outra possa lançar a semente e colher os frutos da justiça e da paz. 

Os dois Pontífices se complementam reciprocamente. Na sua proposta, a indiferença e a impotência tendem a ser superadas pela via da reconciliação, primeiro; depois, pela via da solidariedade. A proposta levanta, porém, questões inquietantes. Exemplo: como reconciliar palestinos e israelitas, russos e ucranianos? Como derreter o gelo que une e separa países e regiões limítrofes? Como enfrentar a violência étnico-religiosa ou político-ideológica em tantos lugares do planeta? Como reconciliar a violência que fere aqueles que estão mais próximos, que moram debaixo do mesmo teto e que, em geral, tem como vítimas mulheres e crianças? 

A tarefa não é fácil. Ganha com a violência e com a guerra quem fabrica e vende armas. Nas entrelinhas dos discursos políticos e dos acordos de paz, escondem-se interesses inconfessados e inconfessáveis. Em nome do desenvolvimento e do bem-estar, avança sub-repticiamente a corrida armamentista. Com o pretexto de legítima defesa, os países buscam cegamente se armar. E, claro, violência chama violência!… 

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