Igreja e promoção do bem comum

O conceito de “bem comum” é abundante na Doutrina Social da Igreja, especialmente a partir da encíclica Mater et magistra, de São João XXIII (1961). Mas é na constituição pastoral Gaudium et spes (GS), sobre a Igreja no mundo de hoje, do Concílio Vaticano II, que a noção de bem comum ganha um espaço central no ensino social da Igreja. Também em nossos dias, esse conceito continua atual e essencial para a compreensão das manifestações da Igreja no que se refere à convivência humana.

A noção de bem comum pressupõe algumas questões de antropologia, caras às convicções da Igreja, que são expostas na introdução à Gaudium et spes, onde se trata do homem e de sua condição neste mundo (nºs 4-10). A pessoa humana, em qualquer parte e condição social, possui uma dignidade que não lhe é conferida por nenhuma lei ou governo, de forma externa, mas é inerente à sua natureza. Aspirar à realização da própria dignidade e dos direitos ligados a essa dignidade é próprio da pessoa humana, e a busca desse objetivo da existência, portanto, deve ser favorecida e não impedida.

Na sua primeira parte, a Gaudium et spes trata da vocação do homem (11-45) e apresenta os pressupostos da antropologia cristã, baseada na Palavra de Deus e no Magistério da Igreja. A partir da maneira cristã de compreender a natureza do homem, sua vida, ação e convivência neste mundo, o Concílio trata do bem comum e de sua promoção. O ser humano não existe para viver sozinho, mas numa multiplicidade de relações recíprocas. Isso tem sua origem no desígnio providencial de Deus Criador, que dispôs que todos formassem uma só família e se tratassem mutuamente com espírito fraterno (GS, 24). E todos os seres humanos são chamados ao mesmo fim: o próprio Deus. Por isso, na comunidade humana, tudo deve contribuir para que todos alcancem esse fim supremo da vida.

A natureza social do homem mostra que todos dependem uns dos outros e, no convívio social e na comunicação com os outros, pode acontecer o aperfeiçoamento da pessoa humana e o desenvolvimento da própria sociedade. A pessoa humana está no centro de todas as instituições e, quando isso não acontece, ela acaba se tornando vítima das instituições. As relações sociais, em diversos graus, como a relação familiar, associativa e política, derivam da própria natureza social do homem.

A interdependência de todos com todos aparece mais clara e compreensível em nossos dias, quase 60 anos depois do Concílio Vaticano II. Dessa interdependência decorre uma consequência importante: a promoção do bem comum, como necessidade e dever de todas as organizações sociais e políticas. Entende-se por bem comum “o conjunto daquelas condições de vida social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem de maneira mais completa e desembaraçada a própria perfeição” (GS, 26). O bem comum refere-se ao bem de todos, e não apenas de um grupo particular, ou de uma nação em particular, mas é o bem de toda a família humana. O Papa Francisco expressou essa noção de bem comum na encíclica Laudato si’ por meio do conceito de “casa comum”: o planeta Terra, a natureza e o ambiente da vida são nossa “casa comum”, que abriga e beneficia a todos, requer que todos convivam de maneira fraterna e solidária e se sintam corresponsáveis por cuidar da casa comum. Ela representa um bem para todos os seres humanos, e sua promoção também é um dever para todos os seres humanos. A promoção do bem comum requer a consciência dos deveres e também dos direitos de cada um e de todo o gênero humano.

Ao bem comum opõe-se a atitude individualista e egoísta, centrada apenas na preservação do bem particular, ou de um grupo, sem medir as consequências para o conjunto da família humana. Também é contrária ao bem comum a polarização política e ideológica, que leva ao fechamento e até à violência e destruição de quem pensa diversamente ou tem outra visão de mundo. A polarização acaba gerando atitudes agressivas e excludentes, em vez do favorecer a interação, a solidariedade e a fraternidade, que deveriam ser atitudes próprias nas relações da grande família humana.

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Otávio
Otávio
2 anos atrás

Bem comum, acima do bem particular? Mas se o bem comum tem como ponto de partida a dignidade da pessoa humana e sua individualidade, como pode não ser em primeiro lugar um bem particular? E como tal em igualdade entre os homens e mulheres?

Polarização existe desde que a serpente enganou Adão e Eva, ou Caim matou Abel. O bem deve sempre se opor ao mal. Não há como se opor ao mal sem se colocar no polo oposto.