Dia de Finados: Deus está ao lado de quem partiu e de quem ficou

Foto: Vatican Media

“Ó Pai, para os que creem em Vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível.”

O trecho, retirado do Prefácio dos Mortos, foi citado por Padre João Mildner, responsável pela Capelania do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, durante entrevista ao O SÃO PAULO. O Sacerdote esteve, desde o início da pandemia, na linha de frente da COVID-19, prestando atendimento humano e espiritual a pacientes, familiares e profissionais da saúde do hospital.

Em 2 de novembro, na Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, a Igreja recorda que a fé é essencial para compreender o mistério da morte e superar a perda a partir da confiança na vida eterna.

“A melhor maneira de celebrar a vida de quem partiu é deixar aflorar as emoções. Ou seja, que as pessoas tenham oportunidade de externar o que se passa no interior. Acima de tudo, porém, é preciso vivenciar tudo com fé. Deus está sempre ao lado de quem partiu e de quem ficou”, disse Padre João Mildner.

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Em tempos de COVID-19

Devido à pandemia, muitas pessoas não puderam se despedir de seus entes queridos com a celebração da Eucaristia, orações fúnebres, Rito de Exéquias e até mesmo a Missa de Sétimo Dia. A assistência religiosa, contudo, continuou a ser feita de forma virtual.

“Não estamos no mundo para sempre, um momento ou outro passamos para a vida eterna. Infelizmente, numa situação como essa, torna-se mais difícil [lidar com ela] e, por isso, temos que ter ainda mais fé”, disse o Padre, que, no início da pandemia, começou a realizar as orações fúnebres de forma virtual, quando uma família solicitava que ele fosse até o local do velório, mas, como havia apenas uma hora de prazo para realizá-las, não haveria tempo hábil de se deslocar até lá.

“A primeira vez que eu fiz a oração pela internet foi no início da pandemia, quando uma família me pediu que eu desse a bênção e eu disse a eles que, mesmo que fosse, não chegaria a tempo. Então, foi-me sugerido que eu fizesse on-line. Fizemos uma videochamada pelo WhatsApp. Confesso que, num primeiro momento, fiquei surpreso, mas depois e, ainda hoje, isso se tornou rotina. As orientações do Papa Francisco, que insistia que devíamos nos apossar da tecnologia, para manter viva a Palavra de Deus, também ajudaram muito”, explicou o Sacerdote, que, além do WhatsApp, utiliza meios como Google Meet e Zoom.

Além disso, a equipe da Capelania reza pelos pacientes e profissionais da saúde pelas portas de vidro e, muitas vezes, enviam o vídeo com o registro do momento para os familiares.

“Os profissionais vieram ao nosso encontro, muitas vezes, agradecendo por não os termos abandonado durante a pandemia”, comentou Padre João, que acompanhou muitos médicos e profissionais da saúde que perderam a vida por causa da COVID-19.

“É uma situação muito inesperada. Nesses 28 anos, passei por muitas epidemias. Comecei a trabalhar no Emílio Ribas quando ainda havia muita meningite em São Paulo, depois veio HIV, H1N1. Porém, uma situação como esta, em que as pessoas são privadas do contato, é algo totalmente novo”, disse.

O Emílio Ribas foi um dos primeiros hospitais a realizar – durante a pandemia – uma celebração eucarística de forma presencial, com a participação de médicos e profissionais da saúde. “Foi um pedido do próprio corpo médico. Rezamos a Missa de Sétimo Dia de uma médica e de uma enfermeira ao ar livre, todos com máscara e distanciamento”, explicou o Padre.

Despedida

Luiz Darci Pereira, 79, é viúvo e tem dois filhos. Durante a pandemia, ele perdeu duas pessoas queridas da família e, embora nenhuma das duas tenha ido a óbito em decorrência da COVID-19, a família não pôde acompanhar o processo de internação e teve o período para o velório e o enterro muito reduzido.

O irmão de Pereira, Jurandir José Pereira, faleceu aos 76 anos devido a complicações de um câncer. “Ele ficou internado durante 20 dias no Hospital das Clínicas e apenas os filhos podiam visitá-lo. No início da internação, conseguimos falar com ele por meio de chamadas de vídeo, mas depois, pela fragilidade em que ele se encontrava, isso não foi mais possível, e só tínhamos notícias por meio dos filhos dele”, contou Pereira.

Para ele e para os demais irmãos, foi muito difícil saber que a situação do irmão piorava e que eles não podiam vê-lo nem visitá-lo no hospital. “Mesmo que ele não estivesse na ala destinada aos pacientes da COVID-19, as restrições aumentaram e, infelizmente, não pudemos acompanhá-lo no fim de sua vida”, comentou Pereira, que também perdeu um tio no estado do Ceará durante o mês de agosto e teria viajado para lá se não fosse a pandemia.

“O velório e o enterro do meu irmão tiveram duração total de duas horas, e todos conseguimos fazer a despedida final. Ele era um homem muito bom, dedicado à Igreja e, com certeza, viveu o Evangelho de Jesus. Participava também do Terço dos Homens e, por isso, um grupo do Terço e o Padre da Paróquia que ele frequentava foram ao velório”, contou Pereira.

José Claudio Pereira morreu durante o mês de agosto, aos 97 anos, na cidade de Fortaleza e foi acompanhado pela esposa e pelos familiares próximos: “Eles eram como pais para mim e, com certeza, eu teria ido se não fosse essa situação toda”.

Luiz Darci Pereira, contudo, disse que aprendeu, desde cedo, a aceitar a morte como uma realidade da vida: “Perdi meu pai aos 4 anos de idade e tenho, ainda hoje, uma lembrança muito viva daquele momento. Depois, perdi também minha esposa e muitas outras pessoas próximas. Eu não tenho pavor da morte. Compreendo que todos vamos chegar à morte e acredito na vida eterna. Os Evangelhos desta semana nos lembram que devemos estar sempre atentos, pois não sabemos nem o dia nem a hora”.

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