Quando o carnaval chegar

Aos poucos, aproximamo-nos da Quaresma deste ano. Antes disso, porém, tem o carnaval. 

Enquanto uns entram na diversão, outros aproveitam para descansar, fugir do barulho, rezar e, também, para fazer um retiro ou participar de encontros de formação. Terminado o “tempo da folia”, a Quaresma chega logo e convida todos a se recolherem no ritmo ordinário da vida. E a Igreja chama seus filhos a se prepararem para a celebração da Páscoa, a maior festa do Cristianismo. 

A Quaresma, nas origens cristãs, estava ligada à revisão de vida dos cristãos, para ver se estavam sendo fiéis ao Batismo recebido e aos compromissos cristãos assumidos; tempo de chamado intenso à conversão e reconciliação dos pecadores e de preparação próxima dos que seriam batizados na noite da Páscoa. Na Quaresma, a pregação e a catequese eram intensas, voltadas aos eixos centrais da fé e da vida cristã. Na vigília pascal, eram feitos os batizados e se renovavam as promessas do Batismo dos já batizados. 

A Quaresma de hoje ainda traz essa mesma proposta, embora, na prática, ela nem sempre seja bem compreendida e assimilada nas comunidades da Igreja. São 40 dias de exercícios intensos, conforme as três palavras que aparecem logo na Quarta-feira de Cinzas: jejum, esmola e oração. O jejum corporal voluntário, sobretudo nos dias prescritos pela Igreja para esse exercício, é pedagógico e deve ajudar a cair na conta de que a vida é mais que comida, satisfações dos sentidos e emoções corporais e psicológicas. “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.” A Quaresma é um tempo marcado pela busca intensa do alimento espiritual da Palavra de Deus e do sentido da nossa vida e da nossa ação. O jejum também deve fazer pensar na fome e nas necessidades de tantos irmãos, ao nosso redor e no mundo, levando a iniciativas concretas de ajuda ao próximo. 

O segundo exercício é a esmola e significa toda forma de doação generosa ao próximo. Também a esmola e a doação de nossos bens para a ajuda ao próximo necessitado. A Quaresma nos lembra que o amor a Deus e o amor ao próximo são inseparáveis (cf. 1Jo 4,19-21). Se queremos nos aproximar mais de Deus, devemos, também, nos aproximar do próximo. “Se alguém tem bens neste mundo e, vendo seu irmão necessitado, lhe fecha o coração, como pode estar nele o amor de Deus?” (cf. 1Jo 3,17). Neste conjunto dos exercícios da Quaresma, insere-se a Campanha da Fraternidade (CF), que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) promove todos os anos no Brasil. 

A CF se inicia junto com a Quaresma e se estende até o Domingo de Ramos, quando todos são convidados a fazer um gesto concreto de fraternidade, mediante a coleta da solidariedade. É uma campanha educativa, no sentido social e religioso, pois envolve amplamente os membros da Igreja e da sociedade em geral, em torno de um tema de interesse social, que tem repercussões morais e religiosas. O tema da CF deste ano é “Fraternidade e fome”, abordado pela terceira vez nos 60 anos da CF. E não podia ser mais oportuno, vista a situação de fome de tantos milhões de brasileiros. Não é apenas por causa da situação triste do povo ianomâmi, pois o tema já foi escolhido pela CNBB há dois anos. Entramos novamente no mapa da fome: que vergonha para um país que é um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo! Isso apela à nossa consciência e não nos deve deixar indiferentes. Que podemos fazer para mudar isso? É hora de abraçar a CF com amor e interesse, não cedendo a preconceitos e campanhas contrárias (absurdas!) contra a CF. 

O terceiro conjunto de exercícios da Quaresma é denominado pelo conceito “oração”. Quaresma é o tempo de avaliar e rever nossas práticas religiosas, a oração pessoal e comunitária, a frequência à Igreja e aos sacramentos, nossa relação pessoal com Deus e nossa vivência moral como um todo, que deve ser coerente com a dignidade que recebemos no Batismo. Pode acontecer que Deus seja alguém distante e até estranho para nós e organizamos nossa vida “como se Deus não existisse” ou não fizesse nenhuma diferença em nossa vida. O “ateísmo prático” pode tomar conta também de nossas vidas, mesmo se aderimos formalmente à religião. Qual é o tempo que dedicamos a Deus na oração, na leitura e acolhida da Palavra de Deus, na participação das atividades da nossa comunidade de fé, onde podemos caminhar e crescer mais facilmente na vida cristã, recebida como dom precioso no Batismo? 

Depois do carnaval, vem a Quaresma. Mas, mesmo antes do carnaval, já se pode entrar no jejum, es- mola e oração. Uma sugestão prática, é tomar nas mãos o Catecismo da Igreja Católica, voltando a ler e estudar sobre os fundamentos de nossa fé, nosso agir moral, nossa oração e nosso conviver com os outros em sociedade. Brevemente, vale a pena retomar o sermão da montanha (cf. Mt 5,1-7,29), ou um Evangelho, por inteiro durante este “tempo favorável” que Deus nos dá: tempo de graça, de conversão e reconciliação com Deus e com os irmãos. Tempo de salvação. 

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Merenice salandim.
Merenice salandim.
1 ano atrás

Boa tarde ,Dom Odílio! Obrigada por compartilhar com nós está lição de vida! Um fraterno abraço e uma abençoada tarde

Elisabete de Jesus Sampaio
Elisabete de Jesus Sampaio
1 ano atrás

Estou compartilhando este post. Amei a fala, com simplicidade e sabedoria. Só não entende quem não quer. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Patricia Midões de Matos
Patricia Midões de Matos
1 ano atrás

Meditar o Catecismo da Igreja já é um bom exercício para a Quaresma. Por em prática, ainda mais louvável!! Pois, pelo Catecismo aprendemos que somos filhos de Deus, e é nessa filiação divina que nos amamos como irmãos e mutuamente estendemos a nossa mão e amparo material e espiritual ao próximo.