Eles superaram o alcoolismo e testemunham a força da fé

Conheça as histórias de três homens que chegaram ao extremo do vício, mas encontraram ajuda para dar um novo rumo à vida

Foto: Alcoolicos Anônimos

Uma pesquisa on-line conduzida pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em 33 países da América Latina e Caribe, com pessoas de 18 anos de idade ou mais, mostrou que o consumo de álcool cresceu em âmbito privado durante a atual pandemia, tendo entre outras motivações as situações de ansiedade, medo, depressão, tédio e incerteza.

No Brasil, 74% dos entrevistados consumiram álcool durante a pandemia, o maior percentual entre todos os países. O tipo de bebida mais consumida foi a cerveja, tanto antes da pandemia (52,3%) quanto durante (48,7%); seguida pelo vinho, cujo consumo aumentou de 21,8%, em 2019 para 29,3% em todas as regiões ao longo da pandemia.

Em novembro de 2020, foram divulgados dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o consumo de álcool pela população adulta brasileira. Em comparação a 2013, houve um aumento do consumo semanal de bebidas alcoólicas em 2019 (de 23,9% para 26%).

Os dados ganharam maior destaque nesta semana na comemoração do Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo, em 18 de fevereiro. A data foi criada para ajudar as pessoas a refletir sobre a doença e os prejuízos que ela causa.

Grupos como o Alcoólicos Anônimos (AA) estão espalhados por todo o País, alguns deles em paróquias, e oferecem apoio para quem quer vencer o vício, a partir da troca de experiências entre os participantes e da ajuda mútua.

Em razão da pandemia de COVID-19, os encontros presenciais estão suspensos, mas há reuniões diárias on-line, das 20h às 22h, em diferentes partes do País, por meio de uma plataforma do AA.

Nesta edição, O SÃO PAULO apresenta os relatos de três homens que receberam ajuda para superar o alcoolismo e testemunham a força da fé para o combate ao vício que degrada a dignidade humana.

EMANUEL MESSIAS

Emanuel Messias Guedes do Nascimento, 42, nasceu na Paraíba e chegou a São Paulo ainda na juventude. Ele estava participando de um retiro na comunidade católica Missão Belém momentos antes de conversar com a reportagem.

“Vim para São Paulo aos 18 anos. Quando cheguei, trabalhei numa floricultura e lá, com os colegas, participava de muitas festas. Foi quando comecei a beber com mais frequência. Aos fins de semana, eu bebia até as 3h e no outro dia ia trabalhar. A princípio, era apenas uma ou duas vezes na semana, mas depois começou a acontecer durante a semana toda. Vieram as faltas constantes no trabalho, e a patroa disse que, se eu continuasse assim, ela teria que me demitir. Pouco tempo depois, fui demitido. Eu morava de aluguel e fui vendendo tudo para comprar bebida, até ser despejado”, recorda.

Messias, então, encontrou um albergue onde poderia dormir e conheceu outras pessoas que viviam em situação de rua: “Vivia na rua, ficava dias e dias sem tomar banho, bebia dia e noite, ganhava ou pegava comida no lixo. Levei uma facada e quase morri. Estava convencido de que eu iria morrer naquela situação”.

Em 2007, ele teve o primeiro contato com membros da comunidade Missão Belém que conviveram, por uma semana, nas ruas com ele e outras pessoas. “Pelo carinho e dedicação que eles demonstraram, resolvi ir para o sítio [um dos que a Missão Belém mantém]. Lá encontrei pessoas que tinha visto na rua, algumas que tinham sido dadas como mortas”, recorda.

“Ali, rezando o Terço todo dia, sentindo-me respeitado, tendo um café da manhã para tomar, alguém sempre preocupado comigo, percebi que eu seria capaz de sair das ruas e deixar a bebida. Dia após dia, fui deixando tudo para trás e, após seis meses, eu participei de uma missão de rua no mesmo lugar em que eu ficava. Foi uma experiência maravilhosa”, conta.

Ele já estava havia nove anos na comunidade e decidiu sair para buscar trabalho. Um ano depois, porém, voltou a beber. “Eu me perguntava: ‘o que faltou em mim?’ Senti que era a fé. Era Deus. Então, voltei para a comunidade e fui muito bem acolhido. Encontrei, mais uma vez, pessoas que não me julgaram. Sinto que aqui é o meu lugar”, comenta sobre a superação do vício.


NAZARENO PAULINO

“A bebida queimou minha boca, queimou meu dinheiro, meus relacionamentos, minha moral e quase destruiu minha vida. Mas, graças a Deus, há 25 anos eu não bebo.”

O relato é de Nazareno Paulino, 50, que em 2020 comemorou 25 anos de sobriedade. Funcionário público, ele contou à reportagem como conseguiu deixar a bebida após conhecer o AA e o grupo de jovens da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, em Unaí (MG).

“Comecei a beber aos 15 anos, quando vi os mais velhos bebendo. Via as pessoas se divertirem e achei que aquilo era muito bom. Eu era muito tímido. Um dia, cheguei numa festa de aniversário e me ofereceram uma cerveja. Quando bebi, senti imediatamente os efeitos em meu cérebro. Percebi que a bebida me desinibia. Quando eu bebia, era como se as coisas acontecessem, como se eu ficasse até mais inteligente. No início, eu só bebia nas festas. Quando comecei a estudar à noite, nos reuníamos para comer e beber uma vez por mês, às sextas-feiras. Após alguns meses, já bebia quase todos os fins de semana”, recorda.

