Quais os caminhos para uma mobilidade sustentável em São Paulo?

Menor quantidade de deslocamentos diários, maior uso dos transportes coletivos e de modais mais limpos e seguros são fundamentais, avalia especialista do Instituto Cidades Sustentáveis

Fernando Frazão/Agência Brasil

Era uma sexta-feira com fortes chuvas, alertas para alagamentos em toda a cidade e com o rodízio de veículos suspenso. Pelo rádio, o motorista “preso no trânsito” de uma grande avenida escuta a informação de que naquela noite de 8 de março São Paulo havia atingido o recorde anual de congestionamento: mais de 1,2 mil km, conforme dados da Companhia de Engenharia de Tráfico (CET). O motorista, então, volta os olhares para o corredor de ônibus e percebe que a velocidade dos coletivos está maior que a de seu carro. Entretanto, os ônibus estão cheios, as pessoas com semblante cansado; a viagem, enfim, não parece nada confortável.

Diante de situações como estas, comuns nos horários de pico mesmo em dias sem grandes intempéries climáticas, surge a pergunta: há caminhos para que se alcance uma mobilidade sustentável na maior cidade do País? Sobre este tema, o jornal O SÃO PAULO conversou com Igor Pantoja, coordenador de relações institucionais do Instituto Cidades Sustentáveis, organização que atua para mobilizar, sensibilizar e comprometer a sociedade e os governos locais no desenvolvimento justo e sustentável das cidades, algo que também envolve as políticas de mobilidade.

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UM CIDADE COM MOBILIDADE SUSTENTÁVEL

Pantoja destaca que um primeiro aspecto a ser considerado é que a mobilidade sustentável não se resume à eficácia de um modal de transporte, mas, sim, em reduzir os deslocamentos das pessoas para as atividades que realizam diariamente.

“O ideal, portanto, não é que exista uma estação de metrô a cada esquina, mas que a pessoa consiga fazer os trajetos mais importantes do seu dia o mais perto possível da própria casa.

Isso envolve, por exemplo, ter emprego e ambientes de educação nas periferias e não que todas as oportunidades estejam no centro ou em regiões específicas. Evidentemente que é importante haver mais transporte de massa, veículos menos poluentes que os movidos a diesel ou a gasolina e que exista a complementaridade desse transporte, com opções como a bicicleta, mas o essencial é que o deslocamento diário seja cada vez menor, feito de maneira mais coletiva e menos individual e de forma mais limpa e segura”, analisa.

O especialista lamenta, porém, que a revisão do Plano Diretor da cidade, que deverá ser votada em definitivo pela Câmara Municipal de São Paulo ainda neste mês, não traga a previsão de mais zonas de estímulo às atividades econômicas nas periferias, embora essa tenha sido uma demanda manifestada pelos cidadãos nas audiências públicas. “Existem, porém, outras possibilidades de estímulo que o poder público pode fazer. Por exemplo: o governo é um grande comprador, demanda muitos serviços, e assim pode colocar critérios para privilegiar, em processos licitatórios, empresas que forneçam mão de obra local, isso já ajudará a reduzir os deslocamentos diários”, avalia.

ENTRE O TRÂNSITO E OS CUSTOS

Desde 2007, o Instituto Cidades Sustentáveis realiza a pesquisa “Viver em São Paulo – Mobilidade Urbana”. Segundo Pantoja, as principais reclamações dos entrevistados em relação ao transporte público referem-se ao valor da tarifa, à superlotação dos veículos e ao tempo de espera para o embarque.

“O barateamento do valor da tarifa do transporte público contribuiria para que mais pessoas o utilizasse em lugar do próprio veículo. Por isso, até já se discute em São Paulo a adoção da tarifa zero no transporte público, pois havendo transporte público gratuito, muita gente deixaria de usar o carro”, destaca.

Pantoja lembra que muitas estratégias têm sido pensadas para viabilizar a tarifa zero nos ônibus municipais. “A mais imediata seria que em vez de as empresas pagarem o vale transporte individualmente, elas pagariam uma taxa para cada um de seus trabalhadores, e isso seria depositado em uma conta pública para bancar este transporte gratuito. Outra possibilidade é a de direcionar recursos específicos dos impostos sobre os combustíveis para custear esta tarifas”, diz, recordando que já há a proposta da criação, em âmbito nacional, do Sistema Único de Mobilidade.

“O trânsito tem sido crescente em São Paulo. Hoje o tempo de deslocamento médio de quem se utiliza do carro e de quem vai de transporte público, conforme a pesquisa que eu já mencionei, está cada vez mais próximo. É preciso, portanto, aumentar o percentual de pessoas no transporte público, porque, do contrário, a cidade vai ficar insustentável do ponto de vista do trânsito”, enfatiza Pantoja.

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OS GANHOS DE UMA CIDADE COM MENOS COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS

O relatório “Emissões Veiculares no Estado de São Paulo”, publicado em 2020 pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), indica que dos 15,4 milhões de veículos no estado, 10,4 milhões são automóveis, sendo estes os maiores responsáveis pela emissão de poluentes atmosféricos como o monóxido de carbono e hidrocarbonetos não metano (NMHC), resultantes da queima de combustíveis fósseis.

Pantoja recorda que no Mapa da Desigualdade – um dos estudos feitos pelo Instituto Cidades Sustentáveis – há o indicativo de que, em São Paulo, “onde mais se concentra a emissão desses gases poluentes são nas regiões com mais eixos de transporte. Assim, ter transportes mais limpos é uma urgência. Do ponto de vista tecnológico, os veículos elétricos ou movidos a hidrogênio são as soluções mais viáveis”, aponta.

O especialista pondera, entretanto, que a simples substituição dos veículos movidos a combustível fóssil por modelos elétricos não representará o fim dos problemas de mobilidade na cidade: “O ideal seria que houvesse um consumo mais consciente dos recursos, e não simplesmente uma troca, pois com o tempo o que ocorrerá é apenas a mudança do rejeito, ou seja, em vez de o veículo gerar partículas do gás carbônico, vai deixar um volume gigantesco de baterias e de outros metais pesados que compõem os acumuladores de carga. O que precisa existir, portanto, é uma mudança do modo de vida”.

A PROPOSTA DE UM SISTEMA ÚNICO DE MOBILIDADE

Em abril deste ano, um grupo de entidades, entre as quais o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), lançou uma mobilização para que se crie o Sistema Único de Mobilidade (SUM), que aos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS) seria custeado e gerido pelo poder público nos âmbitos federal, estadual e municipal.

O SUM TEM CINCO OBJETIVOS PRINCIPAIS:

1. Alcançar zero mortes no trânsito, zero emissões de poluentes e zero tarifa;
2. Promover a inclusão social, a acessibilidade universal, a equidade no acesso a oportunidades e a redução das desigualdades socioespaciais;
3. Ampliar a porcentagem de viagens realizadas por transporte ativo e transporte público coletivo, para, assim, reduzir aquelas realizadas por transporte motorizado individual;
4. Ampliar e melhorar as infraestruturas de mobilidade ativa e a oferta dos serviços de transporte público coletivo de forma integrada;
5. Garantir a prestação dos serviços de transporte com qualidade, confiabilidade e disponibilidade.

Mais detalhes podem ser acessados em www.idec.org.br/sum.

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