A cada 90 minutos, um brasileiro morre após se afogar ou ao tentar resgatar alguém nessa situação; a maior incidência dos registros é de crianças e idosos

Longe dos holofotes, há uma crise de saúde pública de proporções alarmantes no Brasil. O afogamento, muitas vezes visto como um evento isolado, é a segunda principal causa de morte acidental no País.
Dados da Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (Sobrasa) e do Ministério da Saúde apontam que entre 2010 e 2023 o Brasil registrou mais de 71 mil óbitos por afogamentos. Em média, a cada 90 minutos um brasileiro perde a vida nas águas.
O risco não é homogêneo. Concentra-se nos extremos da vida: crianças e idosos. Enquanto a infância é marcada pela inexperiência e falha na supervisão, a terceira idade sofre com limitações físicas e cognitivas, exigindo estratégias específicas de prevenção.
A TRAGÉDIA OCULTA NA PRIMEIRA INFÂNCIA
Segundo o Boletim Epidemiológico da Sobrasa, quatro crianças morrem afogadas por dia, sendo a segunda causa de morte entre 1 e 4 anos. Essa fase é marcada pela curiosidade e pela rápida mobilidade.
Lorenzo, de 1 ano e 4 meses, esteve à beira da morte. Na manhã de 26 de novembro do ano passado, o acesso à piscina da casa onde morava estava fechado, mas havia uma fresta na porta.
“Quando me levantei, perguntei: ‘Cadê o Lorenzo?’, ele já não estava ali. Fui direto até a piscina. Lembro de forçar a porta, que estava trancada, e, quando consegui abrir, vi o que nenhuma mãe deveria ver. Peguei nos braços meu filho, que parecia já sem vida. Foi a dor mais profunda da minha vida”, descreve Jéssica Ciabotti, mãe do menino.
“Eu não sabia fazer os primeiros socorros. A verdade é que a maioria das pessoas não sabe, seja em casos de afogamento, engasgo ou parada cardiorrespiratória”, conta Jéssica. “Se não fosse uma médica que mora no meu condomínio, o Lorenzo não estaria vivo hoje”, afirma.

“A vizinha da frente, policial civil, começou as manobras de reanimação. Logo chegou uma médica pediatra intervencionista. O marido dela viu a mensagem no grupo do condomínio e avisou que havia uma criança afogada. Já estavam ali a UTI móvel e o Corpo de Bombeiros, mas ninguém tinha conseguido reanimá-lo. Somente ela conseguiu trazer o Lorenzo de volta”, recorda Jéssica (na foto acima com o esposo Thiago Santos Neves e o filho).
A Sobrasa alerta que a ausência de supervisão ativa é o principal fator de risco, responsável por três mortes infantis por dia no País. De acordo com a instituição, 54% das mortes até 9 anos acontecem em casa e 76% em rios, lagos e represas.
O AFOGAMENTO NA TERCEIRA IDADE
Na outra ponta da vida, o envelhe-cimento traz alterações fisiológicas que aumentam a vulnerabilidade. “O afogamento acontece muito rápido, de forma silenciosa e ele é muito crítico. Em dois, três minutos, o coração está parado”, relata David Szpilman, secretário geral da Sobrasa. Entre as causas principais para o afogamento de idosos estão males súbitos, doenças crônicas, perda de equilíbrio e interações medicamentosas. Os acidentes ocorrem tanto em águas naturais quanto no ambiente doméstico, banheiras e até quedas em vasos sanitários podem ser fatais.
DE UM TRAUMA PESSOAL À FUNDAÇÃO QUE SALVA VIDAS
A Sobrasa lidera o Plano Estratégico Brasileiro de Segurança Aquática, com ações de educação e medidas adaptadas a cada público.
A entidade nasceu da história de David, um garoto que amava o mar e, aos 7 anos, nas ondas de Copacabana, no Rio de Janeiro, se afogou e foi salvo pelo pai.
“O afogamento me impactou e eu comecei a competir na natação, acho que como forma de não me afogar, embora isso não seja uma blindagem”, relembra. “Quando me formei médico, queria muito trabalhar nessa área, com os guarda-vidas, na praia, porque eu sempre surfei e adorava estar ali. Comecei a trabalhar em 1990 com os guarda-vidas. Tínhamos um centro de recuperação de afogados e percebemos uma gama gigantesca de informações que não estavam sendo contempladas”, explica.

“Eu comecei a escrever para o exterior e me enviaram respostas com convite para ir a um evento fora do País. Eu fui com a minha esposa e, quando cheguei lá, foi uma surpresa: havia 2 mil pessoas, todo o mundo do esporte lifesaving, praticavam o salvamento esportivo.” Na ocasião, David foi convidado a tomar uma forte decisão.
“Eles me chamaram, pelo Brasil, para assumir um compromisso de fazer alguma coisa para combater o afogamento. Eu já estava na área, já tinha várias perguntas, várias respostas, e quando voltei, em 1995, nós fundamos a Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (Sobrasa)”, conclui.
PROJETO ANJOS DA VIDA
Jéssica também transformou a dor em ação. Seu filho Lorenzo, hoje com 2 anos, carrega sequelas do afogamento.
“O diagnóstico é de paralisia cerebral e atrofia cerebral difusa, atingindo ambos os hemisférios do cérebro. Depois que a gente entra nesse universo, passa a conhecer toda a causa, e percebi que muitas famílias criam perfis para compartilhar o processo de recuperação. Eu sempre me perguntava, porém: ‘Por que não existe alguém falando sobre prevenção? Por que isso não é divulgado?”, diz.
Dessa inquietação nasceu o projeto Anjos da Vida, cujo objetivo principal é trazer conscientização e informação às famílias. “É um espaço voltado para quem está passando por isso. Quando uma criança sofre um afogamento, e infelizmente, a maioria não sobrevive, a família entra em um novo universo, completamente diferente do que vivia antes”, explica Jéssica.








