Um caminho ‘catecumenal’ para o Matrimônio?

Papa Francisco exorta à necessidade de um itinerário para que os casais reavivem a sua consciência cristã sobre a união matrimonial

(Foto:Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Na exortação apostólica Amoris laetitia, o Papa Francisco salienta que “o dom recíproco constitutivo do Matrimônio sacramental está enraizado na graça do Batismo, que estabelece a aliança fundamental de cada pessoa com Cristo na Igreja”.

O documento também reserva uma parte significativa para falar da preparação dos noivos ao Matrimônio, enfatizando uma preocupação manifestada pelos bispos do mundo inteiro sobre o fato de que muitas uniões que chegaram ao fim têm em sua raiz, além das fragilidades humanas, a falta de uma consciência profunda a respeito da beleza e do significado desse sacramento.

Em 2018, ao discursar aos membros do Tribunal da Rota Romana, o Santo Padre falou sobre a necessidade de um “catecumenato matrimonial”, visto como itinerário indispensável para que jovens e casais revivam a sua consciência cristã amparada pela graça dos dois sacramentos: Batismo e Matrimônio.

E o que seria esse catecumenato matrimonial do qual o Papa fala? Antes, é preciso entender o que é o catecumenato, isto é, o itinerário de preparação para os sacramentos da Iniciação Cristã (Batismo, Eucaristia e Confirmação) predominante na Igreja primitiva e que, após o Concílio Vaticano II, tem sido retomado gradualmente não apenas na preparação a esses sacramentos, como também para a formação daqueles que, embora batizados, precisam de um aprofundamento na compreensão e vivência da fé cristã.

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Conhecer o rito

Esse processo de formação catecumenal é marcado por três elementos fundamentais: a catequese oral, isto é, a transmissão dos conteúdos doutrinais e da própria Palavra de Deus; a vivência e compreensão dos ritos e símbolos sacramentais; e a criação de um vínculo de pertença à comunidade cristã.

Partindo desse pressuposto, propõe-se que o caminho de preparação aos que desejam se casar na Igreja seja percorrido por etapas semelhantes ao catecumenato para a Iniciação Cristã, com ênfase para a dimensão ritual do sacramento.

Uma vez que a Igreja ensina que os noivos são os ministros do sacramento do Matrimônio – enquanto o sacerdote ou diácono são testemunhas qualificadas da Igreja que reconhecem a legitimidade da união –, entende-se que esses ministros precisam ter o máximo de compreensão possível do rito que celebram para que possam acolher com maior clareza a graça sacramental do compromisso firmado diante do altar.

Padre Thiago Faccini Paro, Mestre em Teologia e Assessor do Setor de Espaço Litúrgico da Comissão Episcopal Pastoral para Liturgia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), autor de diversos livros sobre liturgia e iniciação à vida cristã, explicou ao O SÃO PAULO que, como nos demais sacramentos, o ritual do Matrimônio contém em suas orações, gestos e símbolos os elementos essenciais da Teologia desse sacramento.

“Basta observarmos a oração de bênção nupcial, o próprio consentimento e as perguntas feitas pelo sacerdote aos noivos. É possível compreender o significado do ato que está sendo realizado e do mistério que ele significa”, ressaltou Padre Thiago, acrescentando que uma liturgia bem celebrada é capaz de iniciar as pessoas que dela participam no mistério da fé.

Etapas

Além do próprio rito, o catecumenato também inspira a preparação dos noivos nas etapas anteriores à celebração do sacramento. “Desde a infância, na catequese, ao abordar o tema da família, ou quando os jovens começam a namorar, promovendo encontros para os namorados: tudo isso é preparação para o Matrimônio”, sublinhou o Teólogo.

Assim como no catecumenato para o Batismo existe um rito de admissão, o Matrimônio também possui um rito que marca o início da preparação próxima a esse sacramento: o noivado. Tanto que, no Ritual de Matrimônio, há também um rito de bênção de noivado, que, conforme é previsto, pode ser celebrado no âmbito familiar, sendo ministrado, inclusive, por um dos pais, por ministros leigos e, quando possível, por um sacerdote ou diácono.

Uma vez firmado esse compromisso, pode-se iniciar um caminho de preparação por meio de encontros conduzidos por casais da comunidade, agentes da Pastoral Familiar e outros grupos, que assumem papel semelhante ao dos instrutores previstos no catecumenato. Nesses encontros, além da abordagem de aspectos doutrinais, também podem ser tratados temas relacionados à vida conjugal.

(Foto:Luciney Martins/O SÃO PAULO)

Preparação próxima

A publicação dos proclamas, documentos que fazem parte do processo matrimonial, anuncia para a comunidade que dois de seus membros presentes se unirão em Matrimônio. Padre Thiago destacou que esse ato jurídico também tem um valor simbólico que pode ser comparado ao rito de eleição do catecumenato. A partir daí, começa a preparação mais próxima ao sacramento, que pode culminar, por exemplo, com um retiro espiritual dos noivos.

Nesse sentido, o Assessor da CNBB enfatizou que as paróquias podem constituir equipes de celebração que ajudem os noivos na preparação da liturgia do sacramento, explicando-lhes o sentido do rito, a importância da escolha de músicas que correspondam ao sacramento celebrado. Padre Thiago, contudo, reconhece que a constituição dessas equipes não é algo simples e possível a todas as comunidades. Por isso, ele incentiva os padres a darem a catequese sobre o ritual do Matrimônio com os noivos e, quando possível, dialogarem com os profissionais que geralmente são contratados pelo casal para assessorá-los no dia do casamento.

Comunidade

O Teólogo salientou, porém, que as equipes paroquiais de celebração, assim como os catequistas, instrutores e casais acompanhantes dos noivos se distinguem desses profissionais, uma vez que têm uma missão que vai além da ação litúrgica do casamento, pois criam vínculos com os noivos e os inserem na vida da comunidade, alimentando neles o sentido de pertença eclesial que pode continuar após o casamento, como também acontece no catecumenato.

Nos últimos anos, a Pastoral Familiar Nacional tem investido em subsídios do Setor Pré-Matrimonial, com propostas de encontros de adolescentes e jovens, namorados, noivos. A esse respeito, Padre Thiago reitera que, mais do que estruturas, é importante criar consciência de que a preparação das novas famílias é uma responsabilidade de toda a comunidade, pois a Igreja é uma comunidade de fé que se compromete com a vida daqueles que decidem constituir uma família diante de Deus e, assim, colaborar com sua missão na sociedade.

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