Paixão do Senhor: ‘Somos todos irmãos no sangue de Cristo’

Afirmou o pregador da Casa Pontifícia, na celebração da Paixão do Senhor, presidida pelo Santo Padre, no Vaticano

Papa Francisco beija a crucifixo, em sinal de adoração ao mistério da redenção (foto: Vatican Media)

O Papa Francisco presidiu na tarde desta Sexta-feira Santa, 2, a ação litúrgica da Paixão do Senhor, na Basílica de São Pedro, no Vaticano.

Essa celebração, que compõe o Tríduo Pascal, recorda a crucificação e morte de Jesus. Devido à pandemia de COVID-19, assim como no ano passado, a celebração aconteceu com um número restrito de cardeais, bispos e fiéis, seguindo os protocolos sanitários.

Como prevê a liturgia desse dia, o Santo Padre se aproximou em silêncio do altar desnudo diante do qual se prostrou ao chão, como sinal de humildade e reconhecimento da miséria humana diante da grandeza do mistério da morte de Cristo.

Essa celebração também é marcada pela proclamação do Evangelho da Paixão de Cristo segundo São João e pela Oração Universal, na qual se reza por diversas intenções da Igreja e da humanidade, inclusive pelo fim da atual pandemia.

Outro momento marcante é o rito da adoração da cruz. Devido às restrições sanitárias, apenas o Pontífice beijou o crucifixo em sinal de adoração ao mistério da redenção, enquanto os demais presentes veneraram a cruz ajoelhados e em silêncio.

Este é o único dia do ano em que a Igreja Católica não celebra missas, por isso, a comunhão eucarística da Celebração da Paixão é feira com a Eucaristia consagrada na missa da Ceia do Senhor, na noite anterior.

‘Primogênito entre muitos irmãos’

A homilia dessa celebração, como de costume, foi feita pelo pregador da Casa Pontifícia, Cardeal Raniero Cantalamessa. O Capuchinho partiu da expressão bíblica “Primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8,9) para refletir sobre a relação da cruz de Cristo e a fraternidade.

Recordando a recente encíclica Fratelli tutti, do Papa Francisco, o Cardeal destacou que, em pouco tempo, esse documento fez renascer em tantos corações a aspiração sobre o valor universal da fraternidade, “trouxe à luz tantas feridas contra ela no mundo de hoje, indicou algumas vias para se chegar a uma verdadeira e justa fraternidade humana e exortou todos – pessoas e instituições – a trabalhar por ela”.

Pontífice se prostra diante do altar, no início da liturgia da Paixão (foto: Vatican Media)

“O mistério da cruz que estamos celebrando nos obriga a nos concentrarmos justamente neste fundamento cristológico da fraternidade, que foi inaugurado na morte de Cristo”, afirmou o Pregador, lembrando que “irmão” é aquele que a Bíblia chama de “próximo”. “‘Quem não ama o próprio irmão…’ (1Jo 2,9) significa: quem não ama o seu próximo. Quando Jesus diz: ‘Todas as vezes que fizestes isso a um destes mínimos que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes’ (Mt 25,40), compreende toda pessoa humana necessitada de ajuda”, continuou.

Discípulos

O Purpurado acrescentou que também são considerados irmãos entre si os discípulos de Jesus, aqueles que acolhem seus ensinamentos, como afirma o próprio jesus: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos? (…) Todo aquele que faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã̃ e minha mãe” (Mt 12,48-50).

“Nesta linha, a Páscoa marca uma etapa nova e decisiva. Graças a ela, Cristo se torna “o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8,29). Os discípulos se tornam irmãos em sentido novo e profundíssimo: compartilham não apenas o ensinamento de Jesus, mas também seu Espirito, sua nova vida de ressuscitado”, afirmou Frei Raniero, salientando ser significativo que, somente após sua ressurreição, pela primeira vez, Jesus chama os seus discípulos de “irmãos”, quando diz a Maria Madalena: “Vai dizer aos meus irmãos que eu subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu deus e vosso Deus” (Jo 20,17).

