No programa ‘Roda Viva’, Dom Odilo fala sobre as realidades da Igreja e da sociedade

Arcebispo Metropolitano foi o entrevistado do tradicional programa da TV Cultura na noite da segunda-feira, 12, e respondeu a questões sobre as atividades religiosas na pandemia, o resguardo da Igreja a influências políticas e ideológicas, problemas sociais do País e as supostas polarizações que existem no interno da Igreja

Cardeal Scherer participa vistualmente do programa ‘Roda Viva’, da TV Cultura (Reprodução de TV Cultura)

O Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, participou do programa “Roda Viva”, da TV Cultura, na segunda-feira, 12.

De forma remota, direto da Cúria Metropolitana, Dom Odilo foi entrevistado pelos jornalistas Vera Magalhães, Graciliano Rocha, Patricia Zorzan, Joyce Ribeiro e Diego Amorim, além do filósofo e professor a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Luiz Felipe Pondé.

Leia, a seguir, os destaques das respostas do Cardeal Scherer sobre os temas abordados no programa:

Medidas restritivas da pandemia em relação a missas e atividades religiosas com presença de fiéis:

“Pareceu-me ser a solução mais indicada. Só se justificaria mudar esta posição se houvesse uma queda significativa no número de doentes, falecimentos e, portanto, sinalizando que o vírus estaria contagiando menos […]. Certamente, não é a melhor solução, porque esperamos que quanto antes a situação mude, o povo possa voltar normalmente à Igreja, assim como possa voltar ao trabalho, à escola, ao restaurante, ao cinema. Nós estamos torcendo e contribuindo de nossa parte para que a pandemia quanto antes seja vencida e nós possamos ter um momento mais normal na nossa vida”.

Risco à liberdade religiosa com as restrições de missas e cultos na pandemia:

“Para dizer a verdade, não me senti confortável com a proibição, veto, às celebrações de cultos e missas pelo poder público. Entendi que deveríamos acolher o apelo, o pedido das autoridades a não termos celebrações com o povo por uma iniciativa de solidariedade, caridade, respeito à vida, colaboração com o poder público para evitar a transmissão do vírus. Agora, por qualquer motivo, usar o conceito de proibir uma prática religiosa… Pergunto a quem entende mais que se isto está, de fato, em conformidade com a Constituição Brasileira e com a liberdade religiosa.”

Enfrentamento da pandemia

“Alguns governantes enfrentaram melhor do que outros o problema da pandemia, as medidas que deveriam ser adotadas. Nosso Governo federal não adotou em tempo as medidas e isso, naturalmente, está trazendo suas consequências. Mas é um problema que vamos vencer juntos, com paciência e sabedoria […]. Felizmente, temos esperança, temos vacinas, embora não em quantidade suficiente. […]. Evidentemente, estamos atrasados na questão da vacinação, sobretudo, numa atitude que seja compartilhada por todos nas medidas preventivas.”

Se a religião pode ser um requisito para definir a presença de alguém em um cargo público, como o Supremo Tribunal Federal (STF)

“Creio que o que importa, neste caso, é a sua qualidade de jurista, conhecedor da Constituição, da prática do direito e não, antes de tudo, a religião. O Brasil  é formado de pessoas de muitas religiões. É normal que entre os ministros do Supremo haja católicos, evangélicos, judeus, que houvesse muçulmanos. Isso seria um fato secundário. O que importa é o conhecimento da lei e a sua capacidade de jurista.”

(Reprodução de TV Cultura)

Influência das opções político-partidárias e ideológicas dos ministros da Igreja

“Em certas situações, as convicções espirituais acabam sendo deixadas de lado em função de paixão política. É claro que religiosos não são isentos de terem paixões políticas. São cidadãos, têm direitos políticos. Porém, no exercício da atividade religiosa, sobretudo se são líderes, as paixões políticas deveriam ser colocadas em segundo plano, porque isso, normalmente, divide […]. Os partidos sempre falam em parte, não abrangem o todo, enquanto a proposta religiosa é abrangente, não pode ser apenas parcial”.

