Irmã Guadalupe: ‘Os mártires nos dão testemunho da verdadeira alegria e liberdade’

Religiosa argentina que viveu no Oriente Médio destaca o exemplo de fé dos cristãos perseguidos

Nazarenos Perseguidos

O largo sorriso e o hábito vermelho são marcas peculiares da Irmã Guadalupe Rodrigo, 49, do Instituto das Servidoras do Senhor e da Virgem de Matara. Desde 2015, em especial na Argentina, onde nasceu, a religiosa tem testemunhado o que vivenciou nos anos de missão no Oriente Médio. 

“O hábito da nossa congregação é azul, mas minhas superioras me aconselharam a fazer uma mudança de cor. Assim, passei a me vestir de vermelho, pelo sangue dos mártires”, contou em entrevista on-line ao O SÃO PAULO e à rádio 9 de Julho, diretamente de Buenos Aires, onde mora e orienta o movimento Nazarenos Perseguidos, que se dedica à oração pelos cristãos que sofrem perseguições. 

O nome do movimento laico se refere ao modo como os cristãos são chamados no Oriente Médio. Já a logomarca é alusiva à letra árabe “ú”, equivalente ao “n” em português, que é desenhada pelos radicais islâmicos nas casas dos cristãos marcados para morrer. “Entre os cristãos, porém, se difundiu esta letra como símbolo dos mártires, e disso surgiu o nome do nosso movimento, Nazarenos”, detalhou. 

‘A ÚLTIMA PEÇA DO QUEBRA-CABEÇAS’ 

Guadalupe começou a discernir a vocação religiosa ainda na juventude. Aos 18 anos, quando cursava Economia e participava ativamente de sua paróquia, foi convidada para um encontro de exercícios espirituais inacianos. 

“Tudo ia bem, mas eu estava à procura de alguma coisa que não sabia ao certo o que era, e até pensava que isso seria formar uma boa família. Quando fiz os exercícios espirituais inacianos, dei-me conta de que Deus me chamava à vida religiosa consagrada. Foi como se encaixasse a última peça do quebra-cabeças da minha vida”, recordou. 

Guadalupe, então, ingressou no Instituto das Servidoras do Senhor e da Virgem de Matara, ramo feminino da família religiosa do Verbo Encarnado, e pouco tempo depois foi enviada em missão para o Oriente Médio, tendo professado os votos perpétuos em 1997, em Jerusalém. Nos dois anos seguintes, viveu na Terra Santa, dedicando-se ao estudo da língua árabe, até que em 1999 foi enviada ao Egito. 

CRISTÃOS DETERMINADOS EM TESTEMUNHAR A FÉ 

Nos 12 anos em que permaneceu no Egito, Irmã Guadalupe pôde testemunhar que os cristãos não medem esforços para professar a fé, mesmo sendo a minoria no país e alvo frequente de perseguições. 

“Lá não há uma família cristã que não tenha um mártir, alguém que morreu por causa da fé. E eles se gloriam desse mártir. Os cristãos também sofrem com discriminações para procurar um trabalho, construir igrejas e para professar publicamente a fé”, recordou. 

A religiosa explicou que, desde a infância, os cristãos tatuam o sinal da cruz no punho direito, para expressarem publicamente quem são. “Se chegar o momento do martírio, essa cruz na própria carne recorda que a pessoa é cristã e que não vai renegar a fé. Eu me lembro de uma jovem que veio me procurar porque queria ingressar na congregação. Ela tinha apenas 15 anos, e eu perguntei: ‘Por que você quer ser religiosa?’. E ela me disse muito firmemente: ‘porque quero ser mártir, e como religiosa, tenho mais possibilidades’. É impressionante como eles consideram o martírio como uma coroação de sua vida de fé”, destacou. 

SÍRIA: TERRA DE MARTÍRIOS 

Do Egito, Irmã Guadalupe foi enviada para a Síria, onde chegou em janeiro de 2011. Meses depois, em março, começaram os conflitos no país. 

“Antes da guerra, havia uma boa convivência entre cristãos e muçulmanos, pois a Constituição era laica. A guerra, na verdade, foi uma invasão de grupos terroristas, fundamentalistas islâmicos, manipulados por poderosos de outras partes do mundo, com interesses econômicos naquela região”, contou. 