As ausências no trabalho começaram a ser frequentes e, mesmo prometendo a si mesmo que mudaria de hábito, Paulino não conseguia. Deixou o trabalho e os estudos. A rotina era ocupada pelo vício: “Parecia um caminho sem volta. Fui humilhado em muitos lugares, os amigos de copo começam a desaparecer e a bebida se transformou na coisa mais importante da vida. Quando eu não estava bebendo, era como se eu não existisse”.

Paulino recorda que sua mãe, muitas vezes, saía de madrugada à sua procura pelos bares. “Ela chorava ajoelhada aos meus pés, pedindo que eu não bebesse, mas eu a ignorava.”

Começaram os pesadelos, febres e surtos. Depois, os furtos das moedas da própria mãe para comprar bebida e, não raro, “mendigava para conseguir beber”.

Certo dia, ao entrar em um bar, ouviu: “O Nazareno não passa deste ano”. Ele, de fato, adoeceria. “Fui hospitalizado, e todos os que iam me ver saíam de lá desesperados. Eu não tinha mais aparência de uma pessoa viva. Era como se eu estivesse morto”, conta.

Ele, porém, sobreviveu. Pouco depois, recebeu a visita de um grupo de pessoas do AA. “Ali começou a mudança. Foi um milagre de Deus. Anjos de Deus foram até minha casa e me fizeram um convite muito especial e eu aceitei”, afirma, recordando que sua mãe jamais deixou de rezar por ele.

Depois de começar a frequentar os encontros do AA, Paulino ingressou no grupo de teatro da Paróquia: “Nosso grupo de teatro de jovens da igreja se apresentava nas escolas, na penitenciária, em grandes eventos. Daí em diante, busquei sempre mais a Palavra de Deus e a vivência da espiritualidade. Aprendi a perdoar, a não entrar em confusão e a rezar nas situações boas e ruins”.

Hoje, Paulino comemora a vida em sobriedade, o fato de ser ator e a conquista de uma profissão: ele é funcionário concursado da Secretaria de Cultura de Unaí.

REGINALDO DE JESUS

Foto: Michal Jarmoluk/Pixabay

“Tudo começou na adolescência. Durante anos, eu bebia, trabalhava e tinha uma vida normal. Com o tempo, porém, as saídas para beber foram ficando mais frequentes. De repente, percebi que tinha perdido amigos, trabalho e até mesmo minha esposa. A bebida estava me prejudicando muito.”

O relato é de Reginaldo de Jesus, 40, que hoje trabalha na área da Saúde e é voluntário no Arsenal da Esperança, em São Paulo.

“Há cerca de dez anos, vim para São Paulo, procurei o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod), na Luz, e fiquei dois meses internado. Eles, então, me deram a oportunidade de ficar mais tempo em uma fazenda para continuar o tratamento. Lá, aprendi sobre espiritualidade e, durante oito meses, vivi uma busca pessoal. Hoje, faço parte do coral da minha paróquia, sou voluntário em projetos sociais e também no Arsenal da Esperança, onde morei por algum tempo”, recorda.

Reginaldo de Jesus conta que no Arsenal da Esperança encontrou suporte para superar o vício e retribuiu o apoio que recebeu. “Depois, como agente de saúde e trabalhando na Mooca, prestei atendimento para os acolhidos no Arsenal da Esperança. Foi muito importante para mim sentir que estava retribuindo um pouco de tudo o que recebi”.

ONDE BUSCAR AJUDA

No site dos Alcoólicos Anônimos (AA) há inúmeras informações para quem deseja superar o vício, bem como participar dos encontros virtuais dos grupos:

https://www.aa.org.br

Sinais e sintomas de alcoolismo
Falta de controle do consumo de bebidas alcoólicas;
Tolerância cada vez maior à bebida;
Manifestações de síndrome de abstinência (ao interromper o consumo de álcool), tremores nos lábios, mãos, pés; náuseas, vômitos, suor excessivo, ansiedade, irritação, podendo evoluir para convulsões;
Estados de confusão mental, com falta de orientação no tempo e no espaço;
Alucinações.
 
Possíveis efeitos do alcoolismo
Lesões acidentais, como no caso de batidas de automóveis, quedas, queimaduras e afogamentos;
Lesões intencionais, como no caso de lesões por arma de fogo, abusos sexuais e violência doméstica;
Aumento das lesões no trabalho e perda de produtividade;
Aumento dos problemas familiares, separações;
Envenenamento por álcool;
Pressão alta, derrame cerebral e outras doenças cardíacas;
Doença hepática;
Danos neurais;
Problemas cerebrais permanentes;
Deficiência de vitamina B1 que pode levar a um distúrbio caracterizado por amnésia, apatia e desorientação;
Úlceras;
Gastrite (inflamação das paredes do estômago);
Desnutrição;
Câncer na boca e garganta.

Fonte: Fundação para um Mundo Sem Drogas

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