Que recompensa tereis?

Na bela encíclica Spe Salvi (Salvos na Esperança, 2007), o Papa Bento XVI reflete sobre o sentido da esperança na cultura atual e pergunta: será que o homem contemporâneo ainda espera alguma coisa de Deus? 

No Ano Jubilar “da esperança”, cabe uma reflexão sobre a esperança na recompensa de Deus. Existe uma justa esperança humana nas ações humanas, que elas dependem de nós, de nossas capacidades e das condições objetivas que as envolvem. Quando alguém se põe a estudar, ele espera alcançar os resultados requeridos para obter o diploma no final do curso; e quando alguém projeta construir uma ponte, ele espera concluir e entregar a obra dentro dos planos e projetos estudados. São esperanças que se baseiam apenas nas capacidades e controles humanos.

Mas existe um outro nível de ação, cujo resultado não é controlável por nós e, nem por isso, essas ações deveriam deixar de ser feitas. Devemos praticar a justiça, a honestidade, o respeito e o amor ao próximo mesmo sem termos o controle dos resultados de tais ações e sem pretender compensações imediatas. O bem deve ser praticado porque é bom. A verdade deve ser praticada porque é boa e é reto que assim seja; o amor ao próximo deve ser praticado porque é bom, edificante e justo que assim seja. Geralmente, somos imediatistas e queremos usufruir logo o fruto do bem praticado. Ou queremos ter o controle sobre o resultado da boa ação praticada. Em poucas palavras, falta a virtude da esperança; não apenas da paciência, para dar tempo ao tempo, mas falta a esperança e a perspectiva da recompensa de Deus.

Até mesmo as ações religiosas podem estar viciadas desse imediatismo pragmático, em que se espera a recompensa imediata das boas ações, ou o atendimento imediato das preces, fazendo o mesmo recurso a práticas mágicas ou chantagistas para impor a Deus a própria vontade. Jesus condenou essa forma de religiosidade, que pretende “negociar com Deus de igual para igual”, em vez de ser a atitude dos filhos, que se voltam confiantes para o pai, mas não ousam impor suas vontades ao pai. Jesus ensinou a pedir a Deus, mas, ao mesmo tempo, ensinou a dizer: seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”. Ele mesmo orou ao Pai, no momento da agonia na Jardim das Oliveiras: “Pai, se é possível, afasta de mim este cálice, mas não se faça a minha vontade, e sim, a tua” (cf. Mc 14,35-36).

No Evangelho, Jesus exorta a amar a todos, até mesmo os inimigos; a fazer o bem, ser generosos, respeitosos para com todos, mesmo para com aqueles que não o são para conosco; pois, se fizermos o bem apenas às pessoas que nos podem retribuir na mesma medida, “que recompensa tereis?”, pergunta Jesus. “Que fazeis nisso de extraordinário?” Até os maus fazem o bem a quem lhes faz o bem (cf. Lc 6,27-38). E Jesus continua insistindo para ser misericordiosos, “como o Pai celeste é misericordioso e bondoso até mesmo com os ingratos e maus”. E convida a não julgar, não condenar, não ser duros no trato com os outros… São todas atitudes que convém a quem se faz discípulo do Evangelho do Reino de Deus. É o jeito de viver “segundo Deus”, e não mais conforme o “homem terrestre”, que ainda se deixa levar pelas suas paixões descontroladas (cf. 1Cor 15,45-49).

A pretensão da recompensa imediata pelas nossas boas ações pode refletir uma grave falta de esperança e de confiança na recompensa de Deus. Por esse motivo, Bento XVI, na mesma encíclica Spe Salvi, observa que a falta de esperança na vida eterna e na recompensa de Deus é, de fato, falta de fé em Deus. Ou ainda, é uma fé mal compreendida. Pode acontecer que façamos de Deus uma espécie de “autômato”, governado por nós, que reage e dá soluções conforme nossos comandos e ordens… Mas Deus não é assim e seria muito desrespeitoso dirigir-se a Deus com essa atitude mágica. De fato, revelaria que nós é que temos a vontade de “ser deuses”. É uma tentação sempre presente na humanidade.

É preciso fazer o bem sempre, sem esperar o fruto imediato, mas fazê-lo porque o bem é bom e porque essa deveria ser a forma normal de viver. E deixar que o Pai do céu recompense um dia todo o bem praticado por amor e com reta intenção. A prática do bem, com esperança, nos livra de vãs pretensões e ansiedades.

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