Leão XIV é progressista ou conservador? De direita ou de esquerda? Talvez um “centrista moderado”? Rigorosamente pensando, nenhuma das anteriores. Todas essas categorias são tomadas de debates ideológicos do mundo laico, que influenciam, mas não definem, o magistério da Igreja. Os papas se orientam por uma lógica própria do catolicismo – e esse é um primeiro problema, pois todos em nossa sociedade imaginam saber o que a Igreja pensa, mas normalmente têm uma visão distorcida, nascida justamente das reinterpretações ideológicas da mensagem cristã.
Parece, frequentemente, que os papas e bispos um dia pensam como Marx e em outro como Hayek ou Mises, considerados os pais do neoliberalismo. Não nos damos conta de que, na verdade, a doutrina católica se orienta por uma outra lógica, que inevitavelmente irá concordar ou se confrontar com as posições políticas hegemônicas na sociedade laica. Assim, deveria implicar um diálogo crítico e construtivo, não assimilação acrítica ou oposição sistemática a uma posição ou outra – algo muito diferente do que costumamos ver e praticar…
Os papas enfrentam, ainda, a leitura partidária da sua mensagem, que oculta – intencionalmente ou não – os aspectos de seu pensamento que não são convenientes a determinada posição. Seguidores e críticos se irmanam nessas leituras, nas quais se busca não o que os papas realmente pensam, mas o que, em seu pensamento, é mais útil para determinada posição político-ideológica. Valem alguns exemplos…
São João Paulo II fez uma revolução conceitual na moral tomista clássica, partindo da reflexão fenomenológica. Não mudou os princípios e valores, mas propôs uma abordagem capaz de dialogar com os grandes dramas existenciais de nossos tempos. Escreveu várias vezes criticando aspectos desumanos do capitalismo, defendendo os trabalhadores e, inclusive, viabilizou a criação da Associação dos Trabalhadores Leigos do Vaticano… Mas quantos sabem disso?
As bases da Doutrina Social da Igreja, na concepção de Bento XVI, devem ser procuradas explicitamente no amor (vide suas encíclicas Deus caritas est e Caritas in veritate). Na crise financeira mundial de 2008, exortou todos os países à solidariedade internacional. Foi um promotor do diálogo entre cristãos e muçulmanos. Seu discurso em Regensburg, que causou comoção mundial pela crítica ao belicismo religioso, levou a um movimento, nascido no mundo islâmico, chamado “Uma palavra em comum entre nós e vocês” (A Common Word Between Us and You), que uniu muçulmanos e cristãos comprometidos com a paz. Mas, novamente, quantos sabem disso?
Francisco escreveu maravilhosos textos de espiritualidade, partindo de sua experiência da misericórdia divina, de seu seguimento aos grandes santos da Igreja, da sua devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Salientou que sua insistência na conversão das comunidades cristãs à acolhida não implicava mudanças doutrinais. Denunciou o cancelamento cultural dos cristãos (que chamou de “perseguição educada”). Mas, qual fração, entre os milhares de obituários e resenhas que foram publicadas após sua morte, falou disso?
A mensagem cristã é “integral”, atende a todos, em todas as suas dimensões. Vivemos em uma época agraciada com papas que mostraram essa integralidade muito bem. A parcialidade não está neles, mas em seus leitores, em cada um de nós. Somos todos falíveis e limitados. O problema não está em nossa parcialidade, mas em deixarmos que essa parcialidade nos afaste de Cristo e quebre a unidade de sua Igreja. O projeto de Deus para um mundo melhor passa por nossos limites, mas nos pede um compromisso de tentar superá-los. Afinal, como lembra Leão XIV, In Illo Uno Unum (“No Único [Cristo] somos um”).