‘Entre um acorde e outro, encontro paz, tranquilidade e segurança’

Leonardo da Silva, 18, é deficiente visual e coloca a serviço da Igreja o talento musical que Deus lhe deu

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Aos domingos, no horário das 11h30, quem participa da missa na Paróquia Nossa Senhora da Saúde, na Vila Mariana, se comove com a história de Leonardo Nunes Dantas da Silva, 18, estudante, músico e deficiente visual, que com sua voz e talento ajuda a animar as celebrações no coro de música. 

Entre uma nota e outra, ele contou à reportagem do O SÃO PAULO sua trajetória na música, sonhos e aprendizados no Instituto de Cegos Padre Chico, onde cursa o 9º ano. 

DIAGNÓSTICO 

Leonardo é filho de José Nilton Dantas da Silva, 53, motorista, e de Maria das Graças Rocha Nunes, 50, do lar. Ele tem um irmão, Luan Nunes Dantas da Silva, 13. 

Aos 7 meses de idade, veio o diagnóstico de Leonardo: deficiência visual. A família buscou apoio em vários centros especializados, mas era irreversível. 

Desde pequeno, Leonardo sempre manifestou interesse pela música e tudo o que pegava nas mãos (garrafas, bacias, panelas e brinquedos) sinalizava o talento musical. 

“Foi doloroso ouvir que meu filho não iria enxergar. A visão faz falta, mas meu filho nunca reclamou e nem reclama de nada. Ele é um guerreiro que ‘corre atrás’ dos próprios sonhos. Todos os dias, aprendemos algo novo com a sabedoria que lhe é nata. Ele não vê com os olhos, ele vê por meio da música”, disse, emocionada, a mãe. 

A MÚSICA 

O jovem aprendeu a tocar violão e teclado praticamente sozinho e em 2009 começou a fazer aulas de Música para aprimorar os conhecimentos e técnicas musicais. 

“Tudo pra mim se traduz em música. Quando ganhei meu primeiro violão e, depois, o teclado, fiquei feliz porque ali – entre um acorde e outro – encontro paz, tranquilidade e segurança”, afirmou Leonardo. 

Ele é dono de uma voz afinada e tem facilidade para entender o tom de uma canção e acompanhar as notas musicais de ouvido. 

“Gosto de todos os estilos musicais. Aprecio e canto pop e sertanejo; Música Popular Brasileira (MPB) e forró; músicas internacionais e pagode; as músicas católicas estão em meu repertório também”, disse. 

NO INSTITUTO PADRE CHICO 

Em 2009, Leonardo ingressou no Instituto de Cegos Padre Chico, dirigido pela Congregação das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, que atende, gratuitamente, crianças e adolescentes cegos, com baixa visão ou ainda com outros comprometimentos de aprendizagem. 

“O Instituto é um divisor de águas na minha vida. Aqui eu aprendo a desenvolver minhas potencialidades, a resolver desafios, a desenvolver a autonomia para o engajamento social e, também, traçar perspectivas profissionais”, disse ele, que sonha em ser cantor e viver da música. 

No instituto, as aulas preferidas são as de música: “É o momento em que me conecto comigo mesmo. A música me faz sonhar, acreditar que tudo é possível, me faz sentir leve e feliz”. 

NA IGREJA 

Desde 2018, Leonardo participa na Paróquia Nossa Senhora da Saúde, onde, inicialmente, era leitor. No mesmo ano, ingressou no grupo de jovens e, atualmente, a cada 15 dias, com a parceria de Hosana da Silva, canta e toca teclado na missa dominical das 11h30. 

“Com o apoio da minha família, da Hosana e dos padres Agostinianos Recoletos (congregação à frente da paróquia), consigo evangelizar por meio do talento que Deus me concede”, disse, ressaltando que fica feliz com o carinho dos paroquianos. “Ao final da missa, eles vêm me agradecer – e penso comigo – ‘fui só um instrumento que possibilitou uma experiência de fé e encontro com Deus’”, destacou. 

SONHOS 

Leonardo tem o sonho de ser um cantor reconhecido nacional e internacionalmente. “Hoje canto em casa, na igreja, no Instituto Padre Chico, em festas familiares e onde me convidam”, disse, ressaltando que pretende cursar a faculdade de Música, ser DJ, locutor e dublador. 

“Nem tudo até agora foi fácil, há vários desafios. Gosto de ler, mas a acessibilidade de livros em braile, no Brasil, merece atenção e políticas mais eficazes”, lembrou o músico, que aproveita os livros do Instituto de Cegos Padre Chico para aprimorar seus conhecimentos. 

Leonardo também faz o som do trompete utilizando a boca. “Quem ouve procura em volta o instrumento e fica surpreso quando vê que faço com a emissão da minha voz”, disse o jovem, que já compôs três músicas, uma no estilo piseiro (correspondente ao forró eletrônico) e duas composições no estilo forró. 

A pandemia de COVID-19 mudou um pouco a rotina de Leonardo. Na fase mais aguda, a do isolamento social, ele dedicou seus dias para estudar e aprimorar o talento musical. “Passava os dias cantando e ensaiando no meu quarto. Foram dias solitários e que garantiram uma certeza: nunca desistam de seus sonhos, mesmo que eles pareçam utópicos. Acreditem e lutem por eles. Não é uma pandemia ou outro obstáculo – no meu caso a deficiência visual – que vai me parar; pelo contrário, é um estímulo a mais para sair da zona de conforto e me lançar sem medo rumo à concretização dos objetivos”, disse. 

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Claudinei Lago
Claudinei Lago
1 ano atrás

Muito bom.