Em visita à Hungria, Papa pede unidade na Europa e paz na Ucrânia

O futuro é feito de paz, não de guerra. É feito de berços, não de túmulos. Assim exortou o Papa Francisco durante sua viagem de três dias à Hungria, país do leste europeu – e o mais próximo que ele chegou até o momento da guerra na “martirizada” Ucrânia, como costuma definir.

Entre os dias 28 e 30 de abril, Francisco viajou para levar àquela região do mundo uma forte mensagem de paz, mas também o pedido de unidade na Europa, que, diz ele, precisa recuperar seus valores originais. O Papa também promoveu uma visão de mundo mais aberta à acolhida do outro, do diferente, inclusive os migrantes.

Na missa campal celebrada na praça Kossuth Lajos, em Budapeste, no domingo, 30 de abril, o Papa Francisco refletiu sobre Cristo como “Bom Pastor”, aquele que “chama suas ovelhas” e é, ele mesmo, “uma porta aberta” para o Reino de Deus. Nesse sentido, clamou o Pontífice que é preciso que cada cristão também o seja. “É triste e faz mal ver portas fechadas: as portas fechadas do nosso egoísmo em relação a quem caminha ao nosso lado todos os dias; as portas fechadas do nosso individualismo em uma sociedade que arrisca a se atrofiar na solidão; as portas fechadas da nossa indiferença diante de quem está no sofrimento e na pobreza; as portas fechadas para quem é estrangeiro, diferente, migrante, pobre”, afirmou.

“E, por fim, as portas fechadas em nossas comunidades eclesiais: fechadas entre nós, fechadas para o mundo, fechadas para quem ‘não está na norma’, para quem anseia o perdão de Deus.”

A Igreja “em saída”, disse ele, é aquela feita de “facilitadores da graça de Deus, especialistas em proximidade, dispostos a oferecer a vida, como Jesus Cristo”.

UNIR OS DISTANTES

No mesmo dia, durante a oração do Regina Caeli, Francisco rezou a Nossa Senhora não somente pela Hungria, mas também por todo o continente europeu, em especial pelos povos da Ucrânia e da Rússia, atualmente em guerra.

“Você [Maria] é a rainha da paz. Infunde nos corações dos homens e dos responsáveis das nações o desejo de construir a paz, de dar às jovens gerações um futuro de esperança, não de guerra, um futuro cheio de berços, não de túmulos, um mundo de irmãos, não de muros.”

O continente europeu é chamado a “unir os distantes” e a ser “memória da humanidade”, declarou o Papa Francisco em seu discurso com as autoridades civis da Hungria, na sexta-feira, 28, logo que chegou ao país. É preciso “reencontrar a alma europeia”, comentou, e isso passa por “acolher dentro de si os povos, e não considerar ninguém para sempre inimigo”.

A Hungria é um país que se abriu rapidamente para o acolhimento dos refugiados da Ucrânia, país invadido pela Rússia em fevereiro de 2022. Entretanto, adota políticas rígidas para migrantes não europeus, como aqueles provenientes da África e do Oriente Médio. A capital, Budapeste, é uma “cidade de pontes” e deveria inspirar toda a Europa, “que precisa da contribuição de todos, sem diminuir a singularidade de ninguém”, refletiu o Santo Padre. Assim, a Europa deve ser feita de “um conjunto que não achata as partes, e de partes que se sintam bem integradas no conjunto, mas conservando a própria identidade”.

O risco, acrescentou o Pontífice, é buscar respostas em “populismos autorreferenciais” e “nacionalistas, em vez da colaboração internacional e da fraternidade” – que representam, em sua visão, um fechamento ao outro e à cooperação. Por outro lado, Francisco criticou outros tipos de “colonização ideológica” que, em suas palavras, “eliminam as diferenças”. Ele lamentou, em especial, a absolutização de questões de gênero, quando “antepõem conceitos redutivos de liberdade à realidade da vida”, e também aqueles que “vangloriam como conquista um insensato ‘direito ao aborto’, que é sempre uma trágica derrota”, declarou.

Em vez disso, a Europa se deve construir “centrada sobre a pessoa e os povos, onde haja políticas efetivas para a natalidade e a família”, disse o Papa, notando que em alguns países europeus, onde a idade média é de 46 a 48 anos, a população tem envelhecido rapidamente, devido ao baixo número de filhos.

ABERTURA À PROFECIA

É preciso “interpretar as mudanças e as transformações da nossa época” sem perder o olhar fixo em Cristo, declarou o Pontífice no encontro com o clero, religiosos e consagrados do país, no sábado, 29 de abril. “Cristo ressuscitado, centro da história, é o nosso futuro. A nossa vida, por mais que seja marcada pela fragilidade, está solidamente nas suas mãos”, completou.

Essa visão deve ajudar a Igreja europeia a evitar uma leitura “catastrófica” do mundo de hoje, e também o seu oposto, um “conformismo mundano”, nas palavras dele, que leva a aceitar de forma inerte a realidade como ela é. O cristão, afirmou o Papa, vive com um comportamento de “acolhimento aberto à profecia”.

Trata-se de “aprender a reconhecer os sinais da presença de Deus na realidade, também onde ela não aparece explicitamente marcada pelo espírito cristão, mas nos vem ao encontro com seu caráter de desafio ou de interrogação”, refletiu. O diálogo com o mundo e uma melhor divisão das tarefas dentro da Igreja são instrumentos para evitar essas tentações, disse.

Esta foi a segunda viagem do Papa Francisco à Hungria. A primeira foi em setembro de 2021, quando ele compareceu ao Congresso Eucarístico Internacional, mas não visitou o país. Aquela viagem fez com que as autoridades húngaras o convidassem para uma visita pastoral completa, que ele realizou agora, dois anos depois. O Pontífice também encontrou jovens, crianças, representantes da cultura local, da comunidade greco-católica húngara e membros da Companhia de Jesus, os jesuítas.

CANAIS DE AMIZADE

Em sua entrevista durante o voo papal de retorno a Roma na segunda-feira, 1°, o Papa Francisco elaborou seu pensamento sobre a “abertura de portas”, de “canais” e sobre a “construção de pontes”, metáforas que vem usando com frequência ao tratar do tema da guerra na Ucrânia. “Convido todos a abrir relações, canais de amizade. Isso não é fácil”, disse.

Em seguida, ele criticou a atual política de acolhida de imigrantes na Europa. O Papa afirmou que apenas os países com saída para o Mar Mediterrâneo – como Itália, Espanha, Grécia, Malta e Chipre – acabam acolhendo mais migrantes, sem o apoio necessário dos outros países europeus. “Se a Europa não assumir isso, de uma distribuição dos migrantes, o problema será somente desses países. Creio que a Europa deva fazer sentir que é ‘União Europeia” diante disso”, afirmou.

Sobre sua participação na promoção da paz na Ucrânia, durante a coletiva, ele se limitou a dizer: “Interessa-me a estrada da paz. Estou disposto a fazer tudo o que se deve fazer. Neste momento há uma missão em curso, mas ainda não é pública. Veremos. Quando for pública, falarei mais.”

Fotos: Vatican Media

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