Cardeal Parolin no Sudão do Sul: ‘Deus não esquece as injustiças sofridas por vocês’

Três crianças brincam dentro da carcaça de um boeing caído em uma das vastas extensões de terra vermelha. Outras estão descalças ou diretamente sem roupas, banhando-se no Nilo ou lavando suas pernas magras em uma das poças que, dependendo da quantidade de garrafas plásticas dentro, são verdes ou alaranjadas. Usam vestes de tule rosa ou camisas do Inter e Milan com duas medidas maiores do que a delas, vacas e cabras pastando em cima dos montes de terra criados para conter as inundações.

Foto: Vatican Media

São as crianças, tantas crianças, as protagonistas da visita do cardeal Pietro Parolin, em seu segundo dia em Juba, em Bentiu, uma área no norte do país onde está localizado o homônimo acampamento de deslocados. O mundo ouviu falar dele no ano passado por causa dos casos de hepatite e cólera, em geral se fala sobre este acampamento devido a suas escassas condições hídricas e higiênicas. Nesta extensão de tendas brancas e barracas de lata, de varas com cortinas sobre elas, o secretário de Estado vaticano celebrou esta quarta-feira (06/07) a Missa durante a qual lembrou que Deus ouve o grito daqueles que sofrem injustiças, abusos, perseguições.

CHEGADA EM UM AVIÃO DA ONU

Tendo partindo ao alvorecer do dia em um avião da ONU de quinze assentos, depois de sobrevoar rios e florestas por pouco menos de duas horas, Parolin chegou a esta área desértica, onde a única lufada de vento que proporciona alívio do calor de quase 41 graus levanta o pó escarlate, fazendo com que ele se agarre a roupas e smartphones. A acolher o cardeal são grupos de mulheres que lhe prestam homenagem com uma túnica branca e coroas de flores. Atrás delas, mais crianças.

Um grupo de adolescentes com grandes chapéus e saias longas posiciona-se em frente ao cardeal: “Bem-vindo minha Eminência”, diz a mais velha, e depois de inclinar-se sutilmente em sinal de reverência ao ilustre visitante, começa a mexer os ombros e os quadris em uma dança tribal, seguida por suas companheiras. Depois, juntas, sobem num jipe aberto. Cerca de dez delas. Ainda muito poucos em comparação com os outros carros que transportam até 25-30 pessoas. Escoltam o carro do cardeal até o centro de Bentiu, onde se realiza o encontro com os membros do governador local. Um encontro informal para trocar saudações e reiterar o desejo de paz e desenvolvimento.

ENTRADA NA CIDADE

A estrada é um zigue-zague contínuo entre enormes poças, jumentos deitados no chão e carros de militares com Kalashnikovs, “a arma mais comum por estas bandas”. Após cerca de vinte minutos, o purpurado faz seu ingresso na entrada da cidade. Centenas de pessoas tomam as ruas, saindo de seus tukuls, as habitações típicas de palha e madeira entrelaçadas, cobertas com barro seco (casas de taipa). Crianças, crianças e ainda mais crianças se unem às duas filas que criam um corredor para o cardeal; homens tocam tambores de couro, mulheres espalham cobertores no chão, sobre o barro. A muitos provavelmente não foi sequer explicado o significado do evento que ocorreu entre suas cabanas, mas todos se juntaram à festa, aos aplausos, aos coros de Aleluia cantados de joelhos e olhos fechados, sob o sol batendo na fronte.

O cardeal tenta apertar a mão dos presentes nas filas da frente, mas com o simples estender de seu braço, há o risco de começar um empurra-empurra. Para as crianças, receber uma atenção tão simples como um “bata” com as mãos, parece ser uma fonte de imensa alegria. Acompanham aqueles que passam e gritam “Irmão, irmão!”, dando os polegares para cima ou acenando com os punhos. Morrem de vontade de serem focadas pelas lentes das câmeras e de telefones celulares. O mesmo para as mulheres que são as primeiras a enfileirar-se no cordão atrás do secretário de Estado vaticano, expressando belos sorrisos com as gotas de suor deslizando pelas escarificações, as cicatrizes tribais dispostas como fileiras de pontos. Para a cultura local são um símbolo de beleza.

