Adoção: uma das formas mais elevadas de amor

No Brasil, mais de 4 mil crianças e adolescentes ainda aguardam ser adotados; 85% dos quais com mais de 10 anos de idade

Olia Danilevich/Pexel

Maria Aparecida Garcia, 84, é mãe adotiva de Juliana Tamara Garcia, 31. Quando tinha 53 anos, ela, então recém-aposentada, recebeu a ligação de uma amiga falando de uma bebê que estava aguardando uma família para ser adotada. 

“Meus dois filhos já estavam adultos e formados. A adoção veio como um presente de Deus. Não pensei duas vezes e dei entrada no processo para a adoção da pequena”, recordou, emocionada, a mãe. 

“Adotar é amor, é abrir espaço no coração para um amor sem tamanho. É abastecer-se de esperança e, também, no meu caso, foi um recomeçar”, disse, lembrando dos cuidados que uma criança exige. 

O Cadastro Nacional de Adoção (CNA), criado em 2019, já registrou mais de 11 mil adoções feitas por seu intermédio. Em 2021, houve recorde no número de adoções: mais de 3,7 mil. E, mais de 11 mil acolhidos retornaram à convivência com seus pais biológicos. 

Juliana é professora concursada da rede pública de educação. Ela recordou o sentimento de pertença e o amor recebido desde que chegou à família. “Sempre soube que sou adotada, mas nunca me senti assim, sou filha da Maria Aparecida e irmã do Rogério e do Reinaldo”, contou. 

A professora destacou, ainda, que na primeira tentativa de adoção um casal desistiu por ela ter lábio leporino (uma fissura do lábio superior): “Minha mãe conta que quem cuidava de mim falava que eu só chorava, vivia inquieta e agitada, mas quando ela chegou para me conhecer, eu abri um sorriso. Por isso, eu digo, nada é por acaso, Deus me proporcionou uma família em que o amor e a acolhida são verdadeiros e recíprocos”. 

BUSCA ATIVA 

Segundo o CNA, no Brasil, há mais de 4 mil crianças e adolescentes que ainda aguardam ser adotados. Desses, cerca de 2,2 mil não conseguem encontrar pretendentes interessados em sua adoção: 21,4% possuem problemas de saúde; 24,2% com algum tipo de deficiência; e 85% têm acima de 10 anos. 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) disponibilizou uma nova ferramenta para facilitar o processo de adoção no Brasil. A ferramenta abrange as crianças e adolescentes que aguardam a adoção – trata-se de uma busca ativa nacional, que pode promover o encontro entre pais habilitados e as crianças aptas à adoção que tiverem esgotadas todas as possibilidades de buscas nacionais e internacionais de famílias compatíveis com seu perfil no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). 

A primeira fase da funcionalidade da ferramenta vai permitir que as unidades judiciárias indiquem as crianças e adolescentes que estão disponíveis para busca ativa, com a possibilidade de inclusão de fotos e vídeos. 

Na fase seguinte, a ferramenta vai disponibilizar o ambiente virtual para que os mais de 33 mil pretendentes habilitados no SNA possam realizar a consulta de todas as crianças e adolescentes previamente disponibilizados. 

A ferramenta deve garantir a preservação da identidade e imagem das crianças e adolescentes, com a apresentação apenas do prenome, idade e estado do acolhido. Além disso, a ferramenta possui um inédito sistema de alertas, com o qual os juízes e as corregedorias podem acompanhar todos os prazos referentes aos acolhidos ou em processo de adoção, bem como de seus pretendentes. A proposta da ferramenta é trazer maior celeridade na resolução dos casos e maior controle dos processos vigentes. 

FAMÍLIAS EM ESPERA 

Segundo dados do SNA, tem crescido o número de pessoas buscando a adoção. Em maio de 2021, havia um registro de 35.178 pretendentes habilitados. Apesar do grande número de interessados, muitas crianças permanecem nos abrigos por não terem o perfil buscado pelas pessoas habilitadas a adotar. 

