Em igreja de Pinheiros, presépio retrata o nascimento de Jesus em plena capital paulista

Em presépio da Paróquia Nossa Senhora do Monte Serrate, artista plástico Rossane Rossi, de Uberlândia (MG), une a cena tradicional do Natal a elementos do cotidiano da metrópole
(Foto: Luciney Martins/ O SÃO PAULO)

A administradora Idalina Amaral, 58, trabalha há cinco anos no bairro de Pinheiros, na zona Oeste de São Paulo. Sempre que possível, ela costuma participar da missa na Paróquia Nossa Senhora do Monte Serrate, no horário do almoço.

Após a celebração, ela se aproximou do presépio inaugurado recentemente na igreja e, ao contemplar a cena da natividade do Senhor, com a Sagrada Família, os pastores, magos e anjos, Idalina identificou alguns elementos familiares: o Natal de Jesus acontecia em plena cidade de São Paulo, mais precisamente naquele bairro que ela conhecia muito bem.

“Eu reconheci a nossa cidade ali, nossos monumentos e símbolos históricos. Aquelas pessoas comuns do nosso dia a dia. Eu me reconheci na cena do nascimento de Jesus”, comentou, admirada. Assim como Idalina, muitas outras pessoas têm ficado impressionadas com o presépio montado no interior dessa igreja localizada no famoso Largo da Batata.

Inspirada no estilo napolitano, a obra une a tradicional cena do nascimento de Jesus em Belém aos elementos contemporâneos da capital paulista. Projeto A ideia de construir um presépio nesse estilo partiu do Padre Vandro Pisaneschi, Pároco desde fevereiro de 2019.

“Sempre me encantei com o presépio no estilo napolitano por inserir a cena da natividade do Senhor na realidade concreta de uma comunidade. Então, surgiu a ideia de procurarmos fazer um presépio assim, contudo adaptado para o cenário da nossa comunidade paroquial, do nosso bairro”, explicou o Padre, destacando que não bastava simplesmente representar elementos genéricos de uma cidade, mas lugares e referências específicas.

Sagrada Família, reis magos e anjos são colocados diante da reprodução da matriz paroquial (Foto: Luciney Martins/ O SÃO PAULO)

O artista

A partir daí, deu início à busca por um profissional que concretizasse essa ideia. Até que uma paroquiana descobriu o artista plástico Rossane Rossi, de Uberlância (MG), conhecido em sua região pela confecção de presépios. No primeiro contato, feito virtualmente, o Pároco reforçou que o presépio devia deixar claro que se tratava da cidade de São Paulo.

“O objetivo desse presépio é mostrar para as pessoas que Jesus Cristo nasce em nossa cidade, em meio à nossa realidade e, sobretudo, que as pessoas se identifiquem com as personagens retratadas na cena”, disse o Padre.

Sonho

Rossane gosta de confeccionar presépios desde a infância, tradição que herdou de seu avô. Sua obra mais famosa é o presépio napolitano em exposição na sua cidade natal. Ele relatou ao O SÃO PAULO que fazer um presépio na capital paulista é a realização de um sonho.

“Sempre venho a São Paulo para visitar uma prima do meu pai. Em uma dessas ocasiões, no ano passado, enquanto andava pelas ruas da cidade, chegando, inclusive, a passar em frente à Igreja do Monte Serrate, pergunteime: ‘Será que um dia eu vou realizar algum trabalho nesta cidade tão grande?’ Foi, porém, um pensamento passageiro”, contou. Um ano depois, o artista foi surpreendido com o convite para fazer o presépio da igreja em Pinheiros.

Pesquisa

O primeiro contato foi feito em março, e os trabalhos de confecção das peças iniciaram em maio. Impossibilitado de vir a São Paulo, devido à pandemia, o artista fez, a distância, uma minuciosa pesquisa dos monumentos e construções da cidade. “O grande desafio foi unir esses elementos modernos com o cenário tradicional do presépio. Creio, no entanto, que conseguimos concretizar isso”, afirmou.

Personagens

Ao contrário do autêntico presépio napolitano, as personagens retratadas não são típicas do século XVIII, mas habitantes atuais da metrópole. É possível identificar os trabalhadores do bairro, crianças, jovens e adolescentes, pessoas em situação de rua e com deficiência. A diversidade cultural da população também é retratada por meio da presença, por exemplo, de personagens com trajes típicos nordestinos.

Para a confecção das peças utilizou-se diversos materiais, como madeira, gesso, cerâmica. As 55 personagens foram modeladas individualmente em massa cerâmica, de modo que não há nenhuma idêntica a outra. As roupas também foram feitas manualmente. Para o trabalho, Rossane contou com a ajuda de outros dois colaboradores, porém enfatizou que todas as peças passaram por suas mãos pelo menos para o acabamento.

Catedral da Sé, Pateo do Collegio, Mosteiro São Bento e outros símbolos da cidade estão representados na obra (Foto: Luciney Martins/ O SÃO PAULO)

Monumentos

Além de reproduzir com fidelidade grandes marcos religiosos da cidade, como a Catedral da Sé, o Pateo do Collegio e o Mosteiro de São Bento, o presépio reproduz símbolos arquitetônicos como o Museu de Arte de São Paulo (MASP), a Ponte Estaiada, o Mercado Municipal, o Viaduto Santa Ifigênia e o Edifício Tomie Ohtake, um dos símbolos do bairro.

