A Copa do Mundo de futebol para além das quatro linhas

Megaevento esportivo também é oportunidade para recordar as boas virtudes humanas, como já destacaram os Papas Francisco, Bento XVI e São João Paulo II

Torcedor belga presenteia criança brasileira antes de partida da Copa do Mundo de 2014 em São Paulo (foto: Arquivo pessoal)

A partir do domingo, 20, o Catar será a sede da 22º edição da Copa do Mundo de Futebol. Ao todo, seleções de 32 países disputarão o troféu Fifa World Cup, entre estas o Brasil, que vai em busca do hexacampeonato. A estreia da seleção comandada pelo técnico Tite será na quinta-feira, 24, às 16h, contra a Sérvia. 

Para além das disputas nos gramados, a Copa do Mundo costuma ser um momento de união dos torcedores por sua seleção, e pode se tornar, também, ocasião para que se recorde e se coloque em prática as virtudes que Deus concedeu ao ser humano, como destacaram, em diferentes discursos, os Papas Francisco, Bento XVI e São João Paulo II, e bem detalha o documento Dar o melhor de si, sobre a perspectiva cristã para o esporte, publicado em 2018 pelo Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. 

OS BONS VALORES EM CAMPO 

Em mensagem publicada próxima à Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, o Papa Francisco indicou que este megaevento esportivo pode ser uma grande festa de solidariedade entre os povos desde que “as competições futebolísticas sejam consideradas por aquilo que no fundo são: um jogo e, ao mesmo tempo, uma ocasião de diálogo, de compreensão, de enriquecimento humano recíproco. O esporte não é somente uma forma de entretenimento, mas também – e eu diria sobretudo – um instrumento para comunicar valores que promovem o bem da pessoa humana e ajudam na construção de uma sociedade mais pacífica e fraterna. Pensemos na lealdade, na perseverança, na amizade, na partilha, na solidariedade”. 

Também São João Paulo II, em uma audiência com árbitros de futebol antes da Copa de 1990, na Itália, comentou que, além de uma competição de alto nível esportivo, a Copa “pode ser uma grande celebração de compreensão, solidariedade e amizade entre as pessoas, quer estejam pessoalmente presentes nos jogos, quer os acompanhem pelos meios de comunicação social. Para que assim seja, tudo deve seguir os mais elevados ideais do desporto, lealdade, respeito e amizade nas relações humanas”. 

O TRABALHO EM EQUIPE EM LUGAR DO INDIVIDUALISMO 

No documento Dar o melhor de si, é destacado que especialmente nos esportes coletivos, como o futebol, se ressalta o valor do trabalho em equipe, o que é um contraponto à atual difusão de uma mentalidade individualista. “O esporte é uma escola de espírito de equipe que ajuda cada um a superar o egoísmo. Aqui, a individualidade de cada atleta está ligada à equipe, que trabalha unida, apontando um objetivo comum.” 

Na mensagem para a Copa de 2014, o Papa Francisco apontou que o futebol “pode e deve ser uma escola para a construção de uma ‘cultura do encontro’, que permita a paz e a harmonia entre os povos” e que ao longo do jogo “é necessário pensar, em primeiro lugar, no bem do grupo, não em si mesmo. Para vencer, é preciso superar o individualismo, o egoísmo, todas as formas de racismo, de intolerância e de instrumentalização da pessoa humana. Não é só no futebol que ser ‘fominha’ constitui um obstáculo para o bom resultado do time; pois, quando somos ‘fominhas’ na vida, ignorando as pessoas que nos rodeiam, toda a sociedade fica prejudicada”. 