Do total das adoções feitas no Brasil nos últimos seis anos, 6.010 (47%) foram de crianças que tinham até 3 anos; 3.616 (28%) tinham de 4 a 7 anos completos; 2.199 (17%) tinham de 8 a 11 anos completos; e 1.066 (8%) eram adolescentes, ou seja, maiores de 12 anos completos. Desse modo, permanece a realidade de que a primeira infância é o período em que se realizam mais adoções no Brasil. 

Com a pandemia, o ritmo de andamento dos processos diminuiu e atualmente a situação começa a voltar à normalidade. 

ADOTAR É AMOR 

A campanha “Adotar é Amor”, do CNJ, em sua sexta edição anual, pretende divulgar e alertar a sociedade para a realidade da adoção. 

O CNJ, neste ano, firmou uma parceria com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e os times do Campeonato Brasileiro das séries A e B, que no mês de maio entraram em campo com faixas da campanha “Adotar é Amor”, para promover o direito das crianças de conviver em família. 

“De fato, assim como gerar um filho, adotar é amar, é um compromisso contínuo de cuidado, responsabilidade de educar e proteger, exige entrega de todo o coração. Portanto, a maternidade e a adoção são mais que uma doação, são atos de amor e de coragem”, declara Maria Aparecida. 

José Paulo Militão de Araújo, advogado, enfatizou a importância da mobilização em prol da adoção. “É uma ação que tem por objetivo conscientizar, sensibilizar as pessoas, levar informação e desmistificar sobre a relevância do tema da adoção. A sociedade precisa estar atenta e sensível à importância de que todos têm direito a uma família, a um lar que lhes proporcione amor e dignidade”, afirmou o profissional que é pai adotivo. 

O CAMINHO DA ADOÇÃO 

O Papa Francisco tem dedicado atenção ao tema da adoção, como fez em março durante uma audiência geral. 

“Muitos casais não têm filhos porque não querem ou tem um só e chega, mas têm dois cachorros, dois gatos que tomam o lugar dos filhos. Sim, é engraçado, entendo, mas é a realidade. Renegar a paternidade e a maternidade nos diminui, tira a nossa humanidade”, afirmou. 

O Pontífice mencionou a adoção como um dom. “Todos aqueles que se abrem a acolher a vida por meio da via da adoção, é um comportamento generoso, bonito”. Ele citou o exemplo de José, pai de Jesus, referindo-se à adoção como uma das formas mais elevadas de amor e de paternidade e maternidade. 

“Quantas crianças no mundo estão à espera de alguém que cuide delas! E quantos cônjuges desejam ser pais e mães, mas não conseguem por razões biológicas; ou, embora já tenham filhos, querem partilhar o afeto familiar com quantos não o têm. Não devemos ter medo de escolher o caminho da adoção, de assumir o ‘risco’ do acolhimento”, pontuou o Papa. 

Francisco ressaltou, também, a necessidade de que as instituições estejam prontas a colaborar no processo da adoção, controlando e simplificando o procedimento necessário para que se realize o sonho de tantas crianças que precisam de uma família, e de tantos casais que desejam um filho. 

O advogado ouvido pelo O SÃO PAULO destacou alguns passos necessários para a adoção no Brasil: 

1 – Pensou em adotar? – procure o Fórum ou a Vara da Infância e da Juventude da sua cidade ou região, levando os documentos solicitados; 

2– Análise de documentos apresentados – os mesmos serão autuados pelo cartório e serão remetidos ao Ministério Público para análise e prosseguimento do processo. 

3– Ingresso no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) – com o deferimento do pedido de habilitação à adoção, os dados são inseridos no Sistema Nacional, respeitando-se a ordem de classificação no cadastro; 

4 – Avaliação da equipe inter- profissional – objetiva-se conhecer as motivações e expectativas dos candidatos à adoção; analisar a realidade sociofamiliar e orientar sobre o processo adotivo; 

5 – O momento de construir novas relações – inicia-se um período de convivência. Nesse momento, a criança ou o adolescente passa a morar com a família; 

6 – Uma nova família – ao término do período de convivência, os pretendentes solicitam a ação de adoção efetiva. 

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