Instrumentalização política da religião

“Esse é um grande risco que hoje corremos e devemos estar muito atentos. A instrumentalização da religião em função de ideologia política nunca deu certo, sempre levou a resultados desastrosos. O Papa Francisco, recentemente, na sua visita ao Iraque, em diversas ocasiões, fez referência exatamente a isso.”

Teologia da Libertação hoje

“Muitas coisas mudaram, as preocupações hoje são outras, embora, muitos problemas permaneçam os mesmos. Aquilo que, muitas vezes, é identificado como Teologia da Libertação é, de fato, ensino social da Igreja, faz parte do patrimônio constante e secular do ensino da Igreja em relação à justiça social, à dignidade humana, à caridade social. Portanto, falsamente isso vem atribuído como sendo patrimônio da Teologia da Libertação […]. Isso faz parte do Cristianismo desde as origens, quando não se falava de comunismo.”

Existência de uma “oposição” ao Papa Francisco

“Existe um grupo que faz resistência, mas é o mesmo que também fazia resistência ao Papa João Paulo II, ao Papa Paulo VI. Esses grupos sempre existiram. São os mesmos que não aceitaram o Concílio Vaticano II e as reformas pós-conciliares. […] Não acredito que devamos exagerar na importância dada a esses, digamos, opositores – que não são tantos assim – em relação ao Papa Francisco.”

Radicalismos

 “Esse é o problema da nossa época. Os radicalismos não nascem de um momento para o outro e sem motivos. Existem ideólogos de certos fanatismos que acabam entusiasmando pessoas e essas ideias vêm misturadas com certo ar religioso, que, de fato, é contrário à verdadeira religião. Um certo messianismo que vem atrás de posições radicais, certos fanatismos são perigosos. Ao longo da história, sabemos que as ideias movem os canhões.”

Sobre maior acesso da população às armas de fogo

“É um grande engano achar que [ampliação do acesso às armas] é satisfazer um direito da população. Isso é um grande risco, é armar a população e amanhã mesmo pode se voltar contra a população. É um grande risco para a paz social no Brasil.

(Reprodução de TV Cultura)

Posição da Igreja sobre a escravidão e no combate ao racismo

“É muito difícil julgarmos com olhar do presente as situações do passado. Podemos fazê-lo, mas arriscamos ser parciais e injustos. Na verdade, a Igreja tomou posição contra a escravidão. Oficialmente, a Igreja não aprovava a escravidão. Mas havia escravos sim, também em âmbitos de comunidades religiosas. Mas isso estava dentro da condição geral da cultura do momento. Hoje, a Igreja claramente se coloca pela dignidade de toda pessoa humana e, por isso, não deve ser discriminada, subestimada por causa da sua raça, da cor da sua pele, da sua origem”.

Sobre o fato de a Igreja negar a bênção às uniões entre pessoas do mesmo sexo

“Dar a bênção a um ‘casal’ homossexual por parte da Igreja equivaleria a reconhecer o que entendemos como o sacramento do Matrimônio. […]. Para a Igreja, um casamento é entre um homem e uma mulher, não é de duas pessoas do mesmo sexo. Então, que sejam uniões e se chamem como quiserem, mas para a Igreja não é casamento.”

Sobre a afirmação do Papa Francisco, em um documentário, em relação aos homossexuais terem direito a uma família:

 “O Papa se referia ao fato de os homossexuais terem direito a uma família, isto é, que sejam filhos de uma família, que não sejam expulsos de casa. Não falava de eles constituírem uma família. Isso foi uma interpretação equivocada das suas palavras”.

Adoção de crianças por pessoas do mesmo sexo:

“Essa questão precisa ser olhada do lado da criança e daqueles que a adotam. Entendemos que quem adota a criança pode estar sendo movido por generosidade, sentimentos bons, desejo bom de ajudar uma criança; mas é preciso olhar o que objetivamente é bom para a criança.”

O papel atual da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no debate público e na própria Igreja

“Em relação às questões internas da Igreja, a CNBB cumpre o seu papel enquanto conferência dos bispos, que não interfere na vida interna das dioceses, como não interfere nas congregações e ordens religiosas […]. Às vezes, pretende-se que a CNBB seja uma espécie de governo geral da Igreja no Brasil. Não o é.”