A BÊNÇÃO NA PARÓQUIA

No meio desta multidão, Parolin entra na paróquia de São Martinho de Porres. Não é uma igreja, mas uma enorme cabana semi-escura, iluminada por duas filas de pequenos ministrantes segurando uma vela verde. Cantam para o cardeal, para o qual três mulheres idosas se lançam escapando da segurança e lhe trazem chinelos de pano, como sinal de hospitalidade. Parolin fica quase comovido quando pega o microfone:

“Não vim por conta própria, mas para trazer-lhes o afeto do Papa Francisco. Como João Batista, venho para preparar sua chegada. O Papa quer vir ao Sudão do Sul, está planejando uma viagem a Juba, mas a visita se destina a todo o país, para encontrar todo o povo”. Traduzido para a língua local Nuer por um sacerdote, o cardeal pede então orações pelo Papa e acrescenta: “Estou feliz por estar aqui, por compartilhar a fé de vocês, sua alegria”. Vocês são realmente bons cristãos, bons católicos”.

O ENCONTRO COM OS REPRESENTANTES DA UNMISS

A próxima etapa é nos containers da sede da Unmiss, a missão das Nações Unidas no Sudão do Sul, onde o purpurado encontra o chefe da missão para o Sudão do Sul, Paul Ebweko, e lhe assegura que “a Santa Sé aprecia o que está sendo feito pela população do campo”. Ainda no carro, o cardeal volta à área norte para entrar no acampamento e celebrar a Missa.

É difícil encontrar palavras adequadas para descrever o acolhimento reservado ao secretário de Estado vaticano, que foi colocado no jipe. De pé, coberto por um guarda-chuva amarelo para se abrigar do sol, ele começa a saudar sem cessar por todos os dez quilômetros ou mais que levam ao portão de arame farpado que marca a entrada para o acampamento. Ele cumprimenta os mais de 140 mil residentes do centro, que cantam, acenam bandeiras, mostram fotos de Santa Josefina Bakhita, acompanham o carro. Alguns tentam se aproximar, mas são repelidos por voluntários com bengalas de madeira. Muitos estão descalços, suas pernas e mãos estão cheias de pó e há moscas por todo o corpo. Em alguns lugares, o cheiro é nauseabundo por causa de excrementos de animais e água parada. No entanto, não se pode deixar de estar feliz junto com eles, que se mostram aos convidados, felizes.

MISSA NO ACAMPAMENTO DE DESLOCADOS

A Missa se realiza na praça do acampamento, onde uma cabana é enfeitada com tendas e festões. As meninas com chapéus grandes voltam, agora junto com meninas vestidas de branco que exibem uma dança cadenciada pelo som da pianola, em fila como se estivesse em procissão.

Parolin em sua homilia, tudo em inglês, começa: “Encontramo-nos nesta terra difícil, mas sempre amada por Deus”. Ele fala então de esperança, aquela do Evangelho, que “não é uma esperança desencarnada, separada do sofrimento, ignara da tragédia humana” ou “que não considera a realidade muito difícil do povo de Bentiu”. Pelo contrário: “Nossa história nos faz clamar ao Senhor, nos faz colocar diante de seu altar as injustiças, os abusos, as perseguições que muitos de nós ainda sofrem; mas sabemos que este grito é ouvido por Deus e redimido, um grito que Ele mesmo transformará em um canto de alegria, se soubermos pedir perdão por nossos perseguidores e rezar por aqueles que nos fazem o mal”.

Um canto de alegria realmente explode no final da missa, com o cardeal caminhando um trecho tentando apertar o máximo de mãos possível para tornar vivo e plástico este afeto do Papa que é o objetivo subjacente de toda a viagem à África.

Fonte: Vatican News

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