Não há compaixão nem ‘boa morte’ com a eutanásia ou o suicídio assistido

A Igreja Católica condena veemente tais práticas, que vêm sendo apresentadas como benéficas diante de intensos sofrimentos ou quadros clínicos irreversíveis

Elina Arãja/Pexels

Apresentadas como caminho para uma “boa morte” diante de quadros clínicos irreversíveis, o suicídio assistido e a eutanásia – técnicas pelas quais uma pessoa põe fim à própria vida ingerindo medicamentos letais (no primeiro caso administrando a si própria, no segundo, com a ajuda de outrem) – têm se tornado recorrentes em alguns países (leia mais na página 15), mas são práticas que afrontam a dignidade humana, como ressalta o Magistério da Igreja. 

Em 2020, o Dicastério para a Doutrina da Fé publicou a carta Samaritanus bonus (SB), sobre o cuidado de pessoas em fases crítica ou terminal da vida, apontando que tanto o suicídio assistido quanto a eutanásia voluntária “negam os confins éticos e jurídicos da autodeterminação do sujeito doente, obscurecendo de maneira preocupante o valor da vida humana na doença, o sentido do sofrimento e o significado do tempo que precede a morte”. 

Também o Catecismo da Igreja Católica aponta que “a eutanásia voluntária, quaisquer que sejam as formas e os motivos, é um homicídio. É gravemente contrária à dignidade da pessoa humana e ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador” (CIC 2324). 

UM FALSA SOLUÇÃO 

Professor titular de Bióetica na Universidade de São Paulo (USP) e membro há 20 anos da Pontifícia Academia para a Vida do Vaticano, Dalton Luiz Paula Ramos destaca que vem sendo difundida uma ideia mentirosa, especialmente pela mídia, de que a eutanásia e o suicídio assistido são sinônimos de “boa morte”. 

“A iminência da morte coloca a pessoa em uma situação de sofrimento, que pode ser físico, mental e social, neste último caso quando ela está abandonada, se sente sozinha ou que sua vida já não tem mais significado para os outros. Qualquer pessoa que esteja sofrendo sem alguma perspectiva irá pedir a morte, porque está em desespero. Assim, é preciso ir a fundo para entender onde está a origem do seu sofrimento, e o que temos de oferecer a essa pessoa de imediato não é a eutanásia, mas, sim, alternativas para a ‘boa morte’”, comentou ao O SÃO PAULO

“Quando se fala em ‘boa morte’, deve-se pensar no que pode ser feito para que essa pessoa, no tempo que lhe resta de vida, tenha dignidade, inclusive realizando os atos que considere imprescindíveis antes de morrer, como reencontrar um amigo ou parente que não vê há tempos, realizar algum gesto, ainda que pequeno, que considere importante. E, para nós católicos, em particular, receber os sacramentos”, complementa Ramos. 

A VERDADEIRA COMPAIXÃO COM QUEM SOFRE 

A carta Samaritanus bonus alerta que, muitas vezes, diante de um sofrimento tido como insuportável, há quem apresente a eutanásia como um gesto de compaixão com um doente: “É a chamada eutanásia ‘compassiva’. Assim, seria compassivo ajudar o paciente a morrer por meio da eutanásia ou do suicídio assistido. Na realidade, a compaixão humana não consiste em provocar a morte, mas em acolher o doente, em dar-lhe suporte nas dificuldades, em oferecer-lhe afeto, atenção e os meios para aliviar o sofrimento”. 

Ramos reforça que a verdadeira compaixão com quem sofre só é possível com um amplo leque de atenção. “É preciso o envolvimento de vários atores: a equipe médica, que oferecerá recursos para minimizar o sofrimento físico; a sociedade civil, com recursos para que a pessoa possa viver estes últimos momentos com dignidade; e a comunidade de fé, incluindo aquele que é o orientador espiritual, no caso dos católicos, o padre. Penso que houve essa ‘naturalização’ da prática da eutanásia porque na ausência de todo esse amparo, começa a parecer natural que a morte possa ser antecipada”, analisa. 