“Quanto ao debate público, vejo que a CNBB continua a falar, a se manifestar, a participar, por exemplo, com a OAB, com outros organismos de importância e peso. Porém, hoje, pouco se dá atenção àquilo que a CNBB diz. No passado se dava muito mais atenção. Por que será? Acredito que algumas coisas mudaram no panorama religioso brasileiro. Existe uma perda de relevância da CNBB no campo político porque existem muitos outros atores políticos hoje. Mas, a meu ver, ela continua sendo uma voz importante também quando se trata de questões que dizem respeito à vida social, política e econômica”.

A que é atribuída a longevidade da Igreja Católica

“Para uma instituição ter durabilidade, precisa ter credibilidade e verdade. Por outro lado, tem que estar ao lado das boas causas, não significa sempre das causas vitoriosas. […]. A Igreja, ao longo da história, muitas vezes, ficou confundida com as vicissitudes do tempo, mas sempre conseguiu distinguir daquilo que tem como anúncio, proposta. […]. Portanto, ela tem um norte, um rumo que permanece o mesmo ao longo de toda história. Em uma herança histórica de testemunhos de vida santa, de heroísmo, vida doada aos povos. Isso faz parte do lastro de credibilidade que ela tem.”

Sobre um possível conflito entre fé e razão

“A mensagem da Igreja Católica nunca é apenas para a solução das questões deste mundo. Nós sempre falamos no horizonte da esperança, que transcende as soluções presentes. Isso é parte do nosso DNA.  Somos marcados pela esperança e pela transcendência. Isso não é contrário à razão. O fato de a razão procurar ‘razões’ que vão além dela não me parece irracional”. 

(Reprodução de TV Cultura)

Imagem pública dos sacerdotes e as vocações

“Infelizmente, a imagem do padre ficou muito atingida por uma série de escândalos cometidos por uma minoria. Os padres sofrem por isso. A maioria absoluta não tem vida escandalosa, trabalha, dedica-se honestamente. […]. Por isso, existem vocações de jovens ao sacerdócio e existe apreço pelo sacerdote, porque as pessoas têm a compreensão não por uma imagem genérica e ideal, mas pela figura concreta de um padre que as pessoas conhecem e que um rapaz gostaria de imitar e ser como ele. Aí nascem vocações que continuam a surgir na Igreja”.

Se as medidas de combate à pedofilia na Igreja são suficientes

“É preciso que haja uma mudança cultural, na educação. As pessoas precisam ter uma formação do caráter tal que sejam capazes de resistir às tentações. […]. Não basta estabelecer leis e mecanismos [de combate] porque nós os temos. É preciso de algo que dê motivação interior muito forte e isso não é algo que se possa pretender mediante leis. Embora devamos recorrer às leis para coibir tudo o que é possível. Mas a Igreja recomenda, além e tudo, uma melhor formação, melhor escolha, melhor observação dos candidatos […]. De maneira que, claro, vamos superar isso pouco a pouco.”

Crescimento da fome e da miséria  na pandemia

“Que alguns estejam enriquecendo muito, apesar da doença, da pandemia, do sofrimento, da miséria, da fome dos outros, isso é um escândalo. Absolutamente. Agora, olhemos para outro lado. Existe tanta solidariedade tanta ação boa sendo feita durante este tempo da pandemia […]. Penso que isso é um sinal bonito, de que as pessoas estão se aproximando mais de Deus, porque quem pensa no próximo se aproxima de Deus.”

A relação de Deus com a pandemia:

“Não adoto essa interpretação de atribuir a Deus o ‘envio’ da pandemia. Existem causas naturais […]. Deus, sim, está nos chamando neste momento de sofrimento, incertezas, a procurar a via justa, as coisas melhores. […].  O tempo de pandemia é também o tempo de proximidade de Deus. Aliás, isso faz parte da Sagrada Escritura. Quando maior é o sofrimento, mais próximo Deus está daqueles que sofrem.”

Assista à íntegra do programa ‘Roda Viva’ com o Cardeal Scherer:

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