Pastoral Carcerária completa 50 anos de anúncio da Boa-Nova nas prisões brasileiras

Divulgação

Neste ano, a Pastoral Carcerária celebra cinco décadas de assistência a pessoas encarceradas e às suas famílias, a partir de dois pilares: a evangelização e a promoção da dignidade humana dentro das prisões. 

Ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Pastoral está em todos os estados do País. “No trabalho de atendimento religioso às pessoas presas, os agentes pastorais promovem um serviço de escuta e acolhimento, anunciam a Boa-Nova, contribuem com o processo de iniciação à vida cristã e para a vivência dos sacramentos”, disse, ao O SÃO PAULO, a Irmã Petra Silvia Pfaller, coordenadora nacional da Pastoral Carcerária. 

“Os agentes atuam no enfrentamento das violações de direitos humanos e da dignidade humana que ocorrem dentro dos cárceres”, completou a Religiosa, que faz parte das Irmãs Missionárias de Cristo. 

Atualmente, mais de 900 mil pessoas estão encarceradas no Brasil, conforme os dados mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

EM AÇÃO DE GRAÇAS 

Por meio do amor ágape, aquele sem interesse, a Pastoral Carcerária fortalece o compromisso cristão de ser presença transformadora de Cristo e de sua Igreja nas prisões. 

Foto: Pastoral Carcerária

“É lá [no cárcere] que deveríamos dar o testemunho do ágape e levar a catequese”, enfatizou Dom Orlando Brandes, Arcebispo de Aparecida (SP), no domingo, 28 de agosto, na missa em ação de graças pelos 50 anos da Pastoral Carcerária, realizada no Santuário Nacional de Aparecida. 

Dom Orlando recordou que muitos agentes da Pastoral Carcerária faleceram durante a pandemia e fez um apelo para que outras pessoas ingressem nessa atividade de atenção aos encarcerados. “Lá também é uma porção da Igreja”, afirmou. 

Ao mencionar que José do Egito, Jesus, Pedro, Paulo e João Batista foram encarcerados, o Arcebispo indagou: “Como não se animar sem medo nenhum a fazer parte desta pastoral?”. 

CAMINHO PERCORRIDO 

Apesar de 2022 marcar o jubileu de ouro dessa Pastoral, o trabalho começou bem antes de 1972: “Há relatos de visitas às prisões por religiosos na década de 1960, e essas visitas deram corpo para a organização e a oficialização da Pastoral Carcerária”, contou Irmã Petra. “A data comemorativa (1972-2022) é de quando a Igreja no Brasil começou a institucionalizar a Pastoral Carcerária como pastoral social da CNBB”, detalhou. 

Irmã Petra explicou que as conferências do episcopado latino-americano de Medellín 1968 e de Puebla 1979 deram amparo para o surgimento da Pastoral Carcerária e de outras pastorais sociais, por serem o marco fundamental para a concretização do Concílio Vaticano II e levarem a reflexões prévias e posteriores vistas na exortação apostólica Evangelii nuntiandi. Publicada em 1975 por São Paulo VI, essa exortação destaca a centralidade da pessoa na evangelização, a defesa e promoção dos direitos humanos e a opção preferencial pelos pobres. 

Padre Alfonso Pastore foi o primeiro sacerdote a se empenhar pela criação da Pastoral Carcerária no Brasil, que surgiu com este nome devido ao trabalho desenvolvido na época por leigos da Arquidiocese de Vitória (ES). 

Em 1972, foi publicada a primeira Apostila de Formação da Pastoral Carcerária, elaborada pelo Padre Paulo Ruffier, jesuíta, a partir das visitas que ele fez à Casa de Detenção em São Paulo, em 1962. Já em 1973, no Rio de Janeiro, ocorreu o 1º Encontro Nacional da Pastoral Carcerária, que deu origem ao relatório da CNBB, “Documento de Estudos N° 4”, publicado no ano seguinte e que mostra o norte missionário dos agentes pastorais. 

EXPANSÃO 

Na década de 1990, a Pastoral Carcerária se firmou como organização nacional e internacional, sendo reconhecida como órgão de acompanhamento e monitoramento social dos presídios. 

“Foi com a coordenação do Padre Chico (Padre Robert Francis Reardon), iniciada em 1988, que se organizou a Pastoral em um nível nacional”, comentou Irmã Petra. 

Em 1997, com o tema “Fraternidade e os Encarcerados” e o lema “Cristo liberta de todas as prisões”, a Campanha da Fraternidade colocou o cárcere em pauta e impulsionou os trabalhos da Pastoral em todo o País, alguns em parceria com outros organismos da Igreja, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Pastoral da Mulher Marginalizada, entre outras. A Pastoral Carcerária também integra a Comissão Mundial de Pastoral Penitenciária Católica (ICCPPC). 

Mais recentemente, em 2016, a Pastoral lançou a Agenda Nacional pelo Desencarceramento. “Percebemos que não é possível apenas buscar a melhora das prisões, pois elas são em si uma máquina de moer pessoas. É necessário o fim das prisões”, ressaltou Irmã Petra. 

MULHERES ENCARCERADAS 

O sistema prisional do Brasil tem cerca de 49 mil mulheres encarceradas, segundo dados do CNJ. Em meados de 2016, eram 42 mil. 

“Temos uma coordenadora nacional para a questão da mulher presa, a Rosilda Ribeiro, assim como coordenadoras estaduais e grupos de trabalho que discutem especificamente a questão da mulher”, explicou Irmã Petra, ressaltando que o sistema prisional foi pensado para homens. 

“As mulheres têm necessidades diferentes dos homens. Sofrem muito mais com o abandono das famílias. As que são mães são separadas de seus filhos, a questão da saúde é muito mais grave, principalmente para as gestantes, entre muitas outras questões”, afirmou. 

A EVANGELIZAÇÃO NAS PRISÕES 

Érica da Silva e o marido, Anderson da Silva, ambos com 31 anos de idade, são agentes da Pastoral desde 2013, e visitam o Centro de Detenção Provisória de Pinheiros (CDP), em São Paulo. 

“Nossas visitas são concentradas aos fins de semana, no CDP II e III. Fazemos um exercício de amor semanal. Deixamos de almoçar com a nossa família solta para encontrar nossa família presa”, comentou Érica. 

Para ela, a atuação na Pastoral é um “presente de Deus”, pois esta “é uma pastoral que não exige nenhum tipo de dom especial. Apenas obediência ao mandamento mais importante que é amar o próximo como a si mesmo”. 

Érica aponta, porém, que a falta de agentes pastorais impede que se dê a devida atenção a todos os encarcerados. “O trabalho pastoral demanda uma frequência, para conseguirmos criar vínculo com a pessoa presa e estabelecer uma relação de confiança. Mas, mesmo indo toda semana, encontramos os mesmos presos apenas a cada 15 dias”, relatou. 

“Deixo o convite para que especialmente a juventude se anime a conhecer o nosso trabalho. Acredito que, ao conhecê-lo, é impossível não se apaixonar pelo que fazemos”, assegurou. 

DESAFIOS ATUAIS 

Para Irmã Petra, o fechamento cada vez maior do cárcere às visitas, algo que foi intensificado durante a pandemia, é um dos maiores desafios enfrentados pela Pastoral Carcerária e pelos familiares dos presos. 

A superlotação carcerária também é um fator de preocupação. “Isso traz consequências terríveis, com violações da dignidade humana em todas as dimensões: falta de água, comida, atendimento à saúde, atrasos nos andamentos processuais e falta de defensores públicos, já que a grande maioria das pessoas presas são pobres e dependem da Defensoria Pública”, relatou Irmã Petra. “Falta até espaço para dormir e um lugar decente para as necessidades pessoais em banheiros dignos!”, lamentou. 

Conheça mais sobre a Pastoral Carcerária: https://carceraria.org.br

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