SACRIFÍCIOS EM BUSCA DA EXCELÊNCIA 

A rotina de treinamentos das seleções e as histórias de superação dos jogadores fazem lembrar que os bons resultados na vida decorrem de sacrifícios. “Isso acontece da melhor forma quando o praticante aceita fazer parte de um projeto que implicará um certo nível de dureza, abnegação e humildade. Isso porque aprender e melhorar no esporte implica sempre se chocar com a derrota, a frustração e o desafio”, indica o documento Dar o melhor de si

Francisco, por ocasião da Copa de 2014, escreveu que no futebol é possível ver “uma metáfora da nossa vida. Na vida, é preciso lutar, ‘treinar’, esforçar-se para obter resultados importantes. O espírito esportivo torna-se, assim, uma imagem dos sacrifícios necessários para crescer nas virtudes que constroem o caráter de uma pessoa”. 

São João Paulo II, em uma mensagem de março de 1982, ressaltou que, na disputa esportiva, cada atleta apresenta o melhor de seus talentos e qualidades, o que requer um empenho que começa antes do jogo, envolvendo “longas horas de exercício e esforço, o poder de concentração e o hábito da disciplina, aprendendo a manter a sua reserva de forças e a conservar a energia para o momento final, quando a vitória depende de um grande aumento de velocidade ou de uma ulterior aplicação de força”. 

RESPEITO ÀS REGRAS E AO ADVERSÁRIO 

No documento Dar o melhor de si é ressaltado que não há disputa esportiva justa sem que os competidores respeitem as regras, e que estes quando praticam o fair play, o “jogo limpo”, colocam em prática boas virtudes humanas e cristãs, como solidariedade, lealdade, correção de conduta e respeito ao próximo. “O esporte pode apontar mais alto, superando o objetivo da vitória, procurando o desenvolvimento da pessoa no interior de uma comunidade formada por companheiros de equipe e adversários”, lê-se no documento, no qual é lembrado, ainda, a necessidade de fair play em relação aos torcedores adversários: “Qualquer forma de difamação ou violência nos contextos esportivos deve ser condenada, e os responsáveis esportivos devem fazer tudo para identificar os responsáveis”. 

Na mensagem para a Copa de 2014, o Papa Francisco também pede: “Que ninguém se isole e se sinta excluído! Atenção! Não à segregação, não ao racismo! E, se é verdade que, ao término deste Mundial, somente uma seleção nacional poderá levantar a taça como vencedora, aprendendo as lições que o esporte nos ensina, todos vão sair vencedores, fortalecendo os laços que nos unem”. 

UM VERDADEIRO EXERCÍCIO DE LIBERDADE 

Em 1985, quando ainda era Arcebispo de Munique, na Alemanha, o Cardeal Joseph Ratzinger, que 20 anos depois seria eleito o Papa Bento XVI, escreveu o artigo “O jogo e a vida: sobre o Campeonato Mundial de Futebol”, no qual apontou que o fascínio pelo jogo de futebol decorre de uma espécie de tentativa de retornar ao Paraíso, ou seja, “sair da escravizante seriedade da vida cotidiana e de seus cuidados para a seriedade livre do que não necessariamente tem que ser e que, justamente por isso, é bonito”. 

No referido artigo, o Cardeal alemão apontou que “o fascínio do futebol encontra suas raízes no fato de que reúne estes dois aspectos de forma muito convincente: obriga o homem, acima de tudo, a se disciplinar, de modo que, pela formação, adquira a disposição sobre si mesmo, por tal disposição a superioridade e, pela superioridade, a liberdade. Mas, depois, lhe ensina também a cooperação disciplinada: como jogo em equipe, o futebol obriga a um ordenamento de si mesmo dentro do conjunto”. 

Ainda de acordo com o Cardeal Ratzinger, o jogo torna visível que o ser humano sempre busca a liberdade, mas “a liberdade vive da regra, da disciplina que aprende o agir em conjunto e o correto confronto, o ser independente do êxito exterior e da arbitrariedade, e desse modo se chega a ser verdadeiramente livre. O jogo, uma vida: se aprofundamos, o fenômeno de um mundo entusiasmado pelo futebol pode nos oferecer mais que um mero entretenimento”, escreveu. 

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