Bompar é premiado por iniciativa de atendimento à população em situação de rua na pandemia

Instituição católica recebeu o prêmio Empreendedor Social 2020 pelas ações do projeto #SeparadosSomosMaisFortes

Fotos: Bompar

Daisy vivia nas ruas do Centro de São Paulo. Tinha comportamento agressivo e um forte odor, por causa de um problema urinário. Após várias tentativas de ser atendida em Unidades Básicas de Saúde (UBSs), sem sucesso, ela não confiava em mais ninguém. Por meio do Consultório na Rua, um dos agentes de saúde conseguiu, após meses de insistência, conversar com ela. Porém, quando chegava às unidades de saúde, Daisy tirava toda a roupa, porque as pessoas torciam o nariz por causa de seu cheiro forte. Geralmente, a polícia era chamada e ela não conseguia ser atendida. Após repetidas tentativas, e com a intermediação do Consultório na Rua, foi finalmente atendida e descobriu que precisava fazer uma cirurgia.

Antes de viver nas ruas, Daisy era funcionária pública. Trabalhava como educadora numa creche. Foi exonerada após uma depressão pós-parto. Sua bebê chorava muito. Após denúncias dos vizinhos, perdeu a guarda da criança. Foi morar na rua, na esperança de encontrar a filha, algo que aconteceu após a cirurgia. Daisy, então, deixou as ruas e teve a vida transformada.

A história, que aconteceu em 2004, foi contada à reportagem do O SÃO PAULO por Marta Regina Marques Akiyama, 51, coordenadora do Consultório na Rua, assistente social e terapeuta sistêmica de família e casal.

“Casos como o da Daisy nos ajudaram a perceber que precisávamos de um serviço de saúde especializado para as pessoas em situação de rua, pois essa população é muito heterogênea”, disse Marta, que atua no Consultório na Rua desde 2004, quando ainda era um projeto-piloto. A iniciativa hoje conta com 25 equipes multidisciplinares que realizam atendimento médico preventivo e cuidados básicos à população de rua no município de São Paulo.

São atendidas de 1,6 mil a 1,9 mil pessoas diariamente, das 7h às 22h, e acontecem cerca de 16 mil encaminhamentos mensais para equipamentos de saúde.

Prêmio

Diante da necessidade de dar às pessoas em situação de rua atendimento e assistência na atual pandemia, surgiu o projeto #SeparadosSomosMaisFortes. Com o isolamento social e o fechamento dos comércios e restaurantes, muitas dessas pessoas ficaram sem receber doações de alimentos e até mesmo água. Por isso, a equipe do Consultório na Rua decidiu que era necessário mobilizar as pessoas para que chegasse à população da rua não só alimentos e água, mas também itens de higiene, álcool e máscaras.

A campanha ganhou força nas mídias sociais, gerando uma grande rede de solidariedade. “O nome do projeto surgiu diante da necessidade do isolamento social, unido à necessidade de união para que fossem conseguidas as doações necessárias”, explicou Marta.

O Consultório na Rua, bem como o projeto #SeparadosSomosMaisFortes, é gerido pelo Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto (Bompar) em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde.

O projeto foi reconhecido com o prêmio “Empreendedor Social do Ano 2020 – em resposta à COVID-19”, por ter colaborado para evitar a propagação do contágio do novo coronavírus entre as pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo.

O prêmio Empreendedor Social tem patrocínio da Ambev, Sesi/Senai, Coca-Cola Brasil e apoio da Vedacit; e conta com parceria estratégica de Ashoka, British Council, ESPM, Fundação Dom Cabral, Prosas, Pacto Global e UOL.

História

Marta recordou que o Grito dos Excluídos de 2003 foi o motivador da criação do Consultório na Rua: “A população em situação de rua participou do evento, explicitando a dificuldade em acessar as unidades básicas de saúde devido às condições de suas vestes, odores e, muitas vezes, por estarem alcoolizados”.

