Projeto viabiliza acolhimento familiar a crianças de 0 a 6 anos que tiveram direitos violados

Iniciativa realizada pela FUNSAI, em parceria com a vara da infância e juventude do Ipiranga, assegura acolhida a crianças separadas temporariamente de suas famílias biológicas

Reprodução

O acolhimento familiar é uma política prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que visa a contribuir para a segurança e a evolução afetiva e social de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos. Com as alterações incluídas pela Lei Nacional de Adoção (12.010/2009), foi elevado ao grau preferencial, como consta no Artigo 34, parágrafo primeiro do Estatuto.

Por meio deste serviço, famílias podem amparar crianças ou adolescentes que estejam em vulnerabilidade social – como, por exemplo, as expostas a situações de maus-tratos físicos e/ou psicológicos – e que precisem de acolhimento temporário, até que possam retornar para sua família de origem ou, quando isso for inviável, sejam encaminhadas para adoção.

Implantado na Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga (Funsai) em julho de 2018, o projeto intitulado “Família Acolhedora”, com recorte na primeira infância, é desenvolvido em parceria com a Vara da Infância e Juventude do Ipiranga, que é um dos fóruns da capital paulista para esta questão.

O primeiro acolhimento familiar na Fundação ocorreu em abril de 2019. De lá pra cá, oito crianças foram assistidas e sete famílias habilitadas para a função.

124 ANOS DE ATUAÇÃO DA FUNSAI

A Fundação atua como organização de direito privado sem fins lucrativos e desenvolve trabalhos de assistência social, educação e cultura. Com cinco unidades próprias, todas localizadas no bairro do Ipiranga, em São Paulo, atende de crianças a idosos.

O atendimento a crianças teve início com o “Asilo de Meninas Órfãs”, fundado em 1896. Ao decidir migrar, em 2018, para a modalidade de acolhimento familiar, não ofereceu mais vagas nas duas casas de acolhimento institucional que ainda mantinha e os abrigos foram sendo encerrados gradativamente até o fim de 2019.

“As crianças que moravam nas casas foram encaminhadas para adoção ou para outra instituição”, explicou Maria Antonia de Souza Leite, 49, coordenadora do projeto na Fundação.

A mudança na forma de acolher crianças, segundo Maria Antonia, foi pautada em estudos e avaliação do retorno aos assistidos, uma vez que o acolhimento familiar “proporciona mais benefícios” por ter atendimento individual e garantir a permanência da criança em um lar enquanto ela aguarda uma decisão em seu processo.

Na equipe da “Família Acolhedora”, além da coordenadora, há uma assistente de coordenação, duas assistentes sociais e uma psicóloga. Essas profissionais avaliam e capacitam as pessoas que desejam integrar o projeto.

Maria Antonia coordena o acolhimento / Ira Romão

COMO SER UMA ‘FAMÍLIA ACOLHEDORA’

Para acolher uma criança, a família ou o indivíduo (homem ou mulher maior de 22 anos), precisa atender a alguns requisitos. O principal deles é não estar inscrito no Cadastro Nacional de Adoção.

A coordenadora esclareceu que o acolhimento familiar é um serviço social que difere do processo de adoção: “O papel da família acolhedora é cuidar da criança e garantir seus direitos por meio da guarda provisória durante seis meses ou mais, conforme o andamento do serviço.”

Efetuar um cadastro no site da Funsai para participar de uma palestra de apresentação é o primeiro passo para os interessados em acolher. “Nela, falamos da política da assistência social, do ECA e de outros marcos legais que dão origem e norte ao nosso trabalho. E também sobre afe- to e desacolhimento”, resumiu Maria Antonia.

Se acaso continuar interessada, a família passa por uma entrevista e visita domiciliar. Outro requisito para quem deseja acolher uma criança é ter uma rede de apoio familiar. Além disso, os membros que vivem na mesma casa devem concordar com o acolhi- mento.

Se aprovada na primeira etapa, a família inicia uma capacitação que dura cerca de dois meses e que aborda temas ligados à rotina do acolhimento e contribui para a definição do perfil (idade, demandas etc.) da criança que conseguirá acolher. Ao ser habilitada na função, passa a integrar o quadro de “Família Acolhedora” da Funsai e aguarda ser acionada pela equipe técnica para acolher uma criança.

Casados há 33 anos, Mauro e Sandra participam da iniciativa e já acolheram duas crianças / Ira Romão

ACOLHIMENTO NA PRÁTICA

Casados há 33 anos e pais de quatro filhos, a professora Sandra, 53, e o aposentado Mauro, 55, estão no segundo acolhimento pela Funsai.

Em novembro de 2019, um bebê de 8 meses e com síndrome de Down chegou para mudar a rotina familiar e ficou sob os cuidados do casal até completar 1 ano e 4 meses, quando retornou à família biológica. E, há cinco meses, eles estão cuidando de outra criança, de 6 anos, que está em processo de adoção.

Sandra confessou que no início tInha receio de como seria o serviço na prática, mas sentia que deveria acolher. “Às vezes, pensamos que não temos nada para doar, mas temos! Só descobriremos fazendo. Mesmo pensando que estamos ajudando, a verdade é que estamos aprendendo.”

O bebê demandou cuidados específicos e intensa rotina em consultas. “Tivemos que saber esperar, ficar em filas para atendimento médico. Tudo que a gente não vivia. Começamos a ver outras dimensões da vida”, relembrou Sandra.

Mauro frisou que durante a formação tiveram dúvidas de como seria o suporte da equipe técnica da Funsai. “É um contato constante. Não é algo que oprime, mas, sim, um suporte para questões com as quais não temos competência, como a questão psicológica e pedagógica da criança.”

A coordenadora do serviço reforçou que esse contato faz parte da formação continuada com encontros, conversas temáticas e partilha das experiências das famílias habilitadas.

Maria Antonia destacou, ainda, que a família de origem da criança também é orientada. “Acompanhamos a família para que ela possa se organizar na vulnerabilidade que se encontra e a encaminhamos para os órgãos de auxílio necessário. Assim, ela tem a oportunidade de se restaurar e até obter a criança de volta.”

Para o casal, o acolhimento familiar é um exercício contínuo de renúncia e de amor que contribuirá para a vida da criança. “Cinco meses não vão fazer efeito para a vida toda, mas sempre ajuda. Já é o começo”, disse Mauro.

Sobre o desacolhimento, Sandra pontuou que, apesar dos laços construídos na relação, é um processo claro tanto para a família quanto para a criança. “Tudo é fruto da conversa. A gente sempre explica que ali é a casa do momento dela, que ela pode se sentir em casa, mas que não será sua casa pra sempre.”

*A reportagem não cita o nome completo do casal para manter a segurança da criança acolhida.

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