Viver bem a Quaresma 

Eis chegada a Quaresma! Chegou o tempo de abrir no deserto um caminho para o Senhor: tempo de endireitar os caminhos tortuosos e de aplainar os terrenos acidentados, rebaixando as montanhas e colinas, e aterrando os vales e depressões (cf. Is 40,3-4)! A hora é de arregaçar as mangas e afugentar o desânimo das nossas fraquezas, pois a Quaresma é uma grande oportunidade de renovar nossa vida cristã. O próprio Deus nos exorta: “Lavai-vos, purificai-vos! (…) Ainda que vossos pecados sejam como púrpura, tornar-se-ão brancos como a neve. Se forem vermelhos como o carmesim, tornar-se-ão como lã” (Is 1,16-18). 

Lembremos que Deus nunca pede o impossível – e que, portanto, quanto mais Ele espera de nós, mais graças Ele nos dá. Por isso mesmo é que ouvimos, na Quarta-feira de Cinzas, São Paulo exortar os coríntios a não receberem em vão a graça de Deus, que prometera “ouvir-nos no tempo favorável, e socorrer-nos no dia da salvação” (Is 49,8). Diante dessa promessa divina, o Apóstolo dizia que é por meio de Jesus Cristo que nós podemos nos tornar justiça de Deus, desde que aproveitemos esta oportunidade: “É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (1Cor 5,20-6,2). 

Façamos, então, um sincero exame de consciência: o que temos feito de nossa vida, e que lugar reservamos a Deus? E se encontrarmos muitas infidelidades, não nos deixemos abater. Recordemos a origem daquela bela saudação com que o padre nos despede, ao final de cada missa: quando Deus finalmente reconduziu o povo eleito de volta a Israel, depois dos 70 anos de humilhação e exílio na Babilônia, e o sacerdote Esdras reuniu o povo para a Festa das Tendas, lendo o livro da Lei de Moisés e explicando-lhe o sentido, “todo o povo chorava ao ouvir as palavras da Lei”, pois se dava conta de quanto havia pecado. E, no entanto, Esdras assegurou-lhes: “Não vos entristeçais nem choreis! Pois hoje é um dia consagrado a nosso Senhor! Não vos aflijais: a alegria do Senhor seja a vossa força!” (cf. Ne 8,1-10). 

E com esta força que nos vem da alegria do Senhor, façamos nesta Quaresma obras de santidade! Sejamos mais piedosos, portando-nos, diante de Deus, como uma criança muito carinhosa se porta com seu pai, por quem se sabe imensamente amada e querida. 

Sejamos mais caridosos, enxergando que as pessoas à nossa volta são filhos e filhas amados deste mesmo Pai. 

Sejamos mais apostólicos, desdobrando-nos de zelo e atenção pelos nossos irmãos que estão afastados de Deus, pregando-lhes não só com palavras, mas com obras de amor. 

Sejamos mais preocupados com o bem comum, entendendo que cada um de nós é responsável perante os demais, e que cada uma de nossas ações impacta o bem-estar de todos. Como dizia Dostoiévski, se alguma vez “passaste ao lado de uma criancinha, passaste com raiva, dizendo palavras más, com cólera na alma; não notaste, talvez, essa criança, mas ela te notou, e tua imagem, sem graça e impura, talvez tenha ficado em seu coraçãozinho indefeso. Tu não sabias disso, e talvez assim tenhas lançado nela uma semente má, que crescerá, é possível, e tudo porque não te resguardaste perante a criancinha porquanto não educaste em ti o amor cauteloso, ativo. (…) Meu jovem irmão pediu perdão aos passarinhos: isso pode ter sido um absurdo, mas era verdade, porque tudo é como o oceano, tudo corre e se toca, tu tocas em um ponto e teu toque repercute no outro extremo do mundo. Vá que seja loucura pedir perdão aos passarinhos, mas seria melhor para os passarinhos, e para as crianças, e para qualquer animal que estivesse a teu lado; se tu mesmo fosses melhor do que és agora, ao menos um tiquinho melhor. Tudo é como o oceano, digo-te” (Irmãos Karamázov, ed. 34). 

Sejamos, enfim, mais modestos no falar, mais desprendidos no vestir e nos nossos gastos pessoais, para que sobre mais dinheiro para a esmola. Sim, porque nossa esmola não deve ser “o que sobrou na carteira”, mas sim como o óbolo da viúva: damos com generosidade, mesmo que seja algo muito pequeno, mas que para nós é importante, e aquilo tem grande valor diante de Deus. 

Oxalá possamos chegar ao fim desta Quaresma diferentes. Que Deus nos ajude a aproveitar estes 40 dias para que sejam verdadeiramente transformadores para nós! 

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