A BOA POLÍTICA RESGUARDA A VIDA 

Ramos enfatiza ser fundamental uma ampla atenção aos enfermos, incluindo a oferta de cuidados paliativos – que ajudam um paciente com enfermidade grave ou em estado terminal a se sentir melhor física, emocional e espiritualmente – quer na rede privada, quer no Sistema Único de Saúde (SUS). 

“Os cuidados paliativos são uma responsabilidade de todos: dos governos, da comunidade eclesial e, principalmente, da família. Quando há esse suporte, o pedido de eutanásia não vai acontecer”, destaca o professor de Bioética. 

Também na carta Samaritanus bonus se aponta que os cuidados paliativos “são a expressão mais autêntica da ação humana e cristã de cuidar, o símbolo tangível do compassivo ‘estar’ junto de quem sofre”. 

CULTURA DE MORTE E INTERESSES ECONÔMICOS 

Motivações de ordem financeira também ajudam a explicar os avanços da permissão da eutanásia e do suicídio assistido, conforme detalha Dalton Ramos: “Quando em um país se autoriza a eutanásia, isso significa que os recursos de saúde, principalmente os destinados para pacientes em terminalidade, que envolvem os cuidados paliativos e custos hospitalares, vão ser economizados. Isso ficou evidente nos Países Baixos, onde, desde que houve a autorização para a eutanásia, ocorreu redução significativa dos investimentos naquilo que chamamos de atenção terciária ou avançada de saúde”. 

No Brasil, tanto a prática da eutanásia quanto a do suicídio assistido são proibidas por lei, mas Ramos lembra que já há mobilizações políticas para alterar a legislação acerca do tema: “Devemos estar atentos a isso e agir. E como? Primeiro, é preciso entender e difundir qual é o verdadeiro conceito de boa morte, enfatizando que boa morte não é eutanásia. Também é fundamental lutar por políticas públicas em favor dos cuidados paliativos, ampliando os subsídios, quer no SUS, quer nos serviços particulares, para que haja mais serviços de cuidados paliativos”. 

O CRISTÃO SEMPRE DIZ SIM À VIDA 

No Magistério da Igreja, há a veemente condenação à prática da eutanásia. A constituição conciliar Gaudium es spes, de 1965, inclui a eutanásia e o suicídio assistido entre as coisas infames que violam a dignidade humana (cf. GS 27). 

Na encíclica Evangilium vitae, de 1995, São João Paulo II alerta que o homem tem se iludido com o suposto poder de se apropriar da vida e da morte, como ocorre com a eutanásia, sendo esta prática um dos traços de uma sociedade utilitarista: “Estamos aqui perante um dos sintomas mais alarmantes da ‘cultura da morte’ que avança sobretudo nas sociedades do bem-estar, caracterizadas por uma mentalidade eficientista que faz aparecer demasiadamente gravoso e insuportável o número crescente das pessoas idosas e debilitadas”. 

E o Papa Francisco recorrentemente tem se referido à eutanásia com um dos indicativos da “cultura do descarte” e de um falso protagonismo do homem sobre a própria vida. “A eutanásia e o suicídio assistido são uma derrota para todos. A resposta a que somos chamados é nunca abandonar aqueles que sofrem, não desistir, mas cuidar e amar para restaurar a esperança”, escreveu o Pontífice em um tuíte, em 2019. 

E como alerta a carta Samaritanus bonus, ao cristão não cabe qualquer complacência com a eutanásia: “Qualquer cooperação formal ou material imediata a um tal ato [eutanásia] é um pecado grave contra a vida humana (…) A eutanásia é um ato homicida que nenhum fim pode legitimar e que não tolera nenhuma forma de cumplicidade ou colaboração, ativa ou passiva. Aqueles que aprovam leis sobre a eutanásia e o suicídio assistido se tornam, portanto, cúmplices do grave pecado que outros realizarão” (SB). 

A ‘cultura da morte’ espalhada pelo mundo 

Sob a falsa retórica de ser algo benéfico, a abreviação da vida de uma pessoa de forma intencional e provocada – um dos sintomas da ‘cultura da morte’ que há décadas é denunciada pela Igreja – tem se tornado recorrente em diversos países e muitas das vezes autorizada por motivos banais, não atrelados à condição de saúde de uma pessoa. 

