Sínodo sobre a sinodalidade avança para a etapa continental

Nesta fase de escuta, espera-se que brotem ainda mais as riquezas e preocupações de cada realidade, e que se superem as resistências ao processo sinodal

“O Sínodo vai em frente.” Assim começa o documento de trabalho da etapa continental do Sínodo sobre a sinodalidade, que está atualmente em curso na Igreja e é a maior iniciativa de consulta e participação dos fiéis católicos na história da Igreja. O texto, divulgado na quinta-feira, 27 de outubro, pela Secretaria Geral do Sínodo, resume algumas das questões que mais preocupam os católicos hoje, em diferentes partes do mundo.

Um ano após a abertura deste Sínodo, convocado pelo Papa Francisco em 2021, “podemos afirmar com entusiasmo” que o caminho continua – diz o documento de trabalho, que orientará as próximas etapas do processo, as assembleias em nível continental, organizadas na África, América do Norte, América do Sul, Europa, Ásia, Oriente Médio e Oceania. Algumas delas, que congregam representantes das igrejas de cada país nas regiões, já têm data marcada para fe- vereiro e março de 2023.

Após uma ampla consulta em âmbito paroquial, comunitário e diocesano sobre os desafios e oportunidades que a Igreja encara hoje, 112 conferências dos bispos, assim como 15 igrejas orientais e 17 dicastérios do Vaticano, congregações religiosas, associações e grupos independentes enviaram suas contribuições à Secretaria Geral. Essas sínteses foram lidas e organizadas por ela, que redigiu o documento de trabalho divulgado agora.

De acordo com a Secretaria, a participação, até aqui, “superou todas as expectativas”. Os participantes apresentaram, segundo o documento, “esperanças e preocupações”. As grandes perguntas que buscaram responder foram: “Como se realiza hoje, em diferentes níveis (daquele local àquele universal), aquele ‘caminhar juntos’ que permite à Igreja anunciar o Evangelho, conforme a missão que lhe foi confiada? E quais passos o Espírito nos convida a dar para crescer como Igreja sinodal?”.

MATURAÇÃO E COMPREENSÃO

A fase atual do Sínodo ainda é de “escuta”. Em 2023 e 2024, membros da Igreja em todo o mundo virão a Roma para a fase de “discernimento”, na qual refletirão, dialogarão e apresentarão propostas. Duas semanas atrás, o Papa Francisco decidiu estender por mais um ano o atual Sínodo, que estava previsto para terminar em 2023 e, agora, será concluído em outubro de 2024. “Espero que esta decisão favoreça a compreensão da sinodalidade como dimensão constitutiva da Igreja”, disse ele, no dia 16 de outubro, defendendo dar tempo para uma “plena maturação” do processo.

O documento de trabalho reconhece que em algumas realidades eclesiais há “resistência” ou “passividade” no processo sinodal. Durante a coletiva de imprensa em que se apresentou o documento de trabalho, O SÃO PAULO questionou as autoridades da Secretaria sobre o que se pode esperar, daqui por diante, para promover a maturação e compreensão – ou uma conversão sinodal – desejada pelo Papa Francisco.

Em resposta, o padre jesuíta Giacomo Costa, consultor da Secretaria, disse que é preciso tomar tempo para fazer crescer uma Igreja sinodal. “Não é uma coisa que se constrói em uma reunião. O documento permite compreender que a expressão ‘estilo sinodal’ já se conecta com muitas experiências práticas. Muitos já começam a sair de uma perspectiva ideológica, da noção de ‘conservadores e progressistas’, e começam a escutar, fazer estrada com os outros”, afirmou.

“Já não querem homogeneizar a todos, mas envolver a todos no caminho. Temos que ir em frente nesse processo de escuta e identificar o que há de precioso na contribuição de cada um. Mesmo os que erram têm algo a dizer, a contribuir.” Espera-se que a etapa continental do Sínodo permita fazer brotar ainda mais “as riquezas e preocupações de cada realidade”, acrescentou.

Ainda em resposta à reportagem, o Cardeal Mario Grech, Secretário-geral do Sínodo, disse que, no início do processo, algumas conferências episcopais declararam ter enfrentado resistência por parte dos fiéis, mas que isso foi superado. “Muitos não tinham entendido do que se tratava, mas lentamente conseguiram esclarecer o que é o estilo da sinodalidade. Espero que esta primeira etapa ajude a todos – ninguém excluído. De todos, o Espírito Santo pode comunicar algo à Igreja”, disse. Ele pediu que até mesmo os que não estão convencidos pela sinodalidade “deem um passo avante e venham caminhar juntos”.

TEMAS CENTRAIS

“Alarga o espaço da tua tenda” (Is 54,2). Essa referência bíblica foi usada no documento de trabalho para se referir à proposta de uma Igreja aberta a todos. A imagem da tenda faz pensar em um teto que, ao mesmo tempo, tem bases firmes, equilibradas em seus fundamentos, mas também um corpo flexível, capaz de acolher a muitos e resistir às instabilidades do tempo. Essa metáfora trata de “uma morada ampla, mas não homogênea, capaz de dar abrigo a todos, mas aberta, que deixa entrar e sair (cf. Jo 10,9), e em movimento para o abraço com o Pai e com todos os outros membros da humanidade”, diz o documento.

“Quem é convidado para a tenda?”, indagou o Cardeal Jean-Claude Hollerich, Arcebispo de Luxemburgo e Relator-geral da próxima assembleia do Sínodo. “Todo o povo. Mas nossos comportamentos nem sempre refletem o amor acolhedor de Deus. Precisamos aprender a olhar para todas as pes- soas como alguém amado por Deus”, complementou.

O documento, que não é ainda o resultado do Sínodo, mas um relatório desta etapa, fala sobre a necessidade de se promover uma Igreja missionária, com “hospitalidade profunda, segundo os ensinamentos de Jesus”. Coloca a “opção pelos jovens” e a defesa da vida como pontos essenciais para a ação da Igreja, bem como a sua celebração litúrgica, a ser valorizada tanto em forma quanto em conteúdo.

No geral, fala-se de uma Igreja que precisa ir ao encontro dos que se sentem fora. Diz o texto: “Entre os grupos excluídos mencionados mais frequentemente: os mais pobres, os idosos sozinhos, os povos indígenas, os migrantes sem nenhum pertencimento e que vivem uma existência precária, as crianças da rua, os alcoolizados e os drogados, aqueles que caíram nas redes da criminalidade e aqueles para quem a prostituição representa a única possibilidade de sobrevivência, as vítimas do tráfico humano, os sobreviventes dos abusos (na Igreja e não só), os presos, os grupos que sofrem discriminação e violência por causa da raça, da etnia, do gênero, da cultura e da sexualidade. Nas sínteses, todos estes aparecem como pessoas com rosto e nome, que pedem solidariedade, diálogo, acompanhamento e acolhimento”.

Segundo a teóloga Anna Rowlands, professora na Universidade de Durham (Reino Unido), que participou da comissão de redação do documento, a presença e a participação das mulheres na Igreja surgiu como questão transversal urgente, que precisará ser aprofundada nas próximas etapas. “É um dos temas mais importantes das sínteses”, disse. “Mas os relatórios mostram renovada confiança na Igreja e na sua capacidade de trazer Cristo para o mundo”, acrescentou.

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