Durante a pandemia, Cardeal Scherer faz de sua casa uma comunidade virtual

Devido à pandemia, desde março, as missas na residência de Dom Odilo são transmitidas pelo rádio e pela internet

Na pequena capela da residência do Arcebispo de São Paulo, Cardeal Odilo Pedro Scherer, na região central da capital, já está tudo pronto para a missa: vela acesa, cálice preparado, Missal no altar, microfones e refletor ligados e internet conectada.

São 7h em ponto e a missa vai começar. Aos poucos, os fiéis começam a chegar: 50, 80, 150, 300 e, em alguns minutos, já passam de mil. Diante de Dom Odilo estão apenas a tela e a câmera de um computador, mediante o qual ele se dirige a essa numerosa assembleia todas as manhãs, desde o dia 22 de março, quando as missas, até então privadas, passaram a ser transmitidas pela rádio 9 de Julho e pelas mídias digitais da Arquidiocese, devido à pandemia de COVID-19.

“É uma experiência nova de um contato mais amplo com as pessoas, uma vez que, por exemplo, cada celebração da manhã atinge diretamente de 2 mil a 3 mil pessoas. Nós não imaginávamos que haveria essa quantidade de pessoas às 7h em uma igreja”, destacou o Arcebispo ao O SÃO PAULO.

ASSEMBLEIA FIEL

Assim que termina a missa, Dom Odilo vai até o computador conferir quem são seus “paroquianos”. Ele já reconhece alguns fiéis assíduos, que interagem durante a celebração, respondendo a orações e enviando intenções. “É interessante que não são só pessoas de São Paulo, mas também de outros lugares do Brasil, até de outros países. Isso nos faz perceber melhor aquilo que é a própria Igreja, essa comunhão espiritual que não depende apenas da proximidade física, ao mesmo tempo que não a dispensa. Fazemos parte desta família de Deus, espalhada pelo mundo inteiro, que se sente participante do mesmo bem, da mesma vida, do mesmo amor e da mesma fraternidade. São dimensões da Igreja que sempre existiram, mas, agora, percebemos de uma forma nova”, observou o Arcebispo.

O Cardeal Scherer compartilhou que não foi fácil tomar a decisão de suspender as missas com a participação de fiéis nas igrejas da Arquidiocese. “Uma medida drástica como essa não é tomada todo dia. Naquele início, não se tinha noção da gravidade. Pouco a pouco, fomos compreendendo melhor”, afirmou.

Por essa razão, além de recomendar que os padres continuassem a celebrar a missa sem a presença de fiéis, mas em favor do povo, pediu que elas fossem transmitidas pelas mídias, para que as pessoas permanecessem unidas espiritualmente às suas comunidades. “Era necessário, de alguma forma, continuar a alimentara fé do povo, mostrar a proximidade, presença. Esta é uma maneira que, naturalmente, não é nova, pois missa pela televisão e pelo rádio sempre houve, e muitas paróquias já faziam transmissões pelas mídias sociais”, destacou.

MUITO TRABALHO

Como tem acontecido com a maioria das pessoas neste período de isolamento social, a rotina do Cardeal Scherer mudou bastante. Os trabalhos ordinários, como a coordenação do conjunto da vida da Arquidiocese, contatos com os diversos conselhos, equipes e organismos eclesiais continuam por meio de reuniões virtuais. Além disso, Dom Odilo tem sido convidado para participar de eventos, encontros, conferências e até retiros espirituais virtuais, como tem acontecido com o clero arquidiocesano.

“Certamente, tenho trabalhado mais do que antes. Contudo, com um ritmo diferente e muito intenso. Há menos mobilidade e, de certa forma, o trabalho tem rendido, pois há maior disciplina para realizar as coisas em um tempo mais limitado, de forma mais organizada”, relatou.

A pequena capela na residência de Dom Odilo foi adaptada para as transmissões das missas diárias

Aos domingos, Dom Odilo tem celebrado a Eucaristia na Catedral da Sé, com a participação de um número reduzido de fiéis, seguindo as recomendações sanitárias. E, em algumas ocasiões, realiza uma atividade presencial, sempre tomando os cuidados necessários.

O Arcebispo, entretanto, reconheceu que há menos contato pessoal, o que ele lamenta. “Gostaria muito de poder retomar o contato mais direto com os padres e com o povo por meio das visitas às paróquias e comunidades. No momento, porém, isso ainda não é possível”, afirmou o Cardeal de 70 anos.

LIVES

Além das missas diárias, Dom Odilo também tem realizado lives aos domingos, por meio de sua página no Facebook, nas quais ele conversa com o público, responde a perguntas e tira dúvidas. Essas transmissões têm um alcance de, em média, 20 mil pessoas, de diversos lugares.

A experiência das lives também mostra um desafio para a Igreja, quando, cada vez mais, os bispos tomam consciência de que não falam apenas para a porção do povo de Deus em sua diocese. “O limite de administração e de responsabilidade de um bispo sobre determinado território, naturalmente, permanece o mesmo. Ganha mais destaque, porém, aquilo que é também uma realidade de sempre na Igreja: a corresponsabilidade. Cada bispo é responsável pela sua diocese, cada padre pela sua paróquia; no conjunto, no entanto, somos corresponsáveis por toda a Igreja”, enfatizou o Arcebispo.

NOVAS POSSIBILIDADES

Para o Cardeal, as experiências nas mídias digitais mostram possibilidades que até então não haviam sido exploradas, não apenas para as celebrações, mas para outras formas de fazer pastoral. “Eu gostaria de ver aumentar outras experiências de contato pastoral. Que os padres tivessem contato mais direto com as famílias das paróquias, com grupos de jovens, catequistas, ministros da comunhão, com o conselho de pastoral, para poder haver essa constante participação e presença na vida das pessoas”, manifestou Dom Odilo.

“Que as muitas coisas boas que aprendemos agora não se percam depois que passar a pandemia. Que não voltemos ao mesmo normal de antes também no nosso modo de fazer. Que integremos, ao novo ritmo que vai continuar, as coisas que aprendemos e vimos que dão certo”, salientou Dom Odilo, recordando que as crises são momentos de descobertas úteis para a vida.

“Além disso, muitas questões que foram aparecendo na convivência social devem continuar depois, como, por exemplo, o maior interesse de uns pelos outros, a maior solidariedade, a percepção da dor do outro. Que não fiquemos indiferentes e que isso continue também depois que esta crise passar”, concluiu.

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