Papa no Canadá: a Igreja é casa de reconciliação

Francisco vai ao encontro dos indígenas e faz uma ‘peregrinação penitencial’ de 24 a 30 de julho

Vatican Media

A Igreja é “uma casa aberta e inclusiva”. É uma “casa de reconciliação”, disse o Papa Francisco, nos primeiros dias de sua viagem ao Canadá, que ocorre até 30 de julho. A visita apostólica é uma “peregrinação penitencial”, na definição do próprio Pontífice. O objetivo principal é ir ao encontro das comunidades indígenas, às quais Francisco se apresenta como amigo e a quem pede desculpas pelos erros históricos cometidos por cristãos no processo de colonização da América do Norte. 

Em encontro com líderes das populações indígenas e com membros da comunidade paroquial da Igreja do Sagrado Coração, em Edmonton, na segunda-feira, 25, ele recordou a passagem do Evangelho segundo São Mateus, que diz: “Tudo aquilo que vocês fizeram a um dos meus menores irmãos, é a mim que o fizeram” (Mt 25,40). Jesus está presente nos mais pequeninos, disse ele, e, por isso, também quando membros da Igreja pecam contra os peque- nos, estão ofendendo ao próprio Cristo. 

“É por causa do joio [misturado com o trigo] que eu quis fazer esta peregrinação penitencial, e a começo fazendo memória do mal sofrido pelas populações indígenas por causa de tantos cristãos, e pedindo-lhes perdão, com muita dor”, declarou o Papa Francisco. “Me dói pensar que católicos tenham contribuído com políticas de assimilação que adotavam um senso de inferioridade [dos indígenas], privando comunidades e pessoas de suas identidades culturais e espirituais, rompendo suas raízes e alimentando comportamentos de preconceito e discriminação, e que isso tenha sido feito também em nome de uma educação que se supunha cristã.” 

Em vez disso, a Igreja é “uma família dos filhos de Deus, em que a hospitalidade e a acolhida, valores que são típicos da cultura indígena, são essenciais: onde cada um deve se sentir bem-vindo, independentemente das situações passadas e das circunstâncias da vida individual”. 

COMPORTAMENTOS INCOMPATÍVEIS 

Francisco se refere a uma história antiga. Por décadas, as comunidades indígenas do Canadá vêm pedindo algum reconhecimento e compensação por tudo o que sofreram nos séculos de colonização europeia – período em que também organizações católicas participaram de políticas de Estado que não valorizavam os povos nativos. Entre elas, as chamadas “escolas residenciais”, uma evidência traumática mais recente que se prolongou por quase dois séculos, até os anos 1970. 

Nessas escolas, que funcionavam como internatos, meninos e meninas indígenas eram educados nos padrões ocidentais. Para isso, eram afastados de suas famílias indígenas, não tinham contato com os pais e perdiam também a ligação com a cultura tradicional. Boa parte das escolas era administrada por congregações ou grupos religiosos, financiados pelo Estado. Embora se tratasse de uma política pública, as escolas adotaram práticas que, hoje, o Papa Francisco reconhece como “comportamentos incompatíveis como o Evangelho”. 

Em editorial para o site Vatican News, o vaticanista Andrea Tornielli disse que, após rezar silenciosamente no cemitério das populações indígenas de Maskwacis, na Igreja de Nossa Senhora das Sete Dores, o Papa afirmou que o primeiro passo dessa peregrinação penitencial é “renovar com vocês o pedido de perdão e dizer, de todo o coração, que estou profundamente adolorado”. 

Sobre as escolas residenciais, o Papa Francisco admitiu que milhares de crianças, afastadas das famílias, sofreram “abusos físicos e verbais, psicológicos e espirituais”. Muitas acabaram morrendo por doença ou falta de higiene, observa o editorial, algo que, como disse o Papa, é “devastante e incompatível com o Evangelho”. 

A UNIÃO DÁ FRUTOS 

No ano passado, pesquisas arqueológicas organizadas pelos líderes indígenas identificaram valas comuns que teriam sido usadas para sepultar centenas de crianças sem identificação. Muitas delas eram tidas como desaparecidas. Aos poucos, inicia-se o processo de estudar melhor o fenômeno, procurar identificar os restos mortais e entender os motivos de terem sido depositados em valas comuns, e não em cemitérios normais. 

Tudo isso levou os bispos do Canadá e os governos atuais a unirem forças para promover a reconciliação e algumas medidas de mitigação dos traumas do passado. O Papa Francisco, em sua viagem, atende a um pedido da conferência dos bispos. 

“A educação deve partir sempre do respeito e da promoção dos talentos que já estão nas pessoas. Não é e não pode jamais ser algo de precondicionado a ser imposto”, disse o Papa. “Quero agradecer de modo especial pelo trabalho que têm feito os bispos. Uma conferência episcopal unida dá muitos frutos”, acrescentou. Nesses primeiros dois dias de viagem, Francisco beijou as mãos de mulheres e homens indígenas, encontrou pessoas que realizam trabalho pastoral com eles e se reuniu com autoridades do Canadá. 

PROXIMIDADE, TERNURA, SABEDORIA 

Na missa celebrada na terça-feira, 26, no estádio do Commonwealth, em Edmonton, o Santo Padre recordou os avós de Jesus, Sant’Ana e São Joaquim, e os associou à ideia de que todos nós temos origens, raízes, memórias que devem ser cuidadas e protegidas. 

“Não somos indivíduos isolados, não somos ilhas, ninguém vem ao mundo desligado dos outros. As nossas raízes, o amor que nos esperou e que recebemos vindo ao mundo, os ambientes familiares em que crescemos, fazem parte de uma história única, que nos precedeu e gerou. Nós não os escolhemos, mas recebemos em forma de dom. É um dom de que somos chamados a cuidar”, completou. 

Os avós são nossa ligação com a história, analisou o Pontífice, e é deles que aprendemos o que é bem, ternura e sabedoria. Joaquim e Ana recordam que os avós são a história viva e ajudam a “cuidar da história generativa, recordam a importância de valorizar os idosos e construir laços com as gerações mais jovens”, avaliou. 

Como ele havia dito um dia antes, em Maskwacis, é preciso “fazer memória”, inclusive dos erros do passado, que nos levam a melhorar e corrigir a rota. Aos indígenas, ele declarou: “Saibam que conheço os sofrimentos, os traumas e os desafios dos povos indígenas em todas as regiões deste país [o Canadá]. As minhas palavras, pronunciadas ao longo desse caminho penitencial, são direcionadas a todas as comunidades e pessoas nativas, que abraço de coração”, disse. 

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