Irmã Guadalupe viveu em Alepo, uma das principais cidades sírias, entre 2011 e 2014: “Os cristãos eram massacrados das maneiras mais cruéis: crucificados, decapitados, enterrados vivos – às vezes, jovens eram sepultados vivos à vista de seus pais. Diante de tudo isso, o testemunho de fé que este povo deu foi tremendo. As pessoas não tinham medo. Muitas me diziam: ‘não importa que me cortem a cabeça! Sou cristão e não vou deixar de sê-lo’. Aos que pensam que os mártires morrem desesperados, saibam que não, não e não. Morrem sorrindo, cantando, rezando e perdoando a seus torturadores”, recordou. 

Ela própria quase teve a vida ceifada em meio a bombardeios e tiroteios: “Por mais de uma vez, estive, por diferença de segundos ou metros, de ser morta. Com o tempo, fui me dando conta de que não se deve ter medo da morte. Como missionários, temos de considerar uma graça que Deus nos dá a de participar de alguma maneira da graça dos mártires”. 

NAZARENOS PERSEGUIDOS 

Irmã Guadalupe retornou à Argentina no fim de 2014, a pedido de seus superiores para que pudesse cuidar da saúde de seus familiares. Aos poucos, passou a ser chamada para testemunhar em colégios, paróquias e outros locais as experiências que vivenciou. Em 2015, ela e alguns leigos fundaram o movimento Nazarenos Perseguidos. 

“Rezamos pelos cristãos perseguidos e difundimos o movimento pelas redes sociais. Nos últimos três anos, um grupo de nazarenos leigos pediu para fazer algo ainda maior: dedicar sua vida a esta causa. Eles fazem votos de pobreza, castidade e obediência, são votos privados, por ainda ser uma experiência, mas é algo contagiante”, contou. 

Alguns dos que se consagram vivem em comunidade, mas boa parte dos integrantes permanece em suas famílias e há grande adesão de jovens. 

“Muitos são os jovens que me dizem: ‘quero abraçar este modo de vida porque desejo viver a radicalidade do Evangelho’. O jovem se sente atraído por uma entrega total, e acredito que os mártires, com sua entrega radical, mostram qual é o verdadeiro amor, e o jovem sempre busca este amor verdadeiro, que significa entrega, pois o próprio Senhor diz: ‘não há maior amor do que dar a própria vida’. E isso é uma prova que o sangue dos mártires nunca se derrama em vão. Os mártires nos dão o testemunho da verdadeira alegria e liberdade dos filhos de Deus, algo que nós também podemos viver”, afirmou. 

A LIBERDADE RELIGIOSA NO OCIDENTE 

Embora no Ocidente os cristãos tenham, na maioria dos países, liberdade para manifestar a fé, Irmã Guadalupe alerta que é preciso que estejam atentos a perseguições que têm ocorrido. 

“Temos que ter consciência e abrir os olhos sobre os ataques permanentes aos cristãos em muitos países da América Latina, com governos que vão diretamente contra a fé e contra a Igreja, além das leis, basta ver a lei do aborto aqui na Argentina. Os ataques à vida e à família são ataques contra o próprio Jesus”, enfatizou. 

“Temos que nos manifestar como cristãos, carregar a cruz sem medo, demonstrar a nossa fé em nossas falas e comportamentos. O real problema é que aqui no Ocidente fazemos um Cristianismo dissimulado, acomodado aos critérios do mundo. Há católicos que dizem ser favoráveis ao aborto, à ideologia de gênero. Mas como? Isso é uma crise de identidade! Ouçamos os mártires. Eles nos chamam a viver o Evangelho com radicalidade e não o recortando em partes das quais se gosta mais ou convém. Aprendamos deles e dos cristãos perseguidos a tudo enfrentar com a cabeça erguida, sem medo!”, concluiu. 

CONHEÇA O MOVIMENTO NAZARENOS PERSEGUIDOS 

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Umberto Chagas da Silva
Umberto Chagas da Silva
1 ano atrás

É inspirador este pensar diferente daquilo que é apresentado na mídia, na vida social em geral, esta maneira “flexivel” de ver as coisas, mas a verdade não é flexível!
” Seja teu falar, sim, sim e não, não”