No pódio olímpico, superação, medalhas e gratidão às famílias

Ítalo Ferreira, Rebeca Andrade, Bruno Fratus e Rayssa Leal. Quem ainda não os conhecia antes dos Jogos de Tóquio, agora, certamente, já sabe detalhes de suas vidas após as medalhas que conquistaram na olimpíada.

Além da excelência na prática das modalidades em que atuam, há algo a mais em comum entre eles: o suporte que receberam de suas famílias nos diferentes momentos da trajetória esportiva.

Rebeca Andrade com a medalha de ouro conquistada na prova dos saltos na ginástica artística (foto: Confederação Brasileira de Ginástica)

No documento “Dar o melhor de si”, sobre a perspectiva cristã para o esporte, do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, é ressaltado o indispensável papel dos pais e dos demais familiares para a boa formação dos atletas.

“Se não são diretamente os pais a ensinar como se lança a bola de beisebol, pelo menos são eles que inscrevem os seus filhos em uma equipe amadora, animando-os a participar de uma competição ou levando-os aos treinos e aos jogos. Estão muitas vezes entre o público a torcer pelo seu atleta em campo. Tudo isso são exemplos que nos mostram como o esporte, em muitos casos, pode ser uma fonte de relação entre pais e filhos. Esta ligação permite aos pais ensinar aos filhos as virtudes e os valores presentes no esporte”, consta em um dos trechos do documento.

Surfando com a tampa de isopor do pai

Ítalo Ferreira comemora o ouro conquistado no surfe em Tóquio (foto: arquivo pessoal do atleta)

Com a medalha de ouro no peito, Ítalo Ferreira, 27, não conteve o choro ao relembrar as dificuldades até chegar à glória olímpica. Nascido na pequena cidade de Baía Formosa (RN), ele começou a surfar aos 8 anos de idade, mas ganharia sua primeira prancha apenas aos 10 anos. Antes, ou ia para o mar com algum equipamento emprestado ou surfava em uma das tampas das caixas de isopor de seu pai, Luiz Ferreira de Souza, o Luizinho, conhecido vendedor de peixe na cidade.

Em uma das entrevistas após o título olímpico de Ítalo, Luizinho recordou o quanto ele e a esposa, Katiane, não mediram esforços para concretizar o sonho do filho: “Às vezes, ele não tinha dinheiro para pagar as inscrições e eu usava o dinheiro do peixe. Deixava de comprar o peixe, mas ele ia para o campeonato”.

Após ser campeão mundial de surfe em 2019, Ítalo, assim como fez após o ouro nos Jogos de Tóquio, expressou em um documentário produzido pela liga mundial de surfe, a WSL, sua gratidão aos pais. Neste mesmo vídeo, um testemunho de Luizinho comprova que mais do que ter um filho campeão, a família sempre procurou formar um ser humano rico em virtudes: “Respeite todo mundo. Saiba chegar, saiba sair, tenha amizade boa. Não dê as costas a quem o ajudou, não. Seja humilde, porque o campeão tem que ter humildade”.

Dinheiro até faltava, mas nunca força de vontade

Rebeca Andrade com a mãe, dona Rosa (foto: arquivo pessoal da atleta)

Ouro na prova dos saltos e prata no individual geral da ginástica artística, Rebeca Andrade, 22, entrou para a história do esporte brasileiro como a primeira mulher medalhista olímpica nessa modalidade.

Rebeca tem sete irmãos. A renda da família sempre proveio do trabalho da mãe, Rosa Rodrigues. Quando a menina se interessou pela ginástica, Rosa atuava como empregada doméstica. Não era raro faltar dinheiro para a família e não foram poucas as vezes em que Rebeca ia a pé de casa até o ginásio de treinos, em Guarulhos (SP), em um percurso de cerca de duas horas. Tempos depois, um de seus irmãos, Emerson Rodrigues, comprou uma bicicleta. Nos dias de treino, ele levava Rebeca, ainda que para isso não tivesse tempo para almoçar, pois ele não podia se atrasar para a entrada na escola.

Aos 9 anos, Rebeca foi convidada para treinar em Curitiba (PR), no principal centro de ginástica do Brasil. Dona Rosa consentiu que a filha partisse, mas jamais deixou de se comunicar com ela, especialmente nos momentos de maior dificuldade como nas lesões de 2014, 2017 e 2019, que obrigaram a atleta a fazer cirurgias.