“Depois da Páscoa, este é o uso mais comum do termo irmão; indica o irmão de fé́, membro da comunidade cristã. Irmãos ‘de sangue’, também neste caso, mas do sangue de Cristo! Isso faz da fraternidade de Cristo algo de único e transcendente, em relação a qualquer outro gênero de fraternidade, e deve-se ao fato de que Cristo é também Deus”, continuou o Pregador.

Unidade da Igreja

A partir desses fundamentos o Cardeal Cantalamessa ressaltou que “a fraternidade universal começa para nós com a fraternidade na Igreja Católica”.

“A fraternidade católica está dilacerada! A túnica de Cristo foi cortada em pedaços pelas divisões entre as Igrejas; mas – o que não é menos grave – cada pedaço da túnica, por sua vez, é frequentemente dividido em outros pedaços. Naturalmente, falo do elemento humano dela, porque a verdadeira túnica de Cristo, seu corpo místico animado pelo Espírito Santo, ninguém jamais poderá́ dilacerar”, afirmou.

Em seguida, o Capuchinho recordou que, aos olhos de Deus, a Igreja é “una, santa, católica e apostólica”, e assim permanecerá até o fim do mundo. “Isto, contudo, não desculpa as nossas divisões, mas as torna ainda mais culpáveis e deve nos impulsionar, com mais força, a restaurá-las”, completou.

Cardeal Cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia (foto: Vatican Media)

Pecado da divisão

“Qual é a causa mais comum das divisões entre os católicos? Não é o dogma, não são os sacramentos e os ministérios: coisas estas que, por singular graça de Deus, mantemos íntegras e unânimes. É a opção política, quando ela se sobrepõe àquela religiosa e eclesial e desposa uma ideologia, esquecendo completamente o sentido e o dever da obediência na Igreja”, alertou o Cardeal, referindo-se a tal divisão como “um pecado, no sentido mais estrito do termo”.

“Significa que o ‘o reino deste mundo’ se tornou mais importante, no próprio coração, do que o Reino de Deus. Creio que sejamos todos chamados a fazer um sério exame de consciência sobre isso e a nos convertermos. Esta é, por excelência, a obra daquele cujo nome é ‘diábolos’, isto é, o divisor, o inimigo que semeia o joio, como o define Jesus em sua parábola (cf. Mt 13,25)”, manifestou o Purpurado.

Nesse sentido, Frei Raniero afirmou que todos devem aprender do Evangelho e do exemplo de Jesus. “Ao redor dele, havia uma forte polarização política. Existiam quatro partidos: Fariseus, Saduceus, Herodianos e Zelotes. Jesus não ficou do lado de nenhum deles e resistiu energicamente à tentativa de ser arrastado para uma parte ou outra. A comunidade cristã primitiva o seguiu fielmente nesta opção”, sublinhou.

Dever de pastores e fiéis

“Este é um exemplo sobretudo para os pastores que devem ser pastores de todo o rebanho, não apenas de uma parte dele. São eles, por isso, os primeiros a ter que fazer um sério exame de consciência e se perguntar aonde estão conduzindo o próprio rebanho: se à própria parte (ou ao próprio “partido”), ou à parte de Jesus”, frisou o Cardeal, recordando, ainda, que o Concilio Vaticano II confia aos leigos, antes de tudo, a tarefa de traduzir as indicações sociais, econômicas e políticas do Evangelho em diferentes opções, “desde que sejam sempre respeitosas e pacíficas”.

“Se há um dom ou carisma próprio que a Igreja Católica deve cultivar em benefício de todas as Igrejas, este é a unidade” acrescentou Pregador, que, por fim, convidou todos a, “com o coração contrito e o espírito humilde”, elevarem a oração que a Igreja dirige em cada missa, antes da comunhão:

“Senhor Jesus Cristo, dissestes aos vossos Apóstolos: Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz. Não olheis os nossos pecados, mas a fé́ que anima vossa Igreja; dai-lhe, segundo o vosso desejo, a paz e a unidade. Vós, que sois Deus, com o Pai e o Espírito Santo. Amém.”

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