Padre Leonir Mario Chiarello: A questão migratória requer uma resposta articulada entre Igreja, sociedade e governos

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Em visita canônica ao Brasil, o Superior-geral da Congregação dos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos), Padre Leonir Mario Chiarello, foi recebido em audiência pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, na Cúria Metropolitana, na sexta-feira, 9. Brasileiro, Padre Leonir foi eleito em outubro para ser o responsável pela congregação fundada em 1887 por São João Batista Scalabrini, canonizado pelo Papa Francisco em 9 de outubro. 

Em entrevista ao O SÃO PAULO, o Sacerdote falou sobre o trabalho da Congregação na assistência religiosa e social aos migrantes e destacou os principais desafios do fenômeno migratório. 

O SÃO PAULO – Qual foi o saldo da reunião de hoje com Dom Odilo? 
Padre Leonir Mario Chiarello – Em nossa missão como direção-geral, uma das tarefas é fazer a visita canônica às nossas missões, paróquias e casas de for- mação. Assim, em primeiro lugar, agradecemos a Dom Odilo a possibilidade de partilhar o nosso carisma e a nossa missão aqui na Igreja em São Paulo. Ao mesmo tempo, fizemos uma breve análise com os nossos coirmãos, da nossa presença nas três paróquias que temos aqui, na Casa do Migrante, no Centro de Acolhida, no Orfanato Cristóvão Colombo, o Instituto de Teologia de São Paulo (Itesp), o Centro de Comunicação e as várias atividades que realizamos, além de renovar o nosso compromisso de servir na Igreja local. Dom Odilo, de forma muito animada, agradeceu o nosso trabalho, diante da necessidade das migrações, e, em sintonia com o convite do Papa Francisco, convidou-nos a continuar o trabalho na Arquidiocese de São Paulo. 

Qual a avaliação que o senhor faz do trabalho dos scalabrinianos no Brasil? 
Nós estamos presentes em quase todos os estados do Brasil. São paróquias, centros de acolhida de migrantes, centros de formação, seminários, alguns orfanatos, escolas e centros de comunicação. Buscamos trabalhar na perspectiva que nos inspirou Scalabrini, numa forma articulada com a Igreja, com as associações da sociedade civil, com os governos e com os organismos internacionais. Há desafios sempre maiores, pois estão aumentando as migrações forçadas aqui no Brasil. Para citar dois exemplos: os afegãos e os venezuelanos, e poderíamos acrescentar os haitianos. Ao mesmo tempo, há uma resposta sempre mais articulada da nossa congregação com as igrejas locais, com as dioceses, com as organizações da sociedade civil, incluindo o setor privado e com os organismos de governo. 

Sobre os imigrantes afegãos, o que está sendo feito para atender o grupo que está no aeroporto de Guarulhos? 
Este foi um tema que tratamos com Dom Odilo. Estamos desde 2015 na área reservada do aeroporto, onde chegam os migrantes afegãos, trabalhando em conjunto com a Caritas Arquidiocesana de São Paulo e com outras instituições da sociedade civil. Este ano, acolhemos cerca de 408 afegãos na Missão Paz, e atualmente, são 25 que estão lá. Trabalhamos na acolhida, regularização migratória, e ajudando essas pessoas a se integrarem na sociedade ou continuarem a viagem deles, buscando respeitar o projeto de vida que tenham. 

Quais são as principais necessidades percebidas nos migrantes acolhidos no Brasil? 
Os maiores desafios que encontram os migrantes e refugiados quando chegam a outro país são, por um lado, os fatores que os expulsam dos próprios países, uma vez que são pessoas que fogem de situações de guerra, de conflito social ou de dificuldades econômicas. Há, ainda, o desafio do idioma e da comunicação, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, discriminação, sem contar as dificuldades relacionadas à regularização da documentação. 

O senhor pode falar um pouco da presença Scalabriniana no mundo? 
Atualmente, estamos em 34 países e trabalhamos no âmbito da evangelização, com paróquias, centros pastorais, missões; no âmbito social, com a casa de migrantes, centro para marinheiros; no âmbito de colaboração, com as igrejas locais e organismos eclesiais; no âmbito da comunicação, com meios de comunicação; e no âmbito de criar consciência e gerar conhecimento sobre o fenômeno das migrações, por meio de centros de estudos, e, também, com os institutos de formação de pessoas que trabalham nos centros de migração e no diálogo com os poderes públicos. Além desses 34 países, há bispos e conferências episcopais que pedem a nossa presença em outros países. Recentemente, abrimos novos trabalhos na Espanha e em Uganda. Fomos convidados para atuar na Índia e em outros países. A migração é um dos fenômenos que mais desafiam a agenda política, social e eclesial desses países. Como dizia São Paulo VI, a mobilidade das pessoas corresponde à mobilidade da Igreja. Também o Papa Francisco nos convida a que conjuguemos em primeira pessoa singular, em primeira pessoa plural, estes quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar. É isso que recebemos como convites de várias igrejas locais e pretendemos responder de forma adequada, segundo as nossas forças, com o nosso grupo de missionários em nível mundial. 

Qual é o diferencial do trabalho da congregação em relação aos tantos outros organismos civis de apoio aos migrantes? 
A resposta que buscamos aos desafios das migrações deve ser integral. O migrante que chega a outro país muitas vezes não conhece a língua, traz uma cultura, uma religião, e nós buscamos acompanhar o seu processo de inserção e integração, a partir de uma perspectiva de Igreja. Nós somos uma congregação religiosa, acompanhamos a dimensão humanitária, acompanhamos a dimensão da regularização, a dimensão econômica e política, tendo presente a dimensão religiosa, que é um elemento inerente à nossa dimensão humana. Portanto, nas nossas missões, o aspecto de evangelização é essencial, acompanhando a religiosidade, a fé e a forma de manifestar a própria fé dos vários grupos. No caso concreto, aqui em São Paulo, pelas celebrações com as comunidades bolivianas, paraguaias, argentinas, italianas, vemos nas nossas missões e paróquias que existem várias formas de expressar a mesma fé católica, com a riqueza de cada uma das nacionalidades que chegam à nossa Igreja local. 

O que representa para a Congregação a recente canonização de São João Batista Scalabrini? 
A canonização de Scalabrini representa, não só para nós scalabrinianos, mas para a Igreja, e para a sociedade, um convite a refletir a perspectiva pela qual ele interpretou as migrações e a elas respondeu. Scalabrini viveu no século XIX, quando houve uma grande emigração na Europa, nós nos lembramos do Papa Pio IX e Leão XIII com a Doutrina Social da Igreja, e Scalabrini vislumbrou, diante do fenômeno das migrações, um fenômeno estrutural das sociedades modernas, que seriam caracterizadas por grandes fluxos migratórios, por grandes migrações. E ele teve essa visão, constituindo os dois institutos: dos Padres Missionários de São Carlos e as Irmãs Missionárias de São Carlos, além de uma sociedade de leigos. Ele procurou a seu tempo, diante desse fenômeno estrutural, ter uma resposta estruturada entre a Igreja, a sociedade e os governos. Ao canonizá-lo, o Papa Francisco fortalece a mensagem de Scalabrini, para que a Igreja assuma cada vez mais a responsabilidade sobre as pessoas que vivem em migração. É um convite à sociedade, aos governos e organismos internacionais para trabalharem de forma articulada. Em outras palavras, Scalabrini é um santo profeta, que vislumbrou nas migrações um fenômeno da sociedade moderna, que requer uma resposta articulada entre Igreja, sociedade e governos. 

(Colaborou: Fernando Arthur) 

As opiniões expressas na seção “Com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO

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