A memória, a arte e a espiritualidade de Cláudio Pastro atravessam gerações

Referência na arte sacra brasileira, artista, morto em 2016, foi tema de um simpósio realizado no Mosteiro de São Bento de São Bento

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Para celebrar os 75 anos do nascimento de Cláudio Pastro (1948-2016), no sábado, dia 6, no Mosteiro de São Bento de São Paulo, aconteceu um simpósio promovido pelo Núcleo de Pesquisa e Extensão da Faculdade São Bento, pelo Museu de Arte Sacra de São Paulo (MAS) e a Ideia Viva – Escola de Cultura.

Na 2ª edição do simpósio “Memória, arte e espiritualidade – 75 anos de Cláudio Pastro” aproximadamente 130 pessoas se reuniram para refletir sobre o legado do artista, autor de pinturas, ícones, painéis, projetos arquitetônicos e objetos litúrgicos espalhados em centenas de igrejas, capelas, catedrais, conventos e mosteiros no Brasil e em outros países, como Alemanha, França, Espanha e Vaticano.

PIONEIRO E PROFÉTICO

Wilma Steagall De Tommaso, doutora em Ciências da Religião e amiga de Pastro, recordou-o como artista de personalidade singular e um homem culto. “Pastro foi um profundo conhecedor dos documentos conciliares, ‘decodificou o Concílio Ecumênico Vaticano II’. Corajoso, ousou colocar nas igrejas sua arte inovadora a partir dos anos 1980 em um País cuja cultura era predominantemente a do Barroco. Foi pioneiro e profético ao introduzir seus traços e sua mística nas igrejas”, ressaltou.

A pesquisadora Hilda Souto trouxe um “Panorama da obra de Cláudio Pastro” e afirmou que ele deixou um legado para a arte e impulsionou a própria Igreja a compreender a missão dos artistas sacros. “Cláudio foi, com certeza, responsável por um grande movimento de valorização da arte que aconteceu no Brasil”, afirmou.

‘ARTISTA QUE EVANGELIZA’

Madre Martha Lúcia Ribeiro Teixeira, OSB, abadessa do Mosteiro Nossa Senhora da Paz, em Itapecerica da Serra (SP), falou sobre a trajetória de amizade de Cláudio Pastro com as monjas e a influência do carisma de São Bento na vida do artista.

“O primeiro contato se deu por meio da Madre Dorotéia Rondon Amarante (1916-2015), que foi sua mais marcante e duradoura influência artística. E, desde então, manteve a amizade e a vivência do carisma e espiritualidade monástica”, recordou, mencionando que Pastro se identificou de tal forma com a Regra de São Bento que se tornou um oblato beneditino, adotando o nome de Irmão Martinho.

A Abadessa descreveu Pastro como um homem que buscava a Deus apaixonadamente em tudo o que fazia. “Sua intensa atividade artística brotava do amor que consagrava ao Senhor. Ele afirmava que sua escola sempre foi a liturgia, a participação nos sagrados mistérios, a Lectio Divina e o Ofício Divino”.

“Ele era um artista que evangelizava enquanto trabalhava, sempre preocupado em elucidar os elementos essenciais de cada projeto, suas referências bíblicas, litúrgicas e teológicas”, completou Madre Martha Lúcia.

A Madre revelou que em breve será inaugurado ao público o memorial dedicado ao artista, em anexo ao Mosteiro, junto à casa onde ele morou.

Luciney Martins/O SÃO PAULO

PERSONALIDADE MARCANTE

Em entrevista ao O SÃO PAULO, José Carlos Marçal de Barros, diretor executivo do MAS, mencionou que Pastro, “além de um grande artista, é uma personalidade marcante do século XX, que em seu pioneirismo inovou no conceito de Arte Sacra a partir de uma releitura dos documentos do Concílio Vaticano II”.