Com esse grito e a união da Pastoral do Povo da Rua, coordenada pelo Padre Júlio Lancellotti, com o apoio de toda a Arquidiocese de São Paulo, a necessidade da criação do Consultório ficou cada vez mais evidente, e sua viabilização se deu por meio do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, em convênio com a Secretaria Municipal da Saúde.

Além do atendimento à população de rua, o objetivo do Consultório é fazer com que os agentes, vindos da rua, desenvolvam um projeto de vida. “Por meio de encontros, dinâmicas e um trabalho de resgate dos sonhos, muitos deles cursaram Enfermagem ou faculdades ligadas às áreas da Saúde e hoje atuam como profissionais”, explicou Marta.

“Trabalhar com a população de rua foi sempre uma alegria para mim. Isso fez com que eu pensasse em muitos projetos alternativos, como ‘Toda mulher é uma diva’, ‘Renda na rua’ ou mesmo o campeonato de futebol. É importante quebrar os preconceitos para que empresários e comerciantes possam, sempre mais, cooperar conosco”, continuou.

Solidariedade

Formado por médicos, enfermeiros, agentes sociais, auxiliares, psicólogos, assistentes sociais e um motorista, o projeto Consultório na Rua é coordenado pelo Bom Parto, que faz todo o acompanhamento institucional, bem como o acompanhamento individual dos membros das equipes.

Diante da constatação, pela Prefeitura de São Paulo, em 2020, que a população em situação de rua na cidade era próxima a 25 mil pessoas, houve, já no início daquele ano, a expansão no atendimento, o que auxiliou no momento da pandemia.

“A pandemia nos ajudou a pensar novas possibilidades para continuar trabalhando. Por isso, em São Paulo, tivemos 32 mortes por COVID-19 da população em situação de rua, sendo que nenhuma delas morreu na rua, mas foram assistidas nos hospitais”, explicou Marta.

Com o lançamento do projeto #SeparadosSomosMaisFortes, foi possível conseguir máscaras, produtos de higiene, alimentos e roupas por meio de parcerias com as empresas e doações. Foram mais de 40 mil peças de roupa, água e kits de higiene.

“Em 16 anos, eu não tinha visto uma mobilização tão grande em prol da população em situação de rua. Os uniformes dos Correios, por exemplo, foram lavados e transformados em 10 mil máscaras, isso sem contar os restaurantes que doaram alimentos e refeições. A vaquinha on-line arrecadou R$ 120 mil, transformados em kits de higiene”, disse Marta.

De março a outubro, foram 135.937 avaliações para identificar casos de COVID-19. Destes, 898 se apresentaram sintomáticos, com 318 confirmados.

Durante a pandemia, foram mais de 200 mil atendimentos. Cada pessoa foi atendida cerca de seis vezes pelas equipes espalhadas pela cidade, o que evitou a contaminação em massa dessa população.

Sobre o Bompar

O Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto (Bompar) foi fundado em 1946, quando um grupo de senhoras católicas que frequentava a Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto, no Tatuapé, na zona Leste, iniciou ações de formação e capacitação profissional a mulheres, visando à geração de renda. Com a chegada de Dom Luciano Mendes de Almeida à Arquidiocese de São Paulo na década de 1970, como Bispo Auxiliar na Região Episcopal Belém, foram criadas várias comunidades de atendimento a crianças e adolescentes. Hoje, em suas 54 unidades, o Bompar atende aproximadamente 10 mil pessoas, incluindo crianças, adolescentes, jovens e suas respectivas famílias, além de adultos em situação de rua e idosos.


#SEPARADOSSOMOSMAISFORTES
219 mil pessoas atendidas
R$ 136 mil em recursos mobilizados
131 mil abordagens na rua
25.700 refeições entregues
16.348 máscaras doadas
17.293 kits de higiene
1.028 encaminhamentos
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