Atualmente, a eutanásia voluntária (quando uma equipe médica conduz o procedimento) é vigente nos Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo, Espanha, Austrália e Colômbia. O suicídio assistido (quando o paciente é orientado a se autoadministrar uma droga legal), por sua vez, é uma realidade na Suíça, Países Baixos, Bélgica, África do Sul, Canadá, Alemanha e em cinco estados norte-americanos (Oregon, Washington, Montana, Vermont e Califórnia). 

EM 16 ANOS, MORTES POR EUTANÁSIA CRESCERAM 225% NOS PAÍSES BAIXOS 

A experiência nos Países Baixos com a eutanásia explica um pouco do avanço desta prática da ‘cultura da morte’: primeiro, a eutanásia é descriminalizada para doenças incuráveis, depois para doenças crônicas com dor intratável, em seguida para doenças mentais, e agora já se estuda que seja permitida para pessoas saudáveis com mais de 70 anos de idade que a solicitem, e a crianças de 1 a 11 anos, cujos pais ou responsáveis poderão apresentar o pedido em nome de seus filhos. 

Estima-se que morram de eutanásia cerca de mil cidadãos dos Países Baixos por ano sem terem assinado previamente consentimento explícito para o procedimento, situação que gerou críticas ao governo neerlandês até por parte do Comitê dos Direitos Humanos das Nações Unidas. 

Neste país também se tornou comum a utilização da sedação terminal contínua, com a intenção de abreviar a vida de doentes, que é utilizada sem consentimento explícito e explica o grande aumento do número de mortes por sedação. 

Os Países Baixos foram a primeira nação europeia a legalizar e regulamentar a eutanásia, em 1º de abril de 2002. Desde aquele ano até 2018, a Regional Euthanasia Review Committees (RTE) informa que o número de mortes por eutanásia no país aumentou 225%. Isso se deve, também, ao fato de que, de uns anos para cá, a legislação tem se tornando cada vez mais abrangente e recentemente passou a permitir que jovens a partir dos 12 anos e pessoas com demência avançada ou Alzheimer tivessem acesso à morte assistida, mesmo que não possuam maturidade suficiente ou não sejam capazes de consentir, de maneira consciente, seu desejo de pôr fim à própria vida. 

Em declaração publicada no site da Conferência Episcopal dos Países Baixos, o Cardeal Willem Jacobus Eijk, Arcebispo de Utrecht, alertou para os riscos do aditivo à lei aprovado pelo Supremo Tribunal neerlandês há dois anos. “A decisão contribuirá para aumentar o número de casos de morte assistida”, ainda que esteja sendo verificado um crescente número de processos judiciais contra médicos, pelo fato de estes, muitas vezes, tomarem a decisão de pôr fim à vida de seus pacientes. 

BÉLGICA: UM CASO CLÁSSICO DA BANALIZAÇÃO DA VIDA 

Embora a eutanásia seja legal- mente permitida na Bélgica desde maio de 2002– o que fez com que a morte assistida aumentasse quase oito vezes no país –, há dois pontos extremamente polêmicos: desde 2014 não há limite mínimo de idade para que alguém a solicite, ao contrário do que ocorre nos Países Baixos, Suíça e Luxemburgo, nos quais se exige pelo menos 12 anos de idade; e outra questão, de caráter ético, é que o país permite a eutanásia para pessoas com problemas mentais, com deficiências físicas progressivas e idosos em situação de desespero, que se dizem “cansados de viver”, sendo que, em relação a esses públicos, há registros de que seus corpos são usados para a captação de órgãos. 

A Conferência Episcopal Belga se manifestou contrária à adoção da legislação que regula o assunto no país, pelo fato de se distorcer o sentido da vida humana e favorecer desvios em que a dignidade do ser humano só é reconhecida no caso dos não doentes e de quem não está em posição de fraqueza. 

Outra questão levantada pelos bispos belgas diz respeito às mudanças na prática médica associadas aos avanços na área da saúde, ou seja, pode acontecer que, diante de uma doença aparentemente sem precedentes ou que seja necessário um longo tratamento, a tendência seja direcionar o foco para a eutanásia em vez de lutar pela vida a todo custo. 

Nesse sentido e como um exemplo concreto, Willem Lemmens, professor de Filosofia moderna e ética na Universidade de Antuérpia, disse em relação aos pacientes com algum transtorno psíquico grave que “os psiquiatras que se opõem à aplicação ampla da lei são classificados de desumanos e de não ter empatia com formas insuportáveis de sofrimento. Portanto, o clima moral mudou drasticamente, pois a eutanásia é, para alguns, um ‘direito fundamental’ e a morte, uma ‘solução terapêutica’. A eutanásia é, por assim dizer, sacralizada, e toda crítica à prática é considerada desumana e, portanto, imoral”, testemunhou. 

DO TOTAL DE MORTES EM 2021 NO CANADÁ, MAIS DE 3% FORAM POR EUTANÁSIA 

A morte clinicamente assistida foi introduzida no Canadá por determinação da Justiça. Em 2015, a Suprema Corte do país decidiu que a proibição do suicídio assistido privava os canadenses de sua “dignidade e autonomia.” O Parlamento, então, teve um ano para redigir uma legislação sobre o tema. A lei de 2016 legalizou a morte assistida para canadenses com 18 anos ou mais com uma doença grave e irreversível, em que a morte era “razoavelmente prevista”. 

Naquele primeiro ano, pouco mais de mil pessoas se submeteram ao suicídio assistido, número que só vem crescendo. Em 2021, os números mais recentes disponíveis, houve 10.064 óbitos que se enquadram nessa legislação, representando 3,3% de todas as mortes no Canadá naquele ano. 

No fim de 2022, foi anunciado pelo governo a intenção de estender a legislação para que pessoas acometidas por doenças mentais fossem autorizadas a pedir a eutanásia a partir de 17 de março deste ano. No mês passado, o próprio governo emitiu uma legislação temporária que atrasa a decisão dessa elegibilidade em um ano, ou seja, até 17 de março de 2024. 

A expansão do programa seguiu uma decisão judicial depois que duas pessoas de Montreal com doenças degenerativas entraram na Justiça. Com isso, o Canadá ingressou numa lista restrita de países, como Bélgica e Países Baixos, que permitem o suicídio assistido para pessoas que não enfrentam uma doença terminal. 

Os bispos canadenses emitiram uma declaração contra a nova lei que amplia os casos em que a morte assistida é declarada legal. Dom Richard Gagnon, Arcebispo de Winnipeg, garantiu: “Nossa posição permanece inequívoca: a eutanásia e o suicídio assistido constituem o assassinato deliberado de vidas humanas e violam os mandamentos da Lei de Deus; eles corroem a dignidade compartilhada ao impedir a consideração, a aceitação e o acompanhamento daqueles que sofrem e morrem. Além disso, prejudicam nosso dever fundamental de cuidar dos membros mais fracos e vulneráveis da sociedade”. 

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Marcia
Marcia
1 ano atrás

Quais os políticos/partidos que mais apoiam o aborto e a eutanásia? Essa informação é importante.

Rosana
Rosana
1 ano atrás

Anonimo,
O “mundo de merda” só é assim, por pessoas com pensamentos iguais aos seus.
Ser “Cristão” é amar o próximo, pois Deus assim se manifesta. Procurar ver a beleza da vida, seja em qual momento for, é a missão que Ele quer de nós.
O “mundo de merda” só o deixará de ser, se mais pessoas realmente for Cristão.

anonimo
anonimo
1 ano atrás

O mundo é uma merda por causa dos humanos em geral e de gente idiota que nem vocês que não sabem nem interpretar texto. Pessoas como eu? Vocês dizem amar o proximo mas acham que é louvavel viver na bosta, sofrendo, enquanto a morte é vista como algo horrivel em qualquer caso, mesmo sendo algo natural assim como a vida. E novamente, nem todo mundo acredita na sua religião, segue seus ideais, então guarde esse “ele quer que nós”, pra vc! Se você discorda de tal coisa, não pode simplesmente tirar o direito da outra de utilizar de tal coisa individual.