Igreja sofre um verdadeiro martírio nas mãos do governo Ortega

Diocese de Matagalpa

Nos últimos meses, numa escalada jamais testemunhada anteriormente, a Igreja Católica na Nicarágua vem sofrendo repressões e perseguições, perpetradas pelo regime autoritário do presidente Daniel Ortega. Desde 2018, por denunciar o desrespeito aos direitos humanos e a corrupção desmedida do Estado, o clero do país centro-americano se vê cada vez mais ameaçado. 

A proibição da permanência das religiosas da Congregação Missionárias da Caridade, fundada por Santa Teresa de Calcutá, que se viram obrigadas a deixar o país rumo à Costa Rica; o fechamento compulsório de estaçõesde rádio controladas pela Igreja, com o confisco dos equipamentos de radiodifusão; o impedimento de que padres e bispos celebrem missas e exerçam o seu ministério, além da consequente prisão de membros do clero; e a suspensão de procissões, celebrações eucarísticas e outros eventos religiosos, impedindo que os fiéis manifestem e alimentem sua fé, são as mais recentes demonstrações de que o governo nicaraguense retrata a Igreja como um inimigo político. 

ESCALADA 

No dia 4 de agosto, a polícia cercou as instalações da cúria da Diocese de Matagalpa, no norte do país, impedindo que Dom Rolando Álvarez (foto), seu bispo titular, juntamente com cinco padres e cinco seminaristas, pudessem sair de lá para exercer seus ofícios de celebrar a missa e conduzir a adoração eucarística na catedral da cidade ou até mesmo voltar para casa. 

Diante da situação de prisão domiciliar, o Bispo passou, então, a transmitir as missas que celebrava e a se comunicar com os fiéis por meio de vídeos, nos quais exortava a todos à oração e ao perdão. 

“Temos que responder ao ódio com amor, ao desespero com esperança e ao medo com a força e a coragem que nos foi dada pelo Cristo glorioso e ressuscitado”, disse o Prelado de 55 anos em um vídeo postado em várias plataformas de mídia social. 

Dias depois, três pessoas que acompanhavam o Bispo foram autorizadas a deixar as instalações da cúria. Na madrugada de sexta-feira, 19, porém, a polícia invadiu o local e levou Dom Rolando Álvarez e outras sete pessoas – quatro padres e três seminaristas que permaneciam em prisão domiciliar com ele – para Manágua, a capital do país. O Bispo foi transferido para a residência de sua família, onde permanece privado de liberdade. 

REPERCUSSÃO NA IGREJA 

No domingo, 22, após o Angelus na Praça São Pedro, o Papa Francisco fez o seguinte apelo: “Acompanho de perto com preocupação e tristeza a situação que se criou na Nicarágua, que envolve pessoas e instituições. Gostaria de expressar minha convicção e minha esperança de que, por meio de um diálogo aberto e sincero, se possam encontrar as bases para uma convivência respeitosa e pacífica. Peçamos ao Senhor, por intercessão da Puríssima, para que inspire esta vontade concreta no coração de todos”. 

Várias conferências episcopais, incluindo o Celam, que reúne os bispos da América Latina e do Caribe, expressaram seu apoio a Dom Rolando Álvarez desde que a prisão domiciliar começou. 

O Cardeal Gregorio Rosa Chávez, de El Salvador, disse que a perseguição da Igreja nicaraguense pelas autoridades governamentais é atualmente o “caso mais horrendo” de “martírio” na região. 

“O martírio continua sendo uma realidade também em nossos dias”, disse Dom Chávez. “Em nossa região, o caso mais horrendo é o da perseguição sofrida pela Igreja na Nicarágua.” 

CONTEXTO 

Desde a crise de 2018, que viu 355 pessoas mortas pelas forças pró-Ortega, a Igreja Católica na Nicarágua sofreu mais de 250 agressões do regime, incluindo espancamentos de padres, profanação de templos, ataques armados, incêndios e cerco de propriedades eclesiásticas, e o fechamento ilegal de agências de notícias, entre outros. 

Nesse contexto, Dom Rolando Álvarez é visto como uma das vozes mais críticas da hierarquia católica da Nicarágua. Seus sermões frequentemente denunciam violações de direitos humanos, perseguição religiosa e abusos de poder. 

A Nicarágua e a Santa Sé não mantêm relações diplomáticas oficiais desde o início deste ano, quando Ortega expulsou o Núncio Apostólico do país, Dom Waldemar Stanislaw Sommertag, de nacionalidade polonesa. O presidente nicaraguense retirara seu próprio embaixador de Roma no fim do ano passado. 

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