O Governo Federal inicia na segunda-feira, 18, o pagamento da 2a parcela do auxílio emergencial a trabalhadores informais, autônomos e MicroEmpreendedores Individuais (MEIs) que já tinham recebido a 1a parcela até 30 de abril. O valor é de R$ 600 para todos os que atendam aos requisitos estabelecidos e de R$ 1.200 para mulheres sem marido ou companheiro e que morem com crianças ou adolescentes de até 18 anos de idade.
De acordo com os dados do Ministério da Cidadania, até a sexta-feira, 15, aproximadamente 50 milhões de pessoas já haviam recebido o crédito do auxílio emergencial, totalizando R$ 35,5 bilhões em repasses.
A análise sobre quem tem direito a receber o auxílio emergencial é feita pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev). Ao todo, 97 milhões de cadastros já foram processados. Quem já constava na base de dados do Bolsa Família ou do Cadastro Único teve sua situação analisada automaticamente. Já outras 52 milhões de pessoas se cadastraram via aplicativo ou site da Caixa para receber o benefício, e destas, 20,3 milhões foram consideradas aptas a recebê-lo.
Pagamentos indevidos
No dia 11, os Ministérios da Defesa e da Cidadania informaram que quase 190 mil militares da ativa, da reserva, reformados, pensionistas e anistiados receberam o auxílio emergencial, mesmo sem ter este direito. No dia 13, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou, em caráter cautelar, que os que receberam as verbas irregularmente devem devolvê-las aos cofres públicos. O montante envolvido é de, ao menos, R$ 43,9 milhões.
Esse é o primeiro registro de irregularidades que envolvem o recebimento do auxílio emergencial, mas tende a não ser o último. A Controladoria Geral da União (CGU), que realiza em parceria com o Ministério da Cidadania a fiscalização dos pagamentos, informou ao O SÃO PAULO, por meio de sua assessoria de imprensa, que realiza “a análise de informações cadastrais de forma a potencializar os efeitos da alocação dos recursos ao público-alvo definido pela legislação e reduzir eventuais pagamentos a pessoas não elegíveis. Por ora, as informações desse trabalho são de cunho estratégico, para apoiar os gestores nas tomadas de decisões em respostas à pandemia”.
Uma das dificuldades para o efetivo controle é que no caso do cadastro feito via aplicativo ou pelo site da Caixa, basta que a pessoa informe sua composição familiar, apresente os dados da família e declare que cumpre as regras para receber o auxílio emergencial. Esses dados são repassados à Dataprev e cruzados com mais de 33 milhões de registros no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS); contudo, o procedimento, a princípio, não é capaz de impedir que todos que apresentem falsas informações – por exemplo, uma mulher em união estável, mas que se declare chefe de família, com o objetivo de receber R$ 1.200 de auxílio – consiga o benefício.
‘É só uma mentirinha’
Aos que deliberadamente apresentarem falsas informações para tentar obter o auxílio emergencial, vale o alerta que “inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante” é um delito, previsto no artigo 299 do Código Penal, com pena de um a cinco anos de prisão, além de multa.
O artigo 4º da Portaria 351/2020, pela qual se definiu as bases do auxílio emergencial, estabelece que quem “prestar declarações falsas ou utilizar qualquer outro meio ilícito para indevidamente ingressar ou se manter como beneficiário do auxílio emergencial, será obrigado a ressarcir os valores recebidos de forma indevida”.
Mais do que isso, porém, para os cristãos, mentir para levar alguma vantagem é um ato de incoerência com sua fé, conforme se constata no Catecismo da Igreja Católica (CIC), que em seu parágrafo 2484 indica que “embora a mentira, em si, não constitua senão um pecado venial, torna-se mortal quando fere gravemente as virtudes da justiça e da caridade”.
Santo Agostinho, na obra “Sobre a Mentira” (De Mendacio), é enfático ao afirmar que “nenhum homem bom deve mentir” .
O Catecismo aborda ainda o prejuízo social que advém de tal prática: “a mentira é funesta para toda a sociedade; mina a confiança entre os homens e rompe o tecido das relações sociais” (CIC §2486).
Risco de se corromper
Em homilia na Casa Santa Marta, em 10 de fevereiro de 2017, o Papa Francisco alertou que são os pequenos desvios que alimentam a prática da corrupção.
“Existem muitas pessoas importantes corruptas no mundo, que conhecemos suas vidas por meio dos jornais. Talvez começaram com uma pequena coisa, não sei, não ajustando bem a balança, e o que era um quilo façamos novecentos gramas, mas era um quilo! […] É pouca coisa, ninguém vai perceber! Faz, faz! E, pouco a pouco, cai-se no pecado, na corrupção”, afirmou.
Em novembro de 2016, no encerramento do 3o Encontro dos Movimentos Populares no Vaticano, o Papa também alertou sobre o risco de cada pessoa se corromper e do que deve ser feito para que isso não aconteça: “Diante da tentação da corrupção, não existe melhor remédio do que a austeridade, esta austeridade moral e pessoal. E praticar a austeridade é, também, pregar com o exemplo. Peço-vos não subestimarem o valor do exemplo, porque tem mais força do que mil palavras, de mil panfletos, de mil ‘curtidas’, de mil retweets, de mil vídeos no YouTube. O exemplo de uma vida austera a serviço do próximo é o melhor modo para promover o bem comum”.
Fiscalização de irregularidades no auxílio
Em abril, o Ministério da Cidadania e a CGU firmaram um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) para a fiscalização do cumprimento dos requisitos legais exigidos para o pagamento do auxílio emergencial. A parceria estabelece a troca de informações e de documentos, além do acesso às bases de dados relacionadas ao Programa Bolsa Família (PBF), Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Cadastro Único.
O ACT também prevê o tratamento de denúncias consistentes recebidas pelo Ministério da Cidadania sobre eventuais irregularidades, bem como a análise de indícios de fraudes detectados pela pasta.
A CGU informou à reportagem que desde 20 de março existe “um canal específico para que cidadãos enviem manifestações relativas à prestação de serviços ou à atuação de agentes públicos nas ações de enfrentamento à disseminação do novo coronavírus. Ele permite o relato de falta de insumos, desobediência às medidas de prevenção, questões sobre o recebimento de auxílio emergencial, irregularidades na aplicação de recursos, bem como sugestões para o combate à pandemia. As manifestações podem ser enviadas por meio de formulário eletrônico, disponível na plataforma Fala.BR, bastando escolher o órgão ou entidade e marcar o assunto ‘Coronavírus (Covid-19)’. Também é possível fazer denúncia diretamente à CGU, que pode ser anônima, bastando escolher a opção ‘Não identificado’”.