Pandemia acrescenta desafios para o combate à evasão escolar no Brasil

Em 2020, mais de 5,5 milhões de estudantes brasileiros não tiveram direito à educação. Diante da adoção do ensino remoto, a falta de acesso à internet prejudicou ainda mais crianças e adolescentes em comunidades mais vulneráveis

Educação SP

A evasão escolar é um problema bastante conhecido no cenário educacional brasileiro, que durante a pandemia de COVID-19 ficou ainda mais evidente.

Em janeiro, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou o estudo “Enfrentamento da cultura do fracasso escolar”, que trata do impacto da reprovação, do abandono escolar e da distorção idade-série nos estudantes brasileiros. Feito em conjunto com o Instituto Claro e outros parceiros, traz ainda apontamentos sobre a educação pública no contexto da pandemia.

Em seu relatório – acessível pelo link a seguir: https://cutt.ly/2vAkY62 –, o Unicef destaca que, no ano passado, mais de 5,5 milhões de crianças e adolescentes não tiveram acesso à educação. O dado é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo a Pnad Contínua, de outubro passado, 1,38 milhão de estudantes de 6 a 17 anos não frequentaram a escola, nem de modo presencial e/ou remoto, número que corresponde a 3,8% dos alunos. A taxa é superior à média nacional de 2019, que foi de 2%. Outros 4,12 milhões de estudantes (11,2%), embora matriculados e sem estarem de férias, não tiveram acesso às atividades escolares.

O documento também aponta que as crianças e adolescentes mais afetados por essa realidade “se concentram nas regiões Norte e Nordeste, são muitas vezes negros e indígenas ou estudantes com deficiências”. Um perfil que já é bastante conhecido e que, diante da pandemia, continuou sendo o que mais enfrenta as maiores dificuldades para se manter aprendendo.

Motivos da Evasão

O professor Christian Sznick, dirigente do Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp), salienta que a evasão escolar é uma realidade anterior ao coronavírus e reforça que o desafio de manter o aluno na escola passa por todo o cenário da educação. “Não basta apenas, por exemplo, fornecer uma vaga à criança. A escola também deve ser próxima da residência da família”, disse.

Sznick acrescenta que programas da rede pública podem estimular a frequência do aluno. “O programa de alimentação escolar é um importante componente na permanência do bebê, da criança e do estudante na unidade educacional”, exemplificou.

O professor aponta, ainda, que, com a pandemia de COVID-19, a evasão escolar passou a ter particularidades adicionais, como a falta de acesso à internet e a característica de cada etapa e modalidade da educação. “A falta de conectividade tem sido um ponto cobrado pelo Sinesp desde o ano passado, em conjunto com outras entidades, e apontado, inclusive, no Comitê Emergencial de Crise da Câmara Municipal de São Paulo.”

Sznick enfatiza que, embora a Secretaria Municipal de Educação (SME) de São Paulo tenha optado por fornecer tablets e chips de dados aos alunos do Ensino Fundamental, a iniciativa, que ainda não se concretizou por inteiro, também não será suficiente para prover conectividade a todos os estudantes. “Embora importante, essa medida é emergencial e não se tem a sua expansão para a Educação Infantil, até pelas características da etapa, que preza pelo contato social, impossibilitado pelo momento pandêmico.”

Segundo o dirigente, o Sinesp tem reivindicado que esses equipamentos cheguem diretamente às famílias, em vez de serem entregues às escolas de forma fracionada e sem um contrato de configuração dos equipamentos, como está previsto que aconteça. Outra reivindicação é que os materiais didáticos impressos para o ano letivo também sejam entregues diretamente na casa dos estudantes.

Sznick cita, ainda, a dificuldade das equipes gestoras em contatar os alunos e as famílias, pois “muitas alteraram os números de telefone e até mudaram de endereço”.

Indicativos do Unicef

Também em janeiro, o Unicef emitiu uma carta aberta aos prefeitos dos 5.568 municípios brasileiros, pedindo que priorizassem a educação e a reabertura segura das escolas.

O organismo enfatiza que a decisão de manter as instituições de ensino fechadas por longo período, somada ao isolamento social, tem “impactado profundamente a aprendizagem, a saúde mental e a proteção de crianças e adolescentes”, conforme consta na carta, que pode ser acessada no link a seguir: https://cutt.ly/svAxgWN.

É mencionado, também, o papel que as escolas desempenham na vida dos estudantes e de suas famílias, pois, além de promoverem a educação essencial, permitem que os alunos exerçam cidadania e desenvolvam competências de interação social, essenciais até mesmo para sua própria proteção.

O Unicef reforça a preocupação com o risco de contaminação da comunidade escolar com o coronavírus, mas que há experiências de outros países demonstrando que a reabertura das escolas não causou um aumento de infecções. Desse modo, defende que “as escolas devem ser as últimas a fechar e as primeiras a reabrir em qualquer emergência ou crise humanitária”.

Contudo, acrescenta que “a forma da reabertura tem de ser adaptada à situação local e pode incluir elementos de educação híbrida, uma mistura de educação presencial e a distância, rodízio de estudantes em grupos pequenos etc. – como sugerido nos protocolos que estão à disposição”.

Retomada das Aulas Presenciais

Em recente manifestação, a ONG “Todos pela Educação” externou que a “volta às aulas presenciais é importante, urgente e necessária, mas não a qualquer custo” e mostrou preocupação com o texto substitutivo ao Projeto de Lei (PL) nº 5595/2020, que está em tramitação na Câmara dos Deputados.

O PL é de autoria dos deputados federais Paula Belmonte, Adriana Ventura, Aline Sleutjes e General Peternelli, e “dispõe sobre o reconhecimento da Educação Básica e do Ensino Superior, em formato presencial, como serviços e atividades essenciais”.

Já a versão substitutiva foi apresentada pela relatora, deputada Joice Hasselmann, e “dispõe sobre a estratégia para o retorno às aulas no âmbito do enfrentamento da pandemia do coronavírus”.

Na avaliação do “Todos pela Educação”, o novo texto “sinaliza visão descompassada do momento atual”, já que “atenua uma relevante inadequação da versão original no que diz respeito ao risco de aplicação impositiva e homogênea da medida ‘educação como atividade essencial”.

Para a organização, mesmo que a medida não seja impositiva, ao ser aprovada no pior momento da pandemia no País, ela pode introduzir “uma significativa alavanca de pressão aos estados e municípios num momento em que a reabertura definitivamente não pode se dar a qualquer custo”, inclusive, porque a transmissão do vírus é variável em cada localidade. Assim, não seria seguro que as escolas fossem abertas em âmbito nacional.

“Todos pela Educação” acredita que, no atual momento, o mais importante é discutir “sobre as medidas que necessitam de ação imediata para que a reabertura [das escolas] seja segura, do ponto de vista sanitário, e efetiva sob a ótica educacional”. Defende, ainda, que os professores devem estar na lista prioritária da vacinação.

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