Lugares que simbolizam o cotidiano dos paulistanos também fazem parte do presépio, como bares, lanchonetes e até a entrada subterrânea de uma estação de metrô. Os barracos de uma favela e as tubulações que despejam esgoto no poluído rio Pinheiros também estão presentes na obra.

Já a cena tradicional da natividade acontece na representação da matriz paroquial. Ao fundo, no horizonte, há um painel que reproduz o Monte Serrate, na Espanha, de onde tem origem a imagem da padroeira da Paróquia.

Montagem

A montagem do presépio na igreja durou três dias. “Como nós não acompanhamos a confecção das peças, estávamos ansiosos para ver o resultado. De repente, o artista chegou trazendo as peças em um caminhão. Quando ele começou a montar, ficamos espantados com tamanho realismo”, relatou Padre Vandro.

O presépio foi inaugurado e abençoado no 1º Domingo do Advento, em 29 de novembro. Desde então, a obra chama a atenção de todos os que passam pela igreja.

Personagens típicos do bairro de Pinheiros são representados no presépio (Foto: Luciney Martins/ O SÃO PAULO)

Identificação

O Pároco destacou o relato de uma mulher que caminhava com seu filho na Avenida Paulista quando a criança apontou para um dos edifícios e disse: “Mamãe, eu vi esse prédio lá na igreja”.

Outro fato foi relatado pelo próprio artista, que, durante a montagem do presépio, viu uma mulher com os braços tatuados. Ele a chamou para ver que no presépio também havia personagens com tatuagens. “Ela ficou surpresa, e disse que jamais imaginou ser retratada no presépio”, afirmou.

O mesmo aconteceu com os jovens que andam de skate no Largo da Batata, que também ficaram impressionados ao se reconhecerem na cena da natividade.

O engenheiro-agrônomo Luís Stefani, 62, mora em Goiânia (GO) e sempre que vem a São Paulo visita a Igreja Nossa Senhora do Monte Serrate. Logo que viu a obra de arte, reconheceu a cidade. “Esse presépio nos ajuda a perceber que tudo na nossa vida se remete ao mistério que dá origem à nossa fé, o nascimento de Cristo, e, assim, nos reconhecemos como Igreja, como comunidade”, disse.

Missão

Padre Vandro enfatizou que esse presépio simboliza aquilo que a Paróquia é chamada a ser na cidade: “Um lugar onde o Senhor nasce todos os dias e de onde Ele é anunciado para todo o bairro”. “É um grande desafio que ainda não conseguimos realizar plenamente. Mas buscamos, como Nossa Senhora no presépio, apresentar Deus de uma maneira com que dialoguemos, de fato, com esta cidade”, disse Padre Vandro.

Antes da pandemia, a comunidade já estava empenhada em tornar a Paróquia cada vez mais uma referência para o bairro. “Esta é uma igreja de passagem. Percebemos que os fiéis que frequentam a Paróquia durante a semana são, na maioria, trabalhadores do bairro que moram até em outras dioceses e municípios. Já nos fins de semana, notamos que cresce o número de moradores do entorno que começam a frequentar nossas missas e atividades. Aos poucos, as pessoas estão voltando a se sentir pertencentes a esta comunidade”, relatou o Pároco.

O crescimento do fluxo de fiéis à Paróquia no ano passado se deveu, em grande parte, ao aumento da quantidade de missas e do horário de atendimento, além de momentos de oração e atividades culturais.

Mercado Municipal também foi representado no presépio (Foto: Luciney Martins/ O SÃO PAULO)

Encontro

Embora o período da pandemia tenha prejudicado a participação presencial das pessoas, Padre Vandro observou que o investimento da Paróquia nas ações por meio das mídias mostra um crescimento significativo daqueles que se vinculam às atividades da comunidade.

Além das transmissões das missas, todos os meses são realizadas novenas, momentos de oração e de devoção, catequeses e palestras, cuja participação tem aumentado gradualmente. “A partir dessa iniciativa, nós conseguimos alcançar pessoas que antes não frequentavam a nossa comunidade. Agora, nossa missão é ir ao encontro delas para que se insiram também nas atividades presenciais que, aos poucos, estamos retomando, seguindo todos os cuidados necessários.”

Um exemplo disso foi a novena de Nossa Senhora das Graças, realizada virtualmente, mas com o encerramento em uma missa na Paróquia. “Havia mais de 200 pessoas na celebração. Todas elas foram alcançadas pelas redes sociais”, destacou o Padre.

Resgate histórico

Outro aspecto que solidifica a identidade da Paróquia são as iniciativas de resgate da história da comunidade que, este ano, completou 460 anos de existência.

“A presença católica aqui se confunde com a origem de nossa cidade, com os missionários jesuítas que constituíram uma comunidade de fé neste lugar. São José de Anchieta passou por aqui e, inclusive, está representado no presépio. O bairro de Pinheiros nasceu em torno desta comunidade”, enfatizou o Sacerdote.

(Foto: Luciney Martins/ O SÃO PAULO)

A história sobre as origens da Igreja na região está expressa nos vitrais colocados recentemente no templo e recorda momentos e personagens marcantes para a vida da comunidade. “Muitas pessoas que participam da nossa Paróquia há muito tempo não tinham ideia das nossas raízes históricas. Isso gera um encantamento e solidifica o vínculo com a comunidade”, acrescentou o Pároco.

Padre Vandro compartilhou que, talvez, o presépio possa ficar exposto permanentemente na Paróquia, como acontece em algumas igrejas pelo mundo, para lembrar constantemente, pelo mistério do Natal, que “Deus habita esta cidade”.

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