Papa intensifica a reconciliação da Igreja com os indígenas e exorta os cristãos ao testemunho do amor 

Fotos: Vatican Media

Na 37º viagem apostólica internacional de seu pontificado, o Papa Francisco esteve no Canadá entre os dias 24 e 29 de julho para o que chamou de uma “peregrinação penitencial”, com vistas a fortalecer um caminho de cura e reconciliação da Igreja Católica com os nativos do país. 

Nos eventos públicos e encontros privados em Edmonton, Maskwacis, Quebec e Iqaluit, o Pontífice reiterou o pedido de desculpas pelo fato de a Igreja, no período colonial, apoiar políticas do governo canadense que levaram a abusos e crueldades contra as comunidades nativas, incluindo as escolas residenciais, algumas geridas por congregações e organismos da Igreja, para as quais eram enviadas as crianças indígenas retiradas de suas famílias. 

A viagem apostólica, entretanto, não foi apenas um olhar para os erros passa- dos, mas, também, um convite aos cristãos para, no presente e no futuro, valorizar a convivência harmoniosa entre gerações e anunciar o Evangelho a partir do testemunho de fé e coerência de vida. 

PEDIDO DE PERDÃO 

No encontro com os povos indígenas das Primeiras Nações, Métis e Inuítes, em Maskwacis, em 25 de julho, o Pontífice reiterou o propósito da viagem: “Chego às vossas terras nativas para vos exprimir, pessoalmente, o meu pesar, implorar de Deus o perdão, a cura e a reconciliação, manifestar-vos a minha proximidade, rezar convosco e por vós”. 

O Papa recordou os encontros anteriores que teve com delegações de indígenas canadenses no Vaticano e expressou seu perdão pelos erros passados dos cristãos: “Peço perdão pelas formas com que muitos cristãos, infelizmente, apoiaram a mentalidade colonizadora das potências que oprimiram os povos indígenas. Sinto pesar. Peço perdão, em particular pelas formas com que muitos membros da Igreja e das comunidades religiosas cooperaram, inclusive, por meio da indiferença, naqueles projetos de destruição cultural e assimilação forçada dos governos de então, que culminaram no sistema das escolas residenciais”. 

GRATIDÃO AOS AVÓS 

No Estádio Commonwealth, em Edmonton, cerca de 60 mil pessoas se reuniram, em 26 de julho, para a missa da Festa de São Joaquim e Sant’Ana, na data em que se recorda os avós, aqueles que “nos fizeram experimentar ser bem-vindos no mundo” e que também são fundamentais para a transmissão da fé: “Na casa dos avós, muitos de nós respiramos o perfume do Evangelho, a força de uma fé que tem o sabor de casa. Graças a eles, descobrimos uma fé familiar, doméstica”. “Os avós de quem descendemos, os idosos que sonharam, esperaram e se sacrificaram por nós, lançam-nos uma pergunta fundamental: Que sociedade quereis construir? Recebemos tanto das mãos de quem nos precedeu, o que queremos deixar em herança à nossa posteridade?”, indagou.


No mesmo dia, o Papa foi ao Lago de Santa Ana, onde anualmente milhares de peregrinos vão se banhar nas águas consideradas sagradas e milagrosas. Na liturgia da Palavra, Francisco comentou que as águas de Santa Ana recordam que “a fraternidade é verdadeira se une os distantes, que a mensagem de unidade que o Céu envia à terra não teme as diferenças e convida-nos à comunhão, a recomeçar juntos, porque todos somos peregrinos a caminho”. 

CONTRA AS MAZELAS DE ONTEM E DE HOJE 

Recepcionado por indígenas e autoridades civis, em 27 de julho, em Quebec, o Papa voltou a pedir perdão aos povos originários, e listou as mazelas que ao longo da história e atualmente afastam a humanidade da escuta de Deus e impedem o desenvolvimento humano integral, como o individualismo, as polarizações, a busca do lucro desmedido, a corrida armamentista e a disseminação do ódio. 

Ressaltou, ainda, que uma mentalidade colonizadora construída ao longo da história “não se cura facilmente” e que ainda hoje proliferam “colonizações ideológicas que afetam os valores dos povos”. Também pediu que se tenha atenção para que a cultura do cancelamento não prive os mais pobres de seus direitos. 

PASSAR DO FRACASSO À ESPERANÇA 

Na manhã da quinta-feira, 28 de julho, presidiu missa, com um rito próprio de reconciliação, no Santuário Nacional de Santa Ana de Beaupré, próximo à cidade de Quebec. 

Na homilia, refletindo sobre a passagem bíblica dos discípulos de Emaús, o Papa destacou que, na estrada cotidiana e de fé, por vezes há momentos de decepção que obrigam um redimensionar dos próprios anseios e a lidar com as fraquezas, derrotas e erros. Do mesmo modo a Igreja, algumas vezes, pode “vagar perdida e desiludida perante o escândalo do mal e a violência do Calvário”. 

Nessas ocasiões, enfatizou o Papa, é preciso evitar a tentação da fuga, ou seja, afastar-se da verdade dos fatos ou tentar removê-los – “não há nada pior, perante os fracassos da vida, do que fugir para não os enfrentar” – e confiar que Deus sempre está por perto e caminha junto, como fez com os discípulos de Emaús, com quem caminhou lado a lado, partiu o pão e abriu-lhes os olhos, e assim “ajuda-os a retomar o caminho com alegria, a recomeçar, passar do fracasso à esperança”. 