Diretor da Ideia Viva – Escola de Cultura, Luís Rodolfo Souza Dantas destacou que pensar Cláudio Pastro por ocasião de seus 75 anos é uma oportunidade para resgatar o papel da Arte Sacra no fortalecimento da fé: “Vale ressaltar que a Arte Sacra não é uma expressão da vaidade do artista, mas, sim, visa a enaltecer o propósito litúrgico, pastoral e catequético que, por meio da linguagem simbólica, potencializa a Palavra no coração do cristão”. Ele lembrou, ainda, que a “verdadeira Arte Sacra não é um mero ornamento, mas um propósito que contribui para uma efetiva metanoia no indivíduo”.

EVIDENCIAR O ESPAÇO DO SAGRADO

Lucia de Souza Dantas, docente e coordenadora da Faculdade São Bento, recordou a dimensão filosófica e teológica nas obras de Pastro. “Resgatar a dimensão mística na contemporaneidade é uma maneira de entender de fato qual é a diferença do objeto sagrado e qual é a diferença do espaço sagrado. Por isso, eu entendo que Pastro é um artista que tem um papel importante para resgatar o elemento sagrado e o espaço da igreja. Nesse sentido, é um artista basilar para se entender a Arte Sacra à luz da estética filosófica e teológica”, destacou.

Dom Camilo de Jesus Dantas, OSB, Diretor Geral da Faculdade São Bento, lembrou que Pastro é pioneiro na atualização da estética da Igreja: “Seus dons artísticos, somados à profundidade teológica e espiritual, proporcionam aos fiéis uma experiência de oração e mística. Como leigo consagrado, evangelizou por meio do belo, e pela sua arte, renovou a estética da Igreja”.

REFERÊNCIA E APRENDIZADO

Leonardo Caetano de Almeida, 38, é professor de Arte Sacra e desenhista. Ele tem Pastro como fonte de inspiração. “Pastro é referência em meu trabalho por seus traços precisos, permeados de espiritualidade e pautados na essência do Evangelho e nos ensinamentos da fé cristã”, pontuou.

Bruna Rodrigues de Sene, 21, é monitora cultural no Santuário Nacional de Aparecida. Ela salientou que participar do simpósio foi uma oportunidade para beber da fonte e transmitir esse conhecimento aos devotos que vão à Casa da Mãe e contemplam as obras de Pastro: “É nítido o encantamento das pessoas ao se depararem com as pinturas e ícones do artista sacro que conduzem a uma experiência e ao encontro pessoal com Cristo”.

CONHEÇA MAIS SOBRE A VIDA E A OBRA DE CLÁUDIO PASTRO

  • Nasceu em São Paulo, no bairro do Tatuapé, em 15/10/1948;
  • De família humilde, começou a pintar em papéis de saco de pão; Em 1972, formou-se em Ciências Sociais pela PUC-SP. Cursou Teoria e Técnicas de Arte na Abbaye Notre-Dame, de Tournay (França), no Museu de Arte Sacra da Catalunha (Espanha), na Academia de Belas Artes Lorenzo de Viterbo (Itália), na Abadia Beneditina de Tepeyac (México) e no Liceu de Artes de São Paulo;
  • A partir de 1975, dedicou-se à Arte Sacra, assinando vários projetos arquitetônicos, pinturas, vitrais, azulejos, altares, peças litúrgicas e livros.
  • As suas primeiras obras estão na Capela do Mosteiro Nossa Senhora da Paz, em São Paulo. Em seguida, fez criações para o Colégio Santo Américo;
  • Na Arquidiocese, várias igrejas têm elementos da sua arte, entre as quais a Catedral Metropolitana e o Pateo do Collegio;
  • A partir de 1999, esteve à frente da criação dos painéis e vitrais do Santuário Nacional de Aparecida, sendo o autor do nicho que abriga a imagem de Nossa Senhora, da cúpula central. É também o idealizador do medalhão comemorativo dos 300 anos da aparição da imagem mariana;
  • Em 2007, recebeu o título Doutor Honoris Causa pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, por sua relevante contribuição à Arte Sacra;
  • Em 2013, criou as peças litúrgicas usadas pelo Papa Francisco em Aparecida (SP) e no Rio de Janeiro (RJ), em sua vinda ao Brasil por ocasião da Jornada Mundial da Juventude.
  • Faleceu em 19/10/2016, em São Paulo (SP), aos 68 anos.
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