Frei Patrício: ‘Ou nós resgatamos o sentido sagrado da família ou teremos um mundo sempre mais desnorteado’ 

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Um dos maiores escritores sobre a espiritualidade dos santos carmelitas, Frei Patrício Sciadini, OCD, está em visita ao Brasil para o lançamento do livro “Santos Luís & Zélia Martin – Pais santos gerando santos”, publicado pelas editoras Angelus e Sagrada Família. Na obra, o Sacerdote carmelita fala a respeito do exemplo de santidade dos pais de Santa Teresinha do Menino Jesus, canonizados pelo Papa Francisco em 2015, durante o Sínodo sobre a Família, que teve como fruto a exortação apostólica Amoris laetitia

Religioso carmelita, nascido na Itália, Frei Patrício veio para o Brasil após sua ordenação sacerdotal e se naturalizou brasileiro. É autor de mais de 50 obras sobre o assunto. Pregador de retiros e formações para congregações e novas comunidades, desde 2010 vive no Egito, onde é Reitor da Basílica de Santa Teresinha, no Cairo. Em entrevista ao O SÃO PAULO, ele fala sobre a realidade dos cristãos no Egito e das motivações que o levaram a escrever sobre o santo casal. 

O SÃO PAULO – Como tem sido sua experiência no Egito? 

Frei Patrício Sciadini – Este país é maravilhoso, das pirâmides, da multiplicidade de ritos, da convivência com os muçulmanos. São muitos os motivos que abrem o nosso coração a uma visão universal e ecumênica. Tem sido uma experiência muito bonita de atenção às vocações, à vida comunitária. Lá, nós temos dois hospitais e uma creche. Eu nunca havia pensado em um dia trabalhar em um hospital. Depois, descobrimos que, com boa vontade, temos todos os dons para fazer tudo pelo Reino de Deus. 

Como é a presença dos cristãos nesse país? 

Devemos olhar o Egito como um dos berços onde o Cristianismo se desenvolveu. Toda a cultura dos chamados padres alexandrinos, como Orígenes e Cirilo, deu um rosto ao Cristianismo. Também a vida consagrada contemplativa começou no Egito, com Santo Antão. Depois, esse rosto foi se diluindo lentamente com a expansão islâmica, mas as raízes permanecem. Hoje, podemos dizer que há no Egito a presença de um Cristianismo pluricultural, por meio dos vários ritos (latino, caldeu, maronita, siríaco, copta, entre outros). Em uma população de 105 milhões de habitantes, 15 milhões são cristãos coptas ortodoxos, que não estão em plena comunhão com a Igreja de Roma. Já os coptas católicos, somados aos demais ritos em comunhão com Roma, totalizamos cerca de 250 mil almas. Portanto, uma minoria. Percebemos, contudo, que, pelo fato de sermos poucos, há maior preocupação em manter viva a nossa identidade, fidelidade para vivenciar e testemunhar publicamente a nossa fé. Atualmente, temos uma convivência pacífica com os muçulmanos, apesar das diferenças de crença, havendo, inclusive, obras sociais realizadas em conjunto. 

Inclusive, existe um costume próprio de os cristãos se identificarem no Egito, certo? 

Sim. No Egito, os cristãos, desde a infância, após o Batismo, costumam tatuar uma pequena cruz em um dos pulsos. Por exemplo, se pegam um táxi e, na conversa, um percebe que o outro é cristão, logo mostram o sinal e se reconhecem como irmãos no meio de um povo em que são minoria. Uma vez estando no Egito, eu também decidi fazer esse sinal, pois vivo no meio deles. Quando falamos em Igreja sinodal, de comunhão, participação e missão, isso também significa assumir os sinais que dizem muito para esse povo. 

Qual é a realidade das vocações no Egito? 

Quando eu cheguei, posso dizer que a realidade vocacional no Egito era um pouco abaixo de zero. Mas, recordando a ideia do Papa Emérito Bento XVI, reforçada recentemente pelo Papa Francisco, de que a evangelização se faz por atração e não por proselitismo, percebemos que isso também pode ser dito sobre a pastoral vocacional. Na medida em que nos tornamos conhecidos em um ambiente, alguns jovens se sentem atraídos por essa forma de vida. Na pastoral vocacional carmelitana, um “carro-chefe” é, sem dúvida, Santa Teresinha do Menino Jesus. Temos uma basílica muito bonita dedicada a ela, muito amada e admirada não só pelos cristãos como também por muçulmanos. Isso tem favorecido para que, lentamente, surjam vocações. É claro que não podemos pensar num grande número, mas o suficiente para continuarmos a nossa missão. No período em que estou no Egito, já tivemos quatro ordenações sacerdotais e, atualmente, há dois seminaristas estudantes de Filosofia, um estudando Teologia e mais dois que caminham para a experiência religiosa. 

O senhor está no Brasil para lançar um livro sobre os santos Luís e Zélia Martin. Qual a motivação para essa obra? 

Sou carmelita e, portanto, o Carmelo é minha família. Logo, os pais de Santa Teresinha, em certo sentido, também são meus pais. Hoje, creio que a pastoral das pastorais na Igreja é a familiar. Ou nós resgatamos o sentido sacral da família ou teremos um mundo sempre mais desnorteado. O Papa Francisco tem feito um belo trabalho por meio da [exortação apostólica] Amoris laetitia. É preciso redescobrir a família como pequena igreja. Eu escrevi este livro para que todos os pais saibam como Santa Teresinha e suas irmãs foram educadas por seus santos pais. 

Como o senhor descreve a vida desses santos? 

O bonito da vida de São Luís e Santa Zélia é ver como Deus preparou o encontro deles e, desse encontro, nasceu um caminho comum para a felicidade. É preciso reconhecer que ambos possuíam características e personalidades bastante diferentes, mas quando as pessoas se amam, todas as diferenças são superadas. O verdadeiro casal não deve ser o marido cópia da mulher e vice-versa. Cada um deve ter a sua personalidade. Depois, também notamos como, após a morte de Zélia, Luís assume sozinho a educação e o cuidado das filhas. Ele cultivou a vocação das filhas e nunca as impediu de responder ao chamado de Deus. Ele superou o egoísmo pessoal, ao contrário de muitos pais que pensam que geram os filhos para si mesmos. 

Que conselho o senhor dá aos pais para a transmissão da fé e dos valores cristãos aos filhos? 

Meu conselho é muito simples: o exemplo. Palavras voam, exemplos convencem. Os pais devem ser os primeiros a testemunhar a alegria da fé, de serem cristãos. Uma das coisas que mais me entristecem é quando vejo, nas primeiras comunhões, que os filhos comungam enquanto os pais não comungam nem se confessam. A primeira reflexão que o filho faz diante desse fato é que aquilo que está celebrando não é importante. É preciso que os pais reassumam a responsabilidade própria da maternidade e da paternidade. Obviamente, essa tarefa exige tempo, sacrifício, disponibilidade e uma série de outras exigências. 

E quanto aos pais que, apesar dos esforços, veem seus filhos seguirem por caminhos distantes da fé? 

Esses devem ler a parábola do “filho pródigo”. O filho foi embora, mas a porta do coração do pai ficou aberta. A semente semeada sempre fica e nunca se perde. Chegará o momento em que esse filho se dará conta e retornará porque crê que a porta estará aberta. O pecado ou estrada errada dos filhos não destroem a paternidade. Deus não nos renega porque somos os seus filhos. 

As opiniões expressas na seção “Com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO

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