O TESTEMUNHO DO AMOR CONTRA O SECULARISMO 

Um dos momentos marcantes da viagem apostólica foi a celebração das vésperas na Catedral de Notre-Dame, em Quebec, na tarde da quinta-feira, quando o Papa se dirigiu de modo especial aos ministros ordenados, aos pertencentes à vida consagrada e aos leigos com responsabilidades pastorais na Igreja canadense. 

O Pontífice enfatizou que os bispos e padres devem cuidar do rebanho de fiéis com a mesma gerenosidade e solicitude de Jesus Cristo. 

A todos, alertou que o secularismo tem levado a humanidade a deixar Deus em último lugar na dinâmica das relações, e que os cristãos, ao discernirem sobre essa realidade, não devem se limitar a um olhar negativo – na defensiva, de ressentimentos e de “nostalgias inúteis” –mas, sim, ter “um olhar semelhante ao de Deus, que sabe distinguir o bem e é obstinado a procurá-lo, vê-lo e alimentá-lo”. 

Tal discernimento permitirá à Igreja compreender “as dificuldades que temos na transmissão da alegria da fé” e encontrar “uma nova paixão pela evangelização, procurar novas linguagens, mudar algumas prioridades pastorais, ir ao essencial”. 

O Pontífice lembrou, ainda, que, mais do que anunciar o Evangelho por palavras, é preciso fazê-lo “pelo testemunho transbordante de amor gratuito, como Deus faz conosco. É um anúncio que pede para se encarnar num estilo de vida pessoal e eclesial que possa fazer reacender o desejo do Senhor, infundir esperança, transmitir confiança e credibilidade”. 

Por fim, listou três desafios aos cristãos: tornar Jesus conhecido “nos desertos espirituais do nosso tempo, gerados pelo secularismo e pela indiferença”; fazer com que o anúncio do Evangelho seja credível, o que só é possível quando é acompanhado pelo testemunho de vida; e vivenciar a fraternidade entre aqueles que já estão na Igreja e com os que chegam, “para que toda pessoa que se aproxima da fé encontre uma comunidade acolhedora, que saiba ouvir e entrar em diálogo, promova uma boa qualidade das relações”. 

O EXEMPLO DE 3 MULHERES 

Em seu último dia em terras canadenses, na sexta-feira, 29 de julho, o Papa se reuniu no Arcebispado de Quebec, de forma reservada, com os membros da Companhia de Jesus. Depois, encontrou-se com uma delegação de indígenas e lembrou-lhes que foi ao Canadá como amigo, para encontrá-los, vê-los e ouvi-los; como irmão, “para descobrir pessoalmente os frutos bons e maus produzidos pelos membros da família católica local”; com espírito penitencial, “para vos manifestar o pesar que sinto no coração”; e como peregrino, “para propiciar mais passos em frente convosco e a vosso favor”. 

O Pontífice fez ainda menção a três mulheres que podem ajudar a tecer essa reconciliação: Santa Ana, “cuja ternura e proteção pude sentir ao venerá-la juntamente com um povo de Deus que reconhece e honra as avós”; a Virgem Maria, sempre peregrina no caminho entre o Céu e a terra “para cuidar de nós por causa de Deus e para nos conduzir pela mão ao seu Filho”; e Santa Catarina Tekakwitha (1656-1680), a primeira indígena norte-americana a ser canonizada pela Igreja, por sua “dedicação exemplar à oração e ao trabalho, bem como pela capacidade de suportar com paciência e mansidão tantas provações”. 

JOVENS, PARA O ALTO, PARA A LUZ E EM EQUIPE 

Antes do retorno ao Vaticano, o Pontífice esteve na tarde da sexta-feira, em Iqaluit, perto do círculo polar ártico. Na ocasião, teve encontro privado com alunos das ex-escolas residenciais e pediu-lhes perdão pelos fatos ali ocorridos até a década de 1970. 

Na sequência, na praça em frente a uma escola de ensino fundamental, o Papa enalteceu as famílias indígenas pelo hábito do respeito aos idosos, vivência fraterna e cuidado com o meio ambiente. 

E “como irmão idoso”, conforme referiu a si próprio, deu três conselhos aos mais jovens: caminhem para o alto – “rumo aos desejos mais verdadeiros e belos que abrigas no coração, rumo a Deus que deves amar e ao próximo que deves servir”; caminhem para a luz, vencendo a batalha diária contra as trevas – “o que é que se apresenta a mim reluzente e sedutor, mas depois deixa um grande vazio dentro de mim? Isto é treva! Ao contrário, o que é que me faz bem e deixa paz no coração, embora primeiro me peça para sair de certas comodidades e dominar certos instintos? Isto é luz!”; e trabalhem em equipe – “vós, jovens, sois como as estrelas do céu, que aqui brilham maravilhosamente: a sua beleza nasce do conjunto, das constelações que compõem e que dão luz e orientação nas noites do mundo”, comentou, lembrando que os jovens devem sempre acolher os idosos e com eles aprender. 

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