“Mesmo morando longe, eu nunca me senti distante da senhora. Obrigada por me ensinar a crescer, a respeitar, a me defender, a ser corajosa, a ser uma pessoa gentil, por me apoiar, me incentivar sempre e por nunca me deixar desistir dos meus sonhos e objetivos. Obrigada por me ensinar a ver a alegria nas pequenas coisas e mostrar que pra ser feliz não precisa de muito. Nossa família é e sempre será a minha base pra tudo na vida!”, escreveu Rebeca, em uma rede social, no aniversário de dona Rosa.

Com os carinhos e os treinos da esposa

Bruno Fratus e a esposa Michelle Lenhardt (foto: arquivo pessoal do atleta)

Bruno Fratus chegou confiante à disputa da final dos 50m livre da natação nos Jogos Rio 2016. Quatro anos antes, em Londres 2012, ele fora o 4o colocado, perdendo a medalha de bronze por dois centésimos de segundo para outro nadador brasileiro, Cesar Cielo. A expectativa de pódio, porém, transformou-se em frustração ao concluir a prova na 6a posição no Rio de Janeiro. Ainda sob o impacto do resultado indesejado, Fratus deu uma resposta mal-educada em uma entrevista à beira da piscina e passou a ser criticado pela atitude e questionado em seu caráter, o que o fez perder patrocinadores.

“Dois meses depois do Rio, eu estava na pior depressão da minha vida, considerando sumir completamente da face da terra e até mesmo em suicídio”, recordou o nadador, após conquistar a medalha de bronze nos 50m livre nos Jogos de Tóquio, no sábado, 31 de julho.

“Fui salvo pelo amor dos meus pais, da Michelle e pela amizade do Brett”, disse o esportista de 32 anos, referindo-se à esposa Michelle Lenhardt, ex-nadadora que também é sua treinadora, junto com Brett Hawke, australiano e treinador, seu melhor amigo.

“Sou o atleta mais sortudo e mais abençoado da face da terra porque eu tenho pais que me incentivaram desde o primeiro momento da minha carreira e sou treinado pela minha esposa e pelo meu melhor amigo”, prosseguiu o atleta, recordando ainda o que lhe disse Michelle antes da final: “Permita-se ser feliz, independentemente do que aconteça hoje”.

‘Mágicas’ no skate, dedicação nos estudos

Rayssa Leal e a mãe Lilian, durante os Jogos Olímpicos em Tóquio (foto: Confederação Brasileira de Skate)

Como tem feito desde que Rayssa Leal começou a disputar competições de skate fora de sua cidade natal, Imperatriz (MA), Lilian Leal acompanhou cada passo da filha na conquista da medalha de prata no skate street na Olímpiada em Tóquio.

“Ter a minha mãe aqui foi a melhor coisa que aconteceu, por que ela está junto comigo me dando conselhos, me dando segurança”, afirmou a atleta de 13 anos, em uma das entrevistas antes da disputa olímpica.

A “Fadinha”, como também é conhecida, começou a praticar a modalidadeaos 6 anos de idade e tempos depois ganhou do pai, Haroldo Leal, um skate de presente. Seus vídeos fazendo manobras incríveis foram parar nas redes sociais e não demorou muito para que ela passasse a participar de disputas nacionais e internacionais. “Comecei a andar de skate com apoio dos meus pais, mas muitas pessoas, até mesmo outros parentes, quiseram me parar”, recordou.

Haroldo e a esposa sempre se preocupam em formar não apenas uma atleta vencedora. Os pais sempre avisam a escola com antecedência sobre o calendário de competições da atleta, para que provas e aulas sejam repostas se necessário, e permanentemente acompanham o desempenho da filha nos estudos.

Os testemunhos desses familiares de Ítalo, Bruno, Rayssa e Rebeca expressam concretamente uma recomendação do documento “Dar o melhor de si”: “Os pais têm a responsabilidade de mostrar a seus filhos que eles são amados por aquilo que são e não pelos seus êxitos, pelo seu aspecto ou pelas suas capacidades físicas”.

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