De tempos em tempos se levanta a ideia – na mídia, nas escolas e em conversas privadas – de que a Igreja porta-se como inimiga da ciência, ou que a Fé vive, e sempre viverá, um antagonismo crônico com a Razão. Essa controvérsia, contudo, não se sustenta nem por aquilo que a própria Igreja ensina, muito menos pela história, marcada pela sua grande atuação no campo científico.
De fato, o Papa São João Paulo II, na sua encíclica Fides et Ratio, afirma que a “fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”, não se opondo uma a outra, mas ambas contribuindo para que o homem encontre a verdade sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre Deus. Como não podia deixar de ser, a Igreja nunca se opôs ao pensamento científico, mas antes, o propulsionou de diversas formas.
E, no intuito de desfazer essa confusão, o Jornal O SÃO PAULO se propôs a criar uma nova coluna, “Ciência e Fé”, que trará diversos textos acerca dessas duas grandes frentes do pensamento humano, buscando harmonizá-los e desfazendo diversos preconceitos que assombram sua relação.
PADRES CIENTISTAS?
No início desse mês, o jornal The Washington Post noticiou, com um certo tom de surpresa, a decisão de um jovem neurocientista da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, de abandonar sua carreira acadêmica e seguir uma nova direção: o sacerdócio. E essa decisão parece não ter sido um caso isolado nos Estados Unidos, e vem se tornando algo relativamente comum entre os jovens que ingressam os seminários norte-americanos. Ken Watts, que trabalha como promotor vocacional, disse à reportagem do The Washington Post que tais jovens cientistas são cada vez mais frequentes e que não possuem dificuldade alguma em conciliar seu passado acadêmico com o sacerdócio pelo qual optaram; mais ainda, essas pessoas possuem um grande valor à Igreja, no sentido que podem auxiliar a esclarecer diversos pontos morais que dizem respeito a área médica e científica.
Claro que, para quem conhece a história da Igreja, esse surgimento de padres cientistas nas paragens norte-americanas não é nenhuma surpresa: a Igreja sempre abundou em pessoas que se dedicaram às ciências, incluindo diversos clérigos, alguns mais famosos, outros só conhecidos por especialistas de suas áreas.
Para citar somente alguns desses cientistas, encontramos Nicolau Copérnico, cônego agostiniano, astrônomo propagador da teoria heliocentrista; Nicolau Steno, bispo beatificado por São João Paulo II, fundador da Geologia moderna e grande investigador da Paleontologia; Gregor Mendel, frei agostiniano conhecido como o pai da Genética; Roger Bacon, frei franciscano que deitou as bases da ciência moderna com o método empírico; mais recentemente, temos Georges Lemaître, padre criador da teoria do Big Bang, e até mesmo um padre brasileiro, Roberto Landell de Moura, tido por muitos como o inventor do rádio.
NA ATUALIDADE
Essa cooperação com a ciência não se encerrou num passado mais ou menos longínquo, pelo contrário; ainda hoje diversos padres se dedicam não só ao estudo da interface ciência e fé, mas participam ativamente na construção do conhecimento científico. No Vaticano, por exemplo, existe um observatório astronômico dirigido por padres jesuítas; mais próximo da nossa realidade, temos o Pe. Anibal Gil Lopes, sacerdote da Arquidiocese de São Paulo, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina, que possui diversos trabalhos publicados na área médica.
Ainda, poucos o sabem, a própria Santa Sé conta com um centro de discussões científicas, a Pontifícia Academia de Ciências, que conta entre suas fileiras mais de 70 cientistas laureados com o Prêmio Nobel, em diversas áreas do conhecimento. Regularmente tais cientistas se encontram para discutir temas na interface da ciência e da religião, além de unirem-se para realizar projetos de cooperação mútua, em que a Igreja se coloca como mediadora e interpeladora; um tema que vem sendo discutido atualmente é o do meio-ambiente, impulsionado pela Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco.