São Paulo, um homem alcançado pela graça de Deus

Estátua do Apóstolo na entrada da basílica de São Paulo Fora dos Muros (Wikimedia Commons)

No dia 25, a Igreja celebra a festa da Conversão de São Paulo Apóstolo, patrono da Arquidiocese de São Paulo e um dos principais responsáveis pela expansão do Evangelho de Jesus Cristo pelo mundo pagão, o que o tornou conhecido como o Apóstolo dos Gentios.

As principais fontes para conhecer sua história são os textos do Novo Testamento, como o livro dos Atos dos Apóstolos e suas próprias cartas. Por meio desse material e outros relatos históricos da época, é possível conhecer um pouco da personalidade de São Paulo e do contexto em que ele viveu, o que ajuda a compreender por que esse Apóstolo é considerado uma das colunas da Igreja.

ORIGEM

Saulo nasceu entre os anos 5 e 10 da era cristã, na cidade de Tarso, na Cilícia Oriental. Judeu da diáspora, isto é, do grupo que morava fora de Israel, falava grego, apesar de ter um nome de origem latina, e possuía cidadania romana.

Na adolescência, por volta dos 12, 13 anos, Saulo deixou Tarso e se mudou para Jerusalém para ser educado pelo mestre Gamaliel, segundo as mais rígidas normas do farisaísmo, adquirindo um grande zelo pela Torá mosaica.

No fim dos estudos, retornou a Tarso, onde alternava os trabalhos na sinagoga e na fabricação de tendas. Alguns anos depois, quando retornou a Jerusalém, viu a popularização do movimento dos seguidores de Jesus de Nazaré, o qual considerava uma ameaça à identidade e tradição judaicas, tornando-o um perseguidor do Cristianismo. Chegou, inclusive, a testemunhar, sem objeção, o apedrejamento de Santo Estêvão, primeiro mártir cristão.

CONVERSÃO

Certa vez, quando estava a caminho de Damasco, na Síria, para perseguir cristãos, teve uma experiência mística, sendo envolvido por uma grande luz que o cegou e o fez cair por terra. Então, ele ouviu uma voz que identificou como sendo do próprio Cristo, que lhe indaga: “Saulo, por que me persegues?”.

Essa mesma voz o ordena que vá ao encontro de Ananias, em Damasco, que o batiza e impõe-lhe as mãos, e imediatamente recupera a visão. Assim, ele se converte ao Cristianismo e passa a adotar o seu nome romano, Paulo.

Em seguida, Paulo retirou-se para a região da Arábia por aproximadamente três anos. Os textos bíblicos não esclarecem o que ele fez ali, nem mesmo qual o lugar específico da Arábia em que ficou. Depois, Paulo retornou a Damasco, onde sua pregação provocou uma oposição tão grande que ele precisou fugir para salvar a própria vida. A partir daí, iniciou uma série de viagens, fundando comunidades e levando a mensagem de Cristo para diferentes povos.

TRANSFORMAÇÃO INTERIOR

O Sacerdote austríaco Josef Holzner dedicou boa parte de sua vida à pesquisa da vida e história de São Paulo, o que resultou no livro “Paulo de Tarso”, considerada a mais completa biografia do Apóstolo dos Gentios. Ao falar da conversão de Saulo, o autor ressalta que a maneira como se deu esta transformação e o estado emocional que a provocou são e continuarão a ser um mistério. No entanto, o biógrafo enfatiza que Saulo renasce igual a si mesmo, com as mesmas qualidades que sempre possuíra.

“[Paulo] não é um sonhador, não é um pálido Hamlet desprovido de ideias vigorosas, mas um homem de ação. ‘Senhor, que queres que eu faça?’”, afirma, sublinhando que as características e energias de sua personalidade, antes utilizadas para perseguir e destruir, após o encontro com Cristo são empregadas para “amparar, fertilizar e abençoar a humanidade”.

Holzner observa, ainda, que, quando uma alma é arrancada pela raiz às suas antigas condições de vida, quando lhe é infundido um novo princípio de vida, esse novo nascimento só pode se dar na dor e na penitência. “Nenhuma psicologia poderá explicar completamente como se efetuou a demolição e a nova edificação do mundo religioso de Saulo; nesses dias, o Apóstolo teve de submeter-se a um processo de reeducação em que o orgulho humano se despedaçou e o metal nobre se acrisolou, para com ele se forjar um ‘vaso de eleição’”, explica.

A FORÇA DA CRUZ

Como o próprio Apóstolo afirma em suas cartas, Paulo foi alcançado pela misericórdia de Deus (cf. Rm 9,16). A aparição de Cristo ressuscitado não foi somente a revelação externa de que Jesus era o Messias; mostrou-lhe também o erro em que estivera, a sua impotência moral e o seu extravio religioso, e permitiu-lhe compreender que Cristo é o Salvador dos pecadores, o Reconciliador que aproxima o homem de Deus pelo seu Sangue (cf. Ef 2,13). “A Cruz torna-se agora sinal de salvação, o escândalo transforma-se em ‘força divina’, a lamentável derrota no mais significativo ato de obediência, do qual nasce a glória definitiva”, reforça o biógrafo.

A identificação com a cruz de Cristo é uma característica forte da vida de São Paulo. Tanto que ele afirma: “Estou pregado à cruz de Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu: é Cristo que vive em mim” (Gl 2,19-20). Também revela suas fragilidades e fraquezas, quando escreve que não se gloria de si mesmo e lhe foi fincado um “espinho na carne”. “Três vezes roguei ao Senhor que o apartasse de mim. Mas Ele me disse: basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força” (2Cor 12,8-9).

Não é possível dizer com exatidão quanto tempo foi necessário para que Paulo alcançasse um profundo conhecimento de Cristo. Mas, por meio de seus textos, é possível perceber que, com o passar dos anos, a ideia que ele tinha de Cristo se tornou mais rica, até atingir a plenitude de visão própria do homem maduro (cf. Ef 4,14), tendo como meta a configuração com Cristo (cf. Gl 4,19).

MARTÍRIO

São Paulo foi martirizado em Roma entre os anos 67 e 68. Após o incêndio na capital do império, em 64, cuja responsabilidade recaiu sobre os cristãos, o Apóstolo foi preso e levado para os arredores de Roma. Após ser condenado à morte por Nero, morreu decapitado. Segundo a tradição, ele foi martirizado na Via Laurentina; e seu corpo, sepultado fora dos muros da cidade de Roma, onde foi erguida a Basílica a ele dedicada.

Paulo encarou a morte como “o último inimigo” a defrontar. Porém, o Apóstolo não recuou, pois já havia dirigido toda a sua vida para Cristo. “Agora, despojado dos últimos restos da sua personalidade antiga, jaz na noite escura da sua masmorra e a sua alma reflete como um espelho límpido a imagem do Crucificado. A oferenda sagrada e litúrgica da sua carreira apostólica ganhava agora o seu último e supremo significado”, escreve Holzner.

A inscrição gravada em um dos altares da Basílica de São Paulo Fora dos Muros resume com as próprias palavras de Paulo a natureza e o segredo do Apóstolo dos Gentios: “Para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Fl 1,21).

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