O patriotismo é especialmente recordado no Brasil em setembro, um sentimento de orgulho nacional que pode colaborar para o bem comum, a justiça e a solidariedade
Manifestação de amor ao país onde se nasce ou que se adotou para viver, estando disposto a agir para defendê-lo, a ponto de morrer pela pátria, é a definição mais elementar para patriotismo, tema que neste mês tem especial destaque em razão da comemoração do Dia da Pátria, 7, e do Dia dos Símbolos Nacionais, 18 de setembro, que homenageia a Bandeira Nacional, as Armas Nacionais, o Selo Nacional e o Hino Brasileiro, conforme regulamentado pela Lei 5.700, de 1971.
“O patriotismo, em geral, é uma espécie de sentimento de orgulho nacional, um amor, não só à pátria, ao país que você vive, mas também em relação aos símbolos, como o hino, a bandeira e, eventualmente, à própria história do país”, explicou ao O SÃO PAULO o cientista político Rodrigo Gallo, professor na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
No Brasil, o uso dos símbolos nacionais para expressar o orgulho de ser brasileiro é muito comum durante as edições da Copa do Mundo, e pôde ser constatado em outros momentos da história recente, como durante as Diretas Já!, nos anos 1980; com os jovens caras-pintadas, no início da década de 1990; e nas manifestações contra a corrupção política, mais intensas entre 2013 e 2016, o que mostra que o sentimento patriótico também se relaciona com o exercício da cidadania e a busca do bem comum.
Virtude
A Igreja Católica ensina que o amor à pátria é uma virtude relacionada ao cumprimento do Quarto Mandamento da Lei de Deus – “Honrar pai e mãe”. O Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 2239, destaca que o amor e o serviço à pátria derivam do dever de gratidão e da ordem de caridade. “A submissão às autoridades legítimas e o serviço do bem comum exigem que os cidadãos cumpram seu papel na vida da comunidade política”, diz o texto.
O Catecismo esclarece, ainda, que a virtude do patriotismo faz com que cada cidadão colabore “com os poderes civis para o bem da sociedade, num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade”.
Santo Tomás de Aquino, na sua Suma Teológica (STh. II-II q.101), diz que o dever do cristão em relação à pátria deriva da virtude da piedade filial, do dever de prestar honra e culto àqueles que o precedem, de forma especial aos pais, por terem dado a vida natural, e à pátria, por ser o lugar em que a pessoa se desenvolve e encontra seu espaço vital, além de viver a fraternidade com seus concidadãos.
O Compêndio da Doutrina Social da Igreja, no artigo 157, ao se referir aos direitos e deveres dos povos e nações, lembra que “a nação tem um fundamental direito à existência; à própria língua e cultura” e que, acima de tudo, deve haver uma livre cooperação, visando ao bem comum da humanidade.
Valor cultural
Na primeira mensagem para o Dia Mundial da Paz no terceiro milênio, em 1º de janeiro de 2001, São João Paulo II destacou que a pessoa existe necessariamente “em uma determinada cultura”, enraizada num humus concreto, no qual se forma o “sentido da ‘pátria’”.
O Santo Padre recordou que o próprio Jesus, ao se fazer homem, “adquiriu, com uma família humana, também uma ‘pátria’; ficou para sempre Jesus de Nazaré, o Nazareno”, afirmou, sublinhando que “o amor à pátria é um valor a cultivar, mas sem estreiteza de espírito”. Isso significa evitar “as formas patológicas que têm lugar quando o sentido patriótico assume tons de autoexaltação e de exclusão da diversidade”.
Nesse contexto, o Papa recordou que, no passado, as diferenças culturais foram frequentemente fonte de incompreensões e motivo de conflitos e guerras. E que, ainda hoje, existe a “polêmica afirmação de algumas identidades culturais contra outras culturas”. Ele advertiu, também, que, se a “radicalização das identidades culturais” é preocupante, não é menor o risco de se fazer uma homogeneização “servil das culturas”. “Um antídoto eficaz para que o sentido de pertença cultural não provoque isolamento é o conhecimento, sereno e livre de preconceitos negativos, das outras culturas”, completou.
Menos patriotas que antes?
Por força da Lei 12.301/2009, é obrigatório que, uma vez por semana, nas escolas públicas e privadas de Ensino Fundamental, haja a execução do Hino Nacional. A existência da legislação, porém, não tem assegurado, por exemplo, que os brasileiros, ao final do ciclo de ensino, tenham plena ciência da letra do hino e de seu significado.
“O modelo educacional que nós tínhamos antes – seja público, seja privado, com as diretrizes do Ministério da Educação –, indicava que havia uma valorização maior desses símbolos nacionais: cantar o hino toda sexta-feira de manhã, por exemplo, as aulas obrigatórias de Educação Moral e Cívica, isso fazia parte de um projeto de Estado”, observou Gallo, apontando para um possível desgaste dos símbolos nacionais e sua falta de percepção pelas novas gerações, panorama que, em seu entender, pode ser modificado.
“Talvez a geração atual não se sinta tão identificada com elementos que estão na bandeira, com o hino, talvez muitos jovens nem saibam a letra do hino nacional, mas por que o Estado não reconfigura suas estratégias para a construção de patriotismo? Cito o exemplo da música pop sul-coreana. O k-pop foi incorporado às estratégias de políticas externas da Coreia do Sul, a fim de tentar apresentar uma outra imagem do país ao mundo. Hoje, por exemplo, muitos brasileiros que nunca estiveram na Coreia do Sul gostam das coisas de lá. Assim, um elemento, a princípio banal, pode ser usado pelo Estado como forma de projetar a imagem do país externamente, além de fazer com que pelo menos parte da sua população tenha orgulho do ‘produto nacional’”, ponderou Gallo.
Nacionalismo x patriotismo
Por vezes tratadas como expressões correlatas, nacionalismo e patriotismo são diferentes. Um dos pioneiros a fazer tal distinção foi o abade Augustin Barruel, em 1797, no contexto da revolução francesa. Em suas “Memórias para Servir na História do Jacobinismo”, ele afirmou que o nacionalismo ocupou o lugar do amor geral, e passou a permitir desprezar os estrangeiros, enganá-los e ofendê-los. Tratava-se de um amor excessivo ao Estado e de ódio aos estrangeiros.
No livro “Dicionário de Política”, Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino apontam que “em seu sentido mais abrangente, o termo nacionalismo designa a ideologia nacional, a ideologia de determinado grupo político, o Estado nacional, que se sobrepõe às ideologias dos partidos, absorvendo-as em perspectiva. Juntamente com essa significação, porém, existe outra, mais restrita, que evidencia uma radicalização das ideias de unidade e independência da nação e é aplicada a um movimento político, o movimento nacionalista, que se julga o único e fiel intérprete do princípio nacional e o defensor exclusivo dos interesses nacionais”.
Rodrigo Gallo ressalta que, no nacionalismo, o Estado atua intensamente para criar uma unidade nacional, não é algo espontâneo de amor à pátria por parte das pessoas, e ainda pode gerar situações de conflito dentro do próprio território. “No Brasil, não se vê um projeto nacionalista sendo construído, mas há atritos. Em 2018, em Roraima, por exemplo, alguns brasileiros cantavam o hino nacional, a fim de expulsar venezuelanos do estado. Foi um momento muito triste, em que um símbolo nacional foi usado de forma muito negativa contra uma população estrangeira”, observou.
BRASILEIROS, POR QUE NÃO?
Para muitos esportistas, o ápice da carreira é alcançado quando disputam uma edição das Olimpíadas. Em cem anos de participação brasileira nos Jogos Olímpicos de Verão – a primeira foi em Antuérpia 1920 –, 52 esportistas nascidos em outros países representaram o Brasil nos Jogos. A trajetória destes atletas é apresentada na tese de doutorado“Brasileiros, por que não? Trajetória e identidade dos migrantes internacionais no esporte olímpico do Brasil”, pelo jornalista William Douglas de Almeida, que será avaliada no final deste mês na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP).
Em entrevista à reportagem, Almeida recorda que, apesar das particularidades, a identificação de alguém nascido no estrangeiro com o país que passa a defender tem aspectos comuns. “O local de nascimento é muito importante, e outros elementos, como os laços familiares e, em alguns casos, a migração ainda na infância, fazem com que muitos destes atletas tenham uma identificação muito forte com o Brasil. Além disso, há as relações construídas com amigos e outros profissionais do esporte – sejam concorrentes, sejam colegas de equipes – que aumentam o sentimento de pertencimento ao Brasil”, detalha.
Almeida recorda a experiência do remador Francisco Todesco, que, nascido na Itália, imigrou para o Brasil, ainda adolescente, logo após a 2a Guerra Mundial. “A primeira vez que ele voltou ao país natal foi para competir nos Jogos Olímpicos, em Roma 1960, como brasileiro. Para ele, representar o Brasil naquele evento era também uma forma de demonstrar gratidão à nova pátria. Anos depois, ele teve a oportunidade de obter novamente a cidadania italiana, mas optou por se manter brasileiro”, recorda.
Almeida lembra, ainda, que, para estes atletas, representar o Brasil em uma olimpíada significou a afirmação de uma identidade e uma aproximação com a própria ancestralidade. (DG)
UM VERDADEIRO TESOURO ENCONTRADO NO BRASIL
Há pessoas que, ao serem adotadas por uma nova pátria, também descobrem a fé. Isso aconteceu com Ken e Maushi Akamine, avós paternos de Dom Julio Endi Akamine, Arcebispo de Sorocaba (SP), primeiro Bispo nipo-brasileiro.
Dom Julio contou ao O SÃO PAULO que, no início do século XX, seus avós partiram do Japão, sua terra natal, sonhando com “a árvore dos frutos de ouro”, como era conhecido o café. No entanto, descobriram outra árvore que produz “um fruto imensamente mais precioso”.
“Quando o navio em que viajavam cruzou a linha do Equador, perderam de vista, para sempre, a Estrela Polar e viram, pela primeira vez, o Cruzeiro do Sul: das estrelas veio o sinal que preanunciava a verdadeira riqueza que aqui encontrariam”, relatou o Arcebispo, referindo-se ao Cristianismo.
Dom Julio contou que, quando seus avós decidiram imigrar para o Brasil, acreditavam que poderiam enriquecer com o cultivo do café e, em pouco tempo, retornariam bem-sucedidos ao Japão. No entanto, Ken foi designado para trabalhar na colheita de algodão no município paulista de Garça e, nesse contexto, ele e a esposa descobriram a fé cristã católica, batizando-se e adotando o nome cristão de Julio e Maria.
Na comemoração do centenário da Imigração Japonesa no Brasil, em 2008, Dom Julio ressaltou que, se a data era um momento oportuno para reconhecer a contribuição dos japoneses para a formação da cultura e da economia do Brasil, “é necessário agradecer aos católicos destas terras o fato de os imigrantes nipônicos terem encontrado aqui a ‘Árvore da Cruz’, de onde pende a salvação do mundo”.
“Minha gratidão aos que transmitiram a fé aos meus avós de modo tão sincero e vital é imensa: eles nos transmitiram o tesouro que, por graça divina, carregamos em vasos de argila”, concluiu o Arcebispo. (FG)
(Colaborou: Flavio Rogério Lopes)