Estudo indica que cerca de 57 mil óbitos por ano no Brasil podem estar associados ao consumo destes alimentos
Uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Universidade de Santiago do Chile revelou que anualmente, no Brasil, 57 mil óbitos de pessoas entre 30 e 69 anos estão associados ao alto consumo de alimentos ultraprocessados. Os dados são referentes ao ano de 2019 e foram publicados recentemente na revista American Journal of Preventive Medicine.
O número equivale a uma em cada 10 mortes que poderiam ser evitadas naquele ano, de acordo com dados computados pelo DataSUS. Se o consumo de alimentos ultraprocessados caísse pela metade no referido ano, 51% dos 57 mil óbitos poderiam ter sido evitados.
IMPACTO À SAÚDE
Nos últimos anos, os alimentos ultraprocessados ganharam espaço na mesa do brasileiro. O destaque nas gôndolas do supermercado e nas propagandas midiáticas elevou a tendência de consumo, embora no Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde em 2014, haja a indicação de que as pessoas não ingiram tais alimentos, que contêm em sua composição demasiada quantidade de açúcares e gorduras, e que por meio de aditivos acabam tendo propriedades sensoriais semelhantes às encontradas nos alimentos in natura.
Atualmente, o preço dos ultraprocessados tem diminuído, enquanto o dos alimentos in natura e dos minimamente processados aumentou.
Maria Paula Albuquerque, pediatra, nutróloga e gerente-geral clínica do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (CREN), alerta que os alimentos ultraprocessados “são ricos em gorduras e/ou açúcares. É comum que apresentem alto teor de sódio, por causa da adição de grandes quantidades de sal, necessárias para prolongar a validade dos produtos e intensificar o sabor”, afirmou.
Tais alimentos também são pobres em fibras – essenciais para a prevenção de doenças do coração, diabetes e vários tipos de câncer – e em vitaminas, minerais e outras substâncias que estão essencialmente presentes em alimentos in natura ou nos minimamente processados, além de apresentarem maior teor de açúcar livre, sódio, gorduras totais e saturadas.
“A ingestão desses alimentos na infância está intimamente ligada à obesidade infantil, surgimento de hipertensão arterial, diabetes e aumento do risco cardiovascular precoce”, destaca a nutróloga, orientando que os pais e educadores adotem uma alimentação mais saudável para as crianças.
Os ultraprocessados também impactam o meio ambiente, já que demandam o uso de embalagens e seu processo produtivo leva à emissão de poluentes, o alto consumo de água e energia pelas indústrias.
DESAFIO À MESA
Rafael e Marilucia da Silva são pais da Fernanda, 12. O casal contou à reportagem que o consumo de alimentos ultraprocessados é uma realidade no dia a dia da família.
“Nuggets e salsicha acabam substituindo a proteína no almoço e no jantar. Na hora do lanche, mortadela, biscoitos, salgadinhos e refrigerante são uma opção”, disse Marilucia, recordando que o preço desses alimentos é mais barato se comparado ao de uma proteína animal (carne bovina, por exemplo) e de alimentos orgânicos.
“Eu gostaria de colocar na mesa, diariamente, alimentos mais naturais para cuidar melhor da nossa saúde, mas o financeiro pesa e as opções atrativas da indústria não priorizam a qualidade nutricional, embora os rótulos narrem uma lista de ingredientes que, a meu ver, mais fazem mal do que bem”, disse Rafael, ponderando que a família busca incluir frutas e legumes nas refeições diárias.
MUDANÇA DE HÁBITO
Maria Paula Albuquerque aponta que uma das alternativas para mudar essa realidade perpassa por uma escolha individual frente a uma alimentação mais saudável, além da responsabilidade da mídia e das indústrias de alimentos e, também, a implantação de políticas públicas regulamentares para tornar os alimentos saudáveis mais acessíveis para a população.
“Priorizar aos consumidores o acesso a alimentos in natura e a conscientização e orientação sobre a importância em observar os valores nutricionais nas embalagens antes de comprar os alimentos é importante para uma alimentação saudável, a fim de evitar o alto consumo de alimentos ultraprocessados”, destacou.
GRUPOS ALIMENTARES
1 ALIMENTOS IN NATURA – são aqueles aos quais temos acesso da mesma forma que vêm da natureza. São partes comestíveis das plantas (sementes, frutas e folhas), ovos ou proteína animal (carne bovina, suína, de aves e de peixes).
2 ALIMENTOS MINIMAMENTE PROCESSADOS – são alimentos in natura que precisam de algum processamento antes de chegar ao consumidor, sem adição de ingredientes ou transformações que os descaracterizem. Por exemplo: grãos de café torrados e moídos, farinhas, carne congelada e leite pasteurizado.
3 ALIMENTOS PROCESSADOS – são aqueles modificados por processos industriais relativamente simples e que poderiam ser realizados em ambiente doméstico. Estes contam com adição de sal, açúcar ou gordura que prolongam a duração dos alimentos. Neste grupo estão a conserva de legumes processados, frutas em calda, queijos e pães de tipo artesanal.
4 ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS – não são propriamente alimentos, mas, sim, formulações de substâncias obtidas por meio do fracionamento de alimentos. Essas substâncias incluem açúcar, óleo e gorduras de uso doméstico, mas também isolados ou concentrados proteicos, óleos interesterificados, gordura hidrogenada, amidos modificados e várias substâncias de uso exclusivamente industrial. Esses alimentos são frequentemente adicionados de corantes, aromatizantes, emulsificantes, espessantes e outros aditivos que dão às formulações propriedades sensoriais semelhantes às encontradas nos alimentos in natura. Exemplos: nuggets, salsichas, salgadinhos, biscoitos doces, sorvetes, macarrão instantâneo, mistura em pó para sopa e refrigerantes.
Fonte: Núcleo de Pesquisa Epidemiológica em Nutrição e Saúde – USP e Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde