‘A vacina é a única solução para conter a COVID-19. Precisamos vacinar toda a população, e rápido’

Afirmou Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em entrevista ao O SÃO PAULO

Margareth Dalcolmo (foto: Peter Iliciev/Fiocruz)

Margareth Dalcolmo é pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Formada em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ela é membro de Comissões Científicas da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e da Sociedade Brasileira de Infectologia, da REDE TB de Pesquisa em Tuberculose e membro do Steering Committee do Grupo denominado RESIST TB, da Boston Medical School. Integra o Expert Group for Essential Medicines List, da Organização Mundial da Saúde (OMS), e o Regional Advisory Committee do Banco Mundial para projetos de Saúde na África Subsaariana em Tuberculose e doenças respiratórias ocupacionais. É docente da Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e presidente eleita para a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o biênio 2022-2024. 

Nesta entrevista, a médica fala sobre sua experiência e contribuição para a saúde pública brasileira no enfrentamento da pandemia e sobre a pesquisa que avalia o uso da vacina BCG na prevenção e redução dos impactos do coronavírus.

O SÃO PAULO Estamos em meio à chamada segunda onda da pandemia. Como a senhora avalia a realidade que temos enfrentado, no que se refere ao alto número de mortes e ao andamento da vacinação no País? 

Margareth Dalcolmo – Estamos, ainda, em um momento grave da epidemia no Brasil por várias razões: primeira, a taxa de transmissão continua elevada; segunda, a presença de novas variantes circulando pelo País e, ainda, não sabemos ao certo o nível de proteção das vacinas contra essas variantes; terceira, é que, infelizmente, ainda grande parte da sociedade civil não compreendeu a complexidade do momento pandêmico que vivemos. E, a quarta razão, a política de vacinação está muito aquém do desejado. 

O Brasil errou em não encomendar as vacinas no tempo certo, que era quando estávamos desenvolvendo estudos de Fase 3 de boa qualidade. Isso contribuiu para a atual situação. Para melhorar essa realidade, nós precisamos vacinar 2 milhões de pessoas por dia. E isso não está acontecendo.

Os meses de março e abril tiveram um alto índice letal. O que esperar dos próximos meses e quais medidas precisam ser mantidas ou adotadas para frear a pandemia?

Neste momento, a população já está cansada de fechamentos, de lockdowns malfeitos, ressalva à cidade de Araraquara (SP), que mostrou que o lockdown funciona e controlou a transmissão epidêmica. Podemos esperar, se não tivermos a “terceira onda”, sem dúvida nenhuma, um grau de estabilidade, considerando-se a taxa de vacinação. Isso é uma equação que tem a ver com a cobertura vacinal, ou seja, quantas pessoas estão vacinadas com as duas doses. Ainda estamos enfrentando, porém, uma alta taxa de mortalidade, com números que superam as 2 mil vidas perdidas, diariamente. Isso, infelizmente, ainda representa um mês de maio muito letal. 

É possível uma terceira onda no Brasil? 

Temos chances reais, sim, da “terceira onda” no País. Lamento informar isso, e gostaria muito de estar errada, mas, infelizmente, vamos enfrentar essa nova fase da pandemia.  São muitos os fatores que me levam a afirmar que essa nova onda seja realidade: sabemos que o Sar-CoV-2 sofreu mutações e as variantes do vírus já estão em nosso meio e, recentemente, foi anunciada a nova variante indiana no Brasil, que chegou pelo Maranhão.  

A senhora está na linha de frente desde o começo da pandemia. Imaginou que chegaríamos a esse cenário atual?

No registro da História, houve outras epidemias, mas, nenhuma, desde a Gripe Espanhola de mais de 100 anos atrás, foi tão pandêmica como esta. A pandemia se disseminou e o mundo todo notificou casos de COVID-19. Então, desde o início, quando verificamos que a taxa de transmissão era muito alta, que era uma doença de transmissão logarítmica, na qual uma pessoa contamina várias outras, imaginamos, sim, que a pandemia poderia ser duradoura, mas não imaginávamos que seria tanto, pois estamos há mais de um ano convivendo com ela. 

Como avalia a estratégia de vacinação adotada no Brasil?

A estratégia teórica, as prioridades definidas, a meu juízo, estão corretas. Entretanto, a disponibilidade pequena e tão aquém do desejável das vacinas é uma grande preocupação. Eu avalio como sofrível o ritmo de vacinação que estamos vivenciando no País.

Sim, a solução para todas as viroses agudas, historicamente, é a vacina. A vacina é a única solução. Precisamos vacinar toda a população, e precisa ser rápido.

O enfrentamento da COVID-19 esbarrou em uma série de disputas entre o governo federal, estados e municípios. Como essa situação afetou o controle da pandemia? 

Sem dúvida, o controle epidêmico ficou muito prejudicado pela politização que foi impressa no controle sanitário. Evidenciou-se discussões desnecessárias, confusão da opinião pública, prioridades não levadas em conta, o paradoxo entre o discurso científico e o discurso político, tudo isso gerou a tragédia que acompanhamos nos índices de mortalidade e para a disseminação da pandemia no País. 

Como estão as pesquisas que a senhora coordena sobre a eficácia da vacina BCG para COVID-19?

A vacina BCG é muito conhecida no Brasil – utilizada desde 1972 e, por normativa do Ministério da Saúde, desde 1976 para todo recém-nascido no País. Ela é usada como uma forma preventiva contra a tuberculose. 

É uma pesquisa BRACE Trail, que é um estudo de Fase 3 contra placebo utilizando a BCG. A BCG é uma vacina muito curiosa porque ela provoca uma reação imunológica muito variada. Assim, se ela é capaz de proteger contra outras viroses respiratórias, a hipótese é que ela também possa proteger contra a COVID-19. 

A pesquisa é de um ano e já terminamos com a inclusão de todos os voluntários e a participação de 2,3 mil profissionais de Saúde do Brasil. Estamos acompanhando e monitorando para fazer uma análise interina ou parcial desses resultados até o meio do ano. 

O que nós esperamos é que, se não for capaz de impedir a doença, pelo menos será capaz de atenuar a virulência dos episódios de COVID-19.

Há mais de um ano de COVID-19, houve algum momento que considera de mais esperança e de desesperança?

A maior esperança é diante do feito extraordinário de, em poucos meses, idealizar plataformas vacinais, tão espetaculares e eficazes e colocá-las em uso em um prazo relativamente curto. A vacina mais rápida que conhecemos levou quatro anos para ser colocada em uso. Esse foi um feito do ser humano que precisa ser registrado e traz grande esperança.

Por outro lado, tivemos muitas decepções com os tratamentos testados. A COVID-19 é uma doença para a qual, até o momento, ainda não há um tratamento medicamentoso eficaz. 

Espero que a humanidade saia disso tudo um pouco melhor, embora os indícios mostram o contrário, pois o que temos visto é uma exclusão e uma desigualdade social absolutamente iníquas. Mas tenho esperança de ver o ser humano menos egoísta e mais generoso.    

Já temos uma previsão para voltar ao normal”? Como será a vida na pós-pandemia?

Teremos, ainda, um ano de 2021 muito difícil e, ao que tudo indica, nos próximos dois anos, o mundo terá que continuar com alguns cuidados coletivos de proteção. A COVID-19 é, com certeza, um fenômeno divisor em nossas vidas e vamos levar tempo para superar. 

Para mim, não existe um novo ”normal”, existe uma retomada da vida e das atividades. Muitas coisas vão mudar, sobretudo em relação aos locais de trabalho, às relações de consumo… Enfim, a pandemia nos provou que não precisamos de tanto consumismo para viver. 

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