Ponha menos medicação e mais suporte na formação das crianças

Como fonoaudióloga e educadora, vejo com crescente preocupação os rumos da formação das crianças em nossa sociedade pós-moderna.

Os tempos mudam, as realidades familiares mudam, os espaços oferecidos aos pequenos para seu desenvolvimento mudam, mas as crianças continuam tendo as mesmas necessidades de cuidado, presença, espaço, brincadeiras, enfim, não se inventa outra natureza para a pessoa.

Se observarmos atentamente, cresce de modo assustador a quantidade de patologias encontradas na infância e adolescência – o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno Opositivo Desafiador (TOD), depressão infantil, ansiedade, anorexia, Transtorno de Espectro Autista (TEA), ou seja, podemos dizer que, hoje em dia, temos uma infância doente, um número considerável de crianças e adolescentes medicados para que possam se adaptar ao convívio cotidiano, seja em casa, seja na escola.

Hoje, há uma idealização da criança, da infância e se atribui a ela uma capacidade de escolher, de elaborar senti- mentos, de se expressar como se já fosse um miniadulto. E, quando a criança não corresponde ao comportamento espera- do, acaba sendo diagnosticada com algum dos transtornos descritos no DSM (sigla em inglês que significa “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais”).

Vejam, não estou aqui criticando os transtornos ou negando que existem. O que acho importantíssimo rever é a quantidade de diagnósticos feitos e, mais do que isso, que nos façamos um corajoso questionamento: o que está acontecendo para que tantas crianças apresentem transtornos de comportamento? O que falta a esses pequenos para que tenham uma infância e um desenvolvimento saudáveis? Será que esses diagnósticos estão a serviço dos nossos filhos ou do nosso conforto? Afinal, se eles têm uma doença, não há responsabilidade nossa nisso. Quero trazer, portanto, à reflexão alguns dados importantes. Os quadros patológicos citados acima (TDAH e TOD) têm como sinais e sintomas comportamentos como: desatenção, impulsividade, hiperatividade, agressividade, irritabilidade, o desafiar regras e instruções, discussões frequentes com adultos, desobediência, agitação.

Olhando para essa sintomatologia, quem de nós, pais, não identifica comportamentos corriqueiros de alguns de nossos filhos? Crianças são agitadas, impulsivas, irritadiças, às vezes desobedientes. Com isso não quero considerar natural tais comportamentos, mas chamar a atenção para o que significa educar, o que significa formar os pequenos e transformá-los em adultos. Acredito que o que estamos vivendo hoje é uma combinação de desinformação a respeito da infância e do que significa formar uma pessoa.

  1. Não podemos problematizar crianças por serem agitadas ou ativas. Antes disso, precisamos entender: existem pessoas naturalmente mais ativas ou mais desafiadoras (graças ao temperamento que têm), existem estímulos que oferecemos que podem aumentar essa agitação e, então, é preciso revê-los. Se há excesso em algum comportamento, precisamos pensar em como manejar a criança para que aprenda, ao longo da infância, a se conter.
  2. Para diagnosticar quadros patológicos, são necessários muitos sinais presentes há pelo menos seis meses; além disso, profissionais bem formados e informados devem se dedicar a isso. Cuidado com diagnósticos rápidos.
  3. Não se delega aos outros a responsabilidade pela formação dos filhos. Muitos pais, em nome de muito trabalho, pouco espaço, cansaço, acabam deixando seus filhos muito tempo sob cuidados dos outros (babás, escola, avós etc.)
  4. E mais importante: estamos vivendo uma época em que os pais pouco investem (de si) na formação dos filhos. Contemplam as crianças e descrevem seus comportamentos como se fossem imutáveis (“Não adianta, ele é agitado, não consegue parar.” “Não dorme de jeito nenhum…”). Não se lembram de que crianças precisam aprender. Aprender a viver – comer, dormir, andar, falar, comportar-se, tudo a criança aprende, mas, para isso, precisamos ensinar. Não aprenderão sozinhas. Pais imaturos, que buscam conforto, não atuarão bem na formação dos filhos. Quando os pais estão no lugar de autoridade na vida dos filhos, são de grande ajuda para que aprendam comportamentos adequados, para que cresçam em autoconhecimento e autodomínio. Sim, lembrem-se: vocês são autoridade no assunto ensinar a viver e, se não são, deveriam ser; portanto, corram atrás dessa autoridade já.

Garanto que, se nós, adultos, esti- vermos de fato comprometidos com a formação das crianças, ela acontecerá de modo mais eficiente e já não teremos tantos quadros patológicos e medicações na infância.

guest
1 Comentário
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários
Camila
Camila
2 anos atrás

Caríssima, sei que é fono e educadora mas eu sou mãe atípica e nenhum pai ou mãe quer algo ruim ao seu filho, há uma enorme diferença entre uma criança atípica e uma típica não queremos eles dentro dos padrões ou ser miniadultos queremos eles bem porque amamos eles. Não automedicando eles pelo contrário passamos com médicos e terapeutas sérios antes de chegar a esse ponto. Vc acha mesmo que deixamosnossos filhos aos cuidados de outros pq queremos? Se tivéssemos condições isso não ocorreriam não delegamos os cuidados, sua matéria só demosntra sua falta de carinho por pais atípicos e típicos e uma falta de conhecimento